06 Dezembro 2025
Em sua primeira Estratégia de Segurança Nacional de seu segundo mandato, o presidente Donald Trump coloca o foco na América Latina e, em um documento que já gerou reações, aprofunda suas críticas à Europa, parceira histórica de Washington, ao afirmar que o continente enfrenta a “grave perspectiva de um desaparecimento da civilização”.
A reportagem é publicada por La Nación, 05-12-2025. A tradução é do Cepat.
O documento, que todos os presidentes norte-americanos devem publicar durante o seu governo por exigência do Congresso, estabelece as diretrizes da política externa do magnata, conhecida como “America First”, e afirma que Washington fará uma reorientação de sua presença militar global para se concentrar nos perigos no Hemisfério Ocidental. Isto inclui o uso de “força letal” para combater o narcotráfico na América Latina, a concorrência econômica com a China e, ao mesmo tempo, oferece poucos detalhes sobre sua estratégia em relação à Rússia.
“Em tudo o que fazemos, priorizamos os Estados Unidos”, escreveu Trump no prólogo do documento, que ele chamou de “um roteiro para garantir que os Estados Unidos continuem sendo a maior e mais bem-sucedida nação da história da humanidade”.
“Os dias em que os Estados Unidos sustentavam toda a ordem mundial como se fosse Atlas acabaram”, diz o texto, afirmando que o governo buscará “proteger nossa pátria”, trabalhando com parceiros para “controlar a migração, conter o fluxo de drogas e fortalecer a estabilidade e a segurança por terra e mar”.
Além disso, o documento também insta a OTAN a reconsiderar sua abertura a novos membros. Uma das prioridades do governo Trump, destaca o documento, é “colocar fim à percepção e evitar a realidade de que a OTAN seja uma aliança em expansão perpétua”. A estratégia também afirma que a Europa deve “assumir a responsabilidade principal por sua própria defesa”.
O documento, publicado na noite de quinta-feira, deverá ser seguido pela “Estratégia de Defesa Nacional” do Pentágono. Espera-se que ela seja apresentada em breve pelo secretário de Defesa, Pete Hegseth, e que ofereça mais detalhes sobre os objetivos e programas militares de Washington.
Críticas à Europa
O documento da Casa Branca alerta que a Europa caminha para se tornar “irreconhecível” devido a políticas migratórias que, segundo afirma, estão minando as identidades nacionais dos países europeus. E considera que a política dos Estados Unidos, nas próximas décadas, deveria ser a de ajudar a Europa a “corrigir sua trajetória atual”.
“Uma ampla maioria europeia quer a paz, mas esse desejo não se traduz em políticas devido, em grande parte, à subversão dos processos democráticos por esses governos”, ressalta o documento de Trump. “Isto é estrategicamente importante para os Estados Unidos justamente porque os Estados europeus não podem se reformar, caso estejam presos em uma crise política”.
A estratégia internacional da nova gestão de Trump critica duramente os esforços europeus em colocar fim à guerra na Ucrânia e adverte que o continente corre o risco de uma “erosão da civilização”, se não mudar suas políticas migratórias.
Os Estados Unidos, diz o texto, “discordam das autoridades europeias que mantêm expectativas pouco realistas sobre a guerra, apoiadas por governos minoritários instáveis, muitos dos quais pisoteiam princípios básicos da democracia para reprimir a oposição”.
Ao mesmo tempo, considera que Washington tem um “interesse fundamental” em “negociar um freio rápido às hostilidades na Ucrânia” e “estabelecer a estabilidade estratégica com a Rússia”, sem oferecer maiores explicações sobre a futura abordagem estratégica na relação entre Washington e Moscou.
Por outro lado, o documento afirma que, em breve, certos países da OTAN se tornarão “majoritariamente não europeus” e expressa seu apoio aos partidos de direita e ultradireita que têm crescido no continente. “A crescente influência de partidos europeus patrióticos é, de fato, motivo de grande otimismo”, destaca, sem mencionar nenhum em particular, mas tendo como referência os espaços nacionalistas e que rejeitam a migração.
Trump não escondeu seu desprezo pelos líderes políticos europeus e os pressionou repetidamente para que se submetam à sua vontade em matéria de financiamento da OTAN, comércio e tarifas, e outros assuntos econômicos. Em um discurso proferido em Munique, em fevereiro, o vice-presidente J.D. Vance lançou um ataque contundente aos principais partidos políticos europeus, instando-os a pôr fim ao isolamento dos partidos de extrema direita em todo o continente.
No entanto, o documento publicado nesta quinta-feira é a declaração mais clara, até o momento, sobre como o presidente norte-americano pretende que sua política externa seja uma chamada de atenção para que outros políticos nacionalistas reformem seus sistemas políticos. E faz eco à linguagem da chamada Teoria da Grande Substituição, uma teoria da conspiração nacionalista adotada por alguns de seus principais assessores, que alerta para um esforço deliberado em substituir a população branca por imigrantes não brancos.
A primeira reação da Europa veio do Ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Johann Wadephul, que disse que seu país não precisa de “conselhos externos”, em mensagem clara a Trump.
“Penso que os assuntos sobre liberdade de expressão ou a organização de nossas sociedades livres não têm lugar (na estratégia), em todo caso, ao menos no que diz respeito à Alemanha”, declarou o ministro.
O documento publicado pelo governo Trump também marca um claro contraste com a estratégia apresentada em 2022 pelo governo de Joe Biden, que condenava “a guerra brutal e injustificada da Rússia” contra a Ucrânia e indicava “conter a Rússia” como uma prioridade.
Foco na América Latina
Por outro lado, a estratégia apresenta Trump como o modernizador da Doutrina Monroe, proclamada há dois séculos, na qual os Estados Unidos declararam a América Latina fora do alcance de potências rivais, então, europeias.
Washington reajustará sua “presença militar global para enfrentar as ameaças urgentes em nosso Hemisfério e nos distanciar de cenários cuja importância relativa para a segurança nacional estadunidense diminuiu nas últimas décadas ou anos”, afirma o texto.
Apesar do lema “Estados Unidos Primeiro” de Trump, seu governo tem realizado uma série de ataques militares contra supostos traficantes de drogas no Mar do Caribe e no Oceano Pacífico Oriental, ao mesmo tempo em que avalia uma possível ação militar na Venezuela para pressionar o presidente Nicolás Maduro.
Essas medidas fazem parte do que a estratégia de segurança nacional define como “um ‘corolário Trump’ da Doutrina Monroe”. A Doutrina Monroe de 1823, formulada pelo presidente James Monroe, tinha como objetivo original se opor a qualquer interferência europeia no Hemisfério Ocidental e foi usada para justificar as intervenções militares estadunidenses na América Latina.
O documento estratégico de Trump afirma que os Estados Unidos estão redefinindo sua presença militar na região, inclusive, após consolidarem a maior presença militar em gerações.
Isso implica, por exemplo, em “desdobramentos específicos para garantir a segurança da fronteira e derrotar os cartéis, incluindo, quando necessário, o uso de força letal para substituir a estratégia fracassada das últimas décadas, centrada exclusivamente na aplicação da lei”.
Em linhas gerais, Washington busca colocar fim às migrações em massa no mundo – não só na Europa - e tornar o controle de fronteiras “o principal elemento da segurança” norte-americana, segundo o documento.
“A era das migrações em massa deve acabar. A segurança das fronteiras é o principal elemento da segurança nacional”, destaca a nova estratégia.
“Devemos proteger nosso país contra as invasões, não apenas contra as migrações descontroladas, mas também contra as ameaças transfronteiriças como o terrorismo, drogas, a espionagem e o tráfico de pessoas”, acrescenta.
O documento também afirma que o Oriente Médio deixou de ser um foco central da política externa norte-americana e orienta sua atenção a buscar conter o avanço da China.
“Felizmente, os dias em que o Oriente Médio dominava a política externa, tanto no planejamento a longo prazo quanto na execução cotidiana, acabaram”, destaca a estratégia, que descreve as reservas de energia da região como a “razão histórica” do interesse norte-americano.
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