27 Novembro 2025
O secretário de Estado americano, figura-chave nas duas principais frentes internacionais do país, lidera a postura intransigente contra o chavismo, ao mesmo tempo que atenua as posições pró-Rússia nas negociações com Kiev.
A reportagem é de Macarena Vidal Liy, publicada por El País, 26-11-2025.
“Quando tenho um problema, Marco resolve”, gabou-se Donald Trump sobre seu Secretário de Estado e Conselheiro de Segurança Nacional. Esta semana, Marco Rubio está colocando essa reputação à prova. Ele é a figura-chave nas duas principais frentes internacionais em que os Estados Unidos estão atualmente envolvidos, e com dois papéis muito diferentes: nas negociações sobre a guerra na Ucrânia, ele assumiu o controle para equilibrar uma proposta inicial, claramente pró-Rússia, e tentar aprovar um plano de paz aceitável em Kiev; no impasse com a Venezuela, ele é uma das forças motrizes por trás da política de pressão máxima contra Nicolás Maduro.
É uma situação com recompensas claras. Se ele for bem-sucedido em ambas as frentes, o camaleônico chefe da diplomacia americana, que habilmente canalizou e se adaptou às posições de seu chefe — mesmo quando estas contradizem as ideias que ele próprio defendeu durante seu tempo no Senado — consolidaria sua credibilidade junto ao presidente, um grande admirador de indivíduos decisivos. Trump já mencionou seu nome, juntamente com o do vice-presidente JD Vance, como possíveis sucessores a partir de 2028. Evitar um plano de paz para a Ucrânia ditado pela Rússia também lhe renderia a gratidão dos parceiros europeus.
Mas, ao mesmo tempo, o cubano-americano enfrenta o risco de um confronto com a base de apoio a Trump do movimento MAGA, que se opõe à intervenção estrangeira. Eles ficariam furiosos com a perspectiva de uma guerra prolongada no Leste Europeu. E, pior ainda, temiam que o conflito na Venezuela pudesse se tornar um dos “conflitos intermináveis” que Trump prometeu evitar durante sua campanha.
As divergências não se limitam à base. Elas também se estendem ao Partido Republicano e à própria equipe de Segurança Nacional da Casa Branca. Vance — com quem Rubio mantém uma excelente relação pessoal — tem sido um forte defensor da proposta de paz pró-Rússia para a Ucrânia. Um dos aliados mais próximos do vice-presidente, o secretário do Exército, Dan Driscoll — que na semana passada, em Kiev, tentou forçar o presidente Volodymyr Zelensky a aceitar o plano de 28 pontos — negociou nesta terça-feira em Abu Dhabi com representantes russos e ucranianos e em breve se reunirá novamente com os ucranianos. Nesta segunda-feira, Vance atacou nas redes sociais os parlamentares republicanos que criticaram a proposta, que inicialmente previa a Ucrânia cedendo territórios sob seu controle à Rússia e reduzindo drasticamente suas forças armadas.
Por ora, Rubio obteve uma vitória graças ao encontro em Genebra entre uma delegação liderada por ele e uma missão ucraniana apoiada pelos europeus. “Na última semana, os Estados Unidos fizeram progressos consideráveis rumo a um acordo de paz, levando a Ucrânia e a Rússia à mesa de negociações. Ainda há alguns detalhes delicados, mas não impossíveis, a serem resolvidos, o que exigirá novas conversas entre a Ucrânia e a Rússia”, escreveu a secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, na terça-feira. Trump, por sua vez, acrescentou durante a cerimônia anual de indulto do peru antes do Dia de Ação de Graças, na quinta-feira: “Estamos muito perto de um acordo”. O presidente anunciou que seu enviado especial, Steve Witkoff, viajará a Moscou para se encontrar com Vladimir Putin.
Essa postura foi bem diferente da do início do fim de semana, quando o presidente alertou que Zelensky “teria que gostar” — e aceitar antes de quinta-feira — o plano de paz aparentemente concebido após uma reunião em Miami entre o enviado especial da Casa Branca, Steve Witkoff, o genro de Trump, Jared Kushner, e Kirill Dmitriev, um confidente próximo do presidente russo Vladimir Putin. Agora, a proposta foi reduzida a 19 pontos; as concessões territoriais foram eliminadas e a cláusula que impedia Kiev de aderir à OTAN foi modificada. Os pontos mais espinhosos, como Leavitt destacou, ficam para negociações posteriores. O ultimato de quinta-feira desapareceu.
Flexibilidade nas conversas
O responsável por essa mudança foi Rubio. O Secretário de Estado americano viajou a Genebra para liderar as negociações de domingo com os ucranianos e seus aliados europeus. Seu envolvimento trouxe uma nova flexibilidade às negociações. A proposta em discussão, como ele mesmo descreveu, é "um documento vivo e dinâmico" e, portanto, sujeito a alterações.
“Rubio entende melhor do que muitos outros nesta Administração — nenhum dos quais é especialista em Ucrânia, e muito poucos sabem algo sobre a Rússia além dos clichês — que mesmo na difícil situação em que a Ucrânia se encontra, simplesmente não há como o governo ucraniano assinar a capitulação”, disse um alto funcionário europeu ao jornal online Politico.
Rubio, um crítico ferrenho de Moscou durante seu período como senador, já havia intervido em outras ocasiões para corrigir as posições pró-Rússia de Trump e seus assessores. Foi após sua conversa com o ministro das Relações Exteriores russo, Sergey Lavrov, que o presidente americano anunciou o cancelamento da cúpula planejada com Putin em Budapeste. Em agosto, ele alertou que as perspectivas de paz ainda eram “muito distantes” após o encontro entre Trump e Putin no Alasca.
Tensão na Venezuela
De volta a Washington, e com um olho nas negociações em Abu Dhabi, Rubio se concentrará esta semana na outra questão importante da política externa dos EUA: a situação na Venezuela, onde na segunda-feira entrou em vigor a designação do Cartel dos Sóis como organização terrorista estrangeira. O cartel é um grupo de altos funcionários com ligações com o narcotráfico no país sul-americano. Washington acusa Maduro de liderar esse cartel.
O Secretário de Estado, que sempre defendeu a queda do chavismo, tem sido um dos principais arquitetos da agressiva estratégia dos EUA, que mantém um maciço destacamento de poderio militar em águas internacionais do Caribe sob o pretexto de combater o narcotráfico. Rubio já pressionou Trump durante seu primeiro mandato para forçar uma mudança de regime em favor do líder da oposição, Juan Guaidó.
Rubio defendeu a mudança de regime nos primeiros meses do governo Trump, inicialmente citando a situação dos direitos humanos e a fraude eleitoral. Inicialmente, essa estratégia obteve pouco sucesso. No entanto, após assumir a liderança do Conselho de Segurança Nacional, ele apresentou um novo argumento: o de que Maduro é um líder narcoterrorista, indiciado pelo Departamento de Justiça por suposto tráfico de cocaína em 2020, durante o primeiro mandato do republicano.
O ex-senador da Flórida, com sua postura linha-dura contra Maduro, destituiu o enviado especial para a Venezuela, Richard Grenell, que era favorável a negociações com Caracas que abririam as portas do petróleo venezuelano para as corporações americanas. Grenell manteve contato com o regime chavista durante os primeiros meses da presidência de Trump e chegou a viajar para lá como parte das negociações que resultaram na libertação de prisioneiros americanos e na aprovação de Caracas para receber cidadãos venezuelanos deportados dos EUA.
Nos últimos dias, enquanto Washington mantém o impasse com Maduro e continua seus preparativos militares, Trump tem flertado com a ideia de uma solução diplomática. O portal de notícias online Axios — o mesmo que vazou o plano inicial para a Ucrânia — afirma que o presidente republicano pretende iniciar conversas diretas com o líder venezuelano.
Rubio tem muito a perder ou a ganhar com o que acontecer, seja Trump optando por algum tipo de ação militar ou pelo diálogo. Se Maduro permanecer no poder, o venezuelano poderá se gabar de ter derrotado o governo republicano duas vezes, após o fiasco do primeiro mandato. E o apoio que o ex-senador recebe entre os exilados latino-americanos, especialmente na Flórida, poderá sofrer um duro golpe. Mas se o líder chavista cair, o país sul-americano poderá se encontrar em uma situação de instabilidade ainda mais perigosa.
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