03 Dezembro 2025
O presidente russo humilhou Witkoff mais uma vez, fazendo-o esperar durante sua visita ao Kremlin, onde ele levava a proposta acordada entre os EUA e a Ucrânia.
A reportagem é de Javier G. Cuesta, publicada por El País, 02-12-2025
O presidente russo Vladimir Putin humilhou mais uma vez o enviado especial da Casa Branca, Steve Witkoff, com outra espera interminável, já que ambos estavam programados para discutir o novo plano do presidente americano Donald Trump para encerrar a guerra na Ucrânia em Moscou, na terça-feira. O empresário americano leva consigo a minuta do acordo alcançado entre Washington e autoridades de Kiev em Genebra na semana passada. Este plano representou uma melhoria em relação à proposta original dos EUA, de 28 pontos, que atendia a muitas das exigências do Kremlin e deixava a Ucrânia à beira da rendição.
Moscou, no entanto, não parece disposta a recuar. Putin afirmou na terça-feira que está preparado para uma guerra com a Europa "agora mesmo" e exige ainda mais território da Ucrânia: Putin ordenou ao seu alto comando que crie uma "zona de segurança" ao longo de toda a fronteira com a Ucrânia.
O Kremlin havia anunciado que a reunião começaria às 17h, horário de Moscou (15h na Espanha continental), mas alguns minutos depois o líder russo apareceu no fórum "Russia Calling!", organizado pelo banco BTV. Não se sabe quando o presidente receberá o enviado de Trump.
Esta é a segunda vez que Putin faz Witkoff esperar desta forma: a primeira foi em março, quando o empresário americano viajou a Moscou para discutir um cessar-fogo de 30 dias com o líder russo, cessar-fogo que nunca se concretizou.
Naquela ocasião, Putin organizou uma reunião improvisada no mesmo dia com o presidente bielorrusso, Alexander Lukashenko. O enviado americano teve então que esperar oito horas.
Durante seu discurso no fórum, Putin ameaçou tanto Kiev quanto a União Europeia. A Ucrânia atacou pelo menos quatro petroleiros nos últimos dias, parte da "frota fantasma" que Moscou usa para burlar as sanções, e o presidente russo advertiu que consideraria tanto "tomar medidas retaliatórias contra navios de países que estão ajudando a Ucrânia" quanto cortar o acesso da Ucrânia ao Mar Negro. Isso implicaria um avanço russo em direção a Odessa, um objetivo que já tentou alcançar em 2022 e que o Kremlin jamais abandonou.
“A Rússia não tem intenção de entrar em guerra com a Europa, mas se a União Europeia quiser, está pronta agora mesmo. Embora, nesse caso, em breve não haverá mais ninguém com quem negociar”, acrescentou Putin à sua declaração. Além disso, o presidente reiterou que só concordará em negociar com as partes que reconhecerem todo o território ocupado como russo.
“A Europa só poderá retornar à mesa de negociações se reconhecer a realidade no terreno”, disse Putin, acrescentando que os líderes europeus “estão apresentando propostas para o plano de paz na Ucrânia que são inaceitáveis para a Rússia”.
O secretário de Estado americano, Marco Rubio, esteve notavelmente ausente da importante reunião de terça-feira. Witkoff, um bilionário do ramo imobiliário que se tornou enviado especial da Casa Branca devido à sua amizade com Trump, viajou a Moscou pela sexta vez este ano, acompanhado por Jared Kushner, genro do presidente americano. Sem qualquer experiência diplomática — em uma entrevista, ele chegou a esquecer os nomes das regiões ucranianas pelas quais está negociando —, Kiev acusa Witkoff de se deixar levar pela narrativa russa de Putin.
Este empresário provou ser mais fácil de controlar para o Kremlin do que o enviado especial de Trump para a Ucrânia, Keith Kellogg. Este diplomata veterano, com amplo conhecimento da Europa Oriental, teve suas negociações vetadas por Moscou e anunciou sua saída em janeiro de 2026.
No entanto, Witkoff aconselhou o Kremlin sobre como bajular Trump nas negociações, de acordo com transcrições vazadas de suas conversas com o enviado especial de Putin, Kirill Dmitriev. Essas conversas resultaram na primeira versão do plano de paz de Trump, um documento de 28 pontos que, na prática, equivalia à rendição da Ucrânia.
O Kremlin quer mais território
Na véspera de seu encontro com Witkoff, Putin encenou a suposta conquista de Pokrovsk, cidade na região de Donetsk que o Kremlin tenta capturar desde fevereiro de 2024, ao custo de inúmeras baixas. No entanto, a Ucrânia nega a queda da cidade e afirma controlar a parte norte, de onde ataca as forças russas no sul.
Um vídeo divulgado pelo Kremlin na segunda-feira mostrou o líder russo em uniforme militar ao lado de seu chefe de gabinete, Valery Gerasimov, no que parecia ser um centro de comando. Durante a reunião, o general anunciou ao seu líder “a libertação de Krasnoarmiisk [nome soviético para Pokrovsk] e Vovchansk”. O Ministério da Defesa russo também divulgou um breve vídeo mostrando dois soldados correndo e posando com a bandeira no centro de uma cidade devastada.
Durante a reunião, Putin ordenou a Gerasimov que criasse uma "zona de segurança ao longo da fronteira com a Ucrânia". Essa instrução, que não é nova, implicaria avançar para todas as províncias ucranianas que fazem fronteira tanto com a Federação Russa — especificamente as regiões de Kharkiv, Sumi e Chernihiv — quanto com os territórios ocupados por ela, supostamente para repelir as forças ucranianas.
A própria ideia dessa “zona de segurança” contradiz a suposta intenção da Rússia de simplesmente buscar o reconhecimento internacional de sua ocupação de Donetsk, Luhansk e da Crimeia, e levanta outra questão: até que ponto Putin estenderia essa “zona de segurança” se considerasse cada novo território conquistado como sendo seu?
A cientista política Tatiana Stanovaya, fundadora do centro de análise Rpolitik, alerta em seu canal no Telegram: “Ouvir isso me faz perceber o quão longe todos os negociadores (não russos, é claro) estão de compreender todas as exigências do Kremlin. O que está sendo negociado agora e percebido como exigências maximalistas é apenas a ponta do iceberg”.
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