05 Dezembro 2025
Em agosto, quando a Universidade de Notre Dame renomeou seu Centro de Diversidade, Equidade e Inclusão em homenagem à Irmã Thea Bowman, candidata a canonização e franciscana da Congregação das Irmãs Franciscanas da Adoração Perpétua, que foi a primeira mulher negra a receber a prestigiosa Medalha Laetare da universidade, não houve celebração, nem mesmo um comunicado à imprensa.
A informação é de Aleja Hertzler-McCain, publicada por National Caatholic Reporter - NCR, 03-12-2025.
A mudança de nome, embora bem recebida pela congregação de Bowman, pareceu ter tanto a ver com as tentativas do governo do presidente Donald Trump de eliminar o DEI no ensino superior quanto com homenagear a educadora, escritora e evangelizadora do meio do século XX.
A presidente das Irmãs FSPA, Irmã Sue Ernster, celebrou a escolha, afirmando que Bowman foi “uma voz profética pela justiça racial e pela alegria do Evangelho” e “continua a inspirar a Igreja a ser mais inclusiva, corajosa e compassiva”. O Centro Bowman continua oferecendo programas e serviços multiculturais para estudantes e continua abrigando o centro de relações de gênero, o escritório de enriquecimento estudantil, o conselho de diversidade e a PrismND, a organização estudantil LGBTQ+. Mas a congregação disse ao Religion News Service que não participou da decisão e que só soube da mudança após o fato.
Notre Dame é apenas uma entre várias instituições tentando manter-se fora do radar do governo enquanto continua seu trabalho com estudantes marginalizados — algo que muitas universidades católicas consideram parte de sua própria identidade católica.
Donna Carroll, presidente da Associação de Faculdades e Universidades Católicas, afirmou que cada instituição tem diferentes capacidades de resistir às pressões do governo Trump, dependendo da localização e da “flexibilidade financeira”, mas que “o que compartilhamos é esse entendimento fundamental de que diversidade, equidade e inclusão são expressões da missão católica”.
“A dignidade de cada indivíduo é fundamental para a cultura católica”, disse Carroll.
Em março, o reitor da Faculdade de Direito de Georgetown, William Treanor, invocou a Primeira Emenda e a identidade católica da universidade ao defender a instituição depois que um procurador interino, nomeado pela Casa Branca de Trump, enviou uma carta acusatória sobre o uso de DEI pela universidade.
Cecilia González-Andrieu, presidente da Academia de Teólogos Católicos Hispânicos dos Estados Unidos, disse que o compromisso católico com “os mais vulneráveis”, conhecido como “opção preferencial pelos pobres”, tem uma “história muito longa”, remontando às Escrituras hebraicas e cristãs e aos ensinamentos papais.
“O que chamamos hoje, na linguagem corporativa, de DEI, para os cristãos é fazer como Jesus fez e ser como Jesus foi. E não podemos afirmar que seguimos Jesus sem levar isso a sério”, disse González-Andrieu, também professora de teologia na Universidade Loyola Marymount.
Apesar de muitas lideranças afirmarem que continuam comprometidas com o trabalho relacionado à equidade, a pressão do governo criou um clima de cautela no ensino superior católico. Vários funcionários de campus católicos recusaram-se a falar sobre o tema, citando medo de retaliação.
As lideranças católicas também têm sido relativamente silenciosas sobre o maior impacto da administração em suas comunidades — a suspensão ou cancelamento de verbas, inclusive para programas destinados a estudantes marginalizados e vulneráveis.
Em fevereiro, o Departamento de Educação enviou um memorando afirmando que a legislação federal proíbe o uso de raça “em decisões relacionadas a admissões, contratação, promoção, compensação, auxílio financeiro, bolsas, prêmios, apoio administrativo, disciplina, moradia, cerimônias de formatura e todos os demais aspectos da vida estudantil, acadêmica e universitária”.
Em março, o departamento informou que estava investigando Notre Dame por discriminação racial devido à parceria da universidade com o PhD Project, programa que apoia grupos historicamente sub-representados em doutorados na área de negócios.
No mês passado, a juíza federal Stephanie Gallagher concluiu que a diretriz de fevereiro violava a lei por não cumprir os requisitos processuais.
“O que não mudou desde janeiro é a lei”, disse Michael Pillera, que atuou como advogado sênior de direitos civis no Departamento de Educação de 2015 a março de 2025.
“O Departamento de Justiça e o Departamento de Educação não podem criar leis”, afirmou Pillera, agora diretor do projeto de oportunidades educacionais no Lawyers' Committee for Civil Rights Under Law. “Quando levadas à Justiça, boa parte dessas ações tem sido derrotada”, disse ele sobre a campanha anti-DEI do governo Trump.
Mesmo assim, as universidades têm enfrentado graves consequências. Em meados de abril, o governo congelou US$ 2,2 bilhões em financiamento federal de pesquisa da Universidade Harvard depois que a instituição rejeitou as exigências do governo para encerrar seus programas de DEI. Levou quase cinco meses para que uma juíza federal declarasse o congelamento ilegal — e o governo Trump planeja recorrer.
A batalha judicial de Harvard é provavelmente muito cara, e seus recursos superam em muito os das universidades católicas.
O presidente da Universidade Sacred Heart, em Connecticut, John Petillo, citou a ameaça de perda de financiamento federal em uma carta de 8 de agosto para explicar sua decisão de fechar o Escritório de Excelência Inclusiva, que abrigava centros multiculturais e de equidade de gênero e sexualidade, chamando a mudança de “inevitável”.
No lugar, a universidade abrirá um Centro Ágape para a Dignidade Humana, que permitirá aos estudantes “encontrar-se com integridade, adquirir conhecimento e praticar habilidades essenciais de reflexão intencional e diálogo civil corajoso”, oferecendo programas abertos a todos.
Questionada sobre como será essa programação, a universidade preferiu não dar detalhes. A carta afirma, no entanto, que os clubes de unidade (grupos organizados em torno de identidades diversas) continuarão recebendo apoio.
Outros líderes preferiram lutar. Patricia McGuire, presidente da Trinity Washington University e defensora firme do DEI, disse que as restrições impostas pelo governo são “uma forma de satisfazer as visões extremistas segundo as quais pessoas negras, em particular, e imigrantes, em particular, não deveriam ter espaço em nossa cultura — muito menos em nossas universidades”.
Na Trinity, 56% do corpo estudantil é negro e 30% é hispânico. Cerca de 70% são elegíveis para bolsas Pell e aproximadamente 10% são elegíveis para o programa DACA.
Ex-professora de direito, McGuire aconselhou outros reitores a garantir que cumpram as leis anti-discriminação já existentes, mas que não desistam de seus programas de DEI — mesmo que, como Notre Dame, optem por renomeá-los. “Muitas universidades estão correndo para cumprir ordens do governo sem qualquer evidência de irregularidade”, disse ela. “Não há nada fundamentalmente ilegal em uma instituição se comprometer com princípios de diversidade, equidade e inclusão.”
McGuire incentivou reitores a ajudar estudantes a se sentirem “bem-vindos, incluídos e seguros” e a “perceberem oportunidades que nunca imaginaram”. Ela afirmou: “Você salvará suas vidas. Você salvará sua própria alma. E evitará problemas legais.”
Alguns líderes católicos, porém, apoiaram a campanha de Trump. Recentemente, o bispo Robert Barron, de Winona-Rochester, Minnesota — nomeado pelo presidente para a Comissão de Liberdade Religiosa da Casa Branca — assinou, ao lado de figuras conservadoras como Christopher Rufo, Jordan Peterson e Ben Shapiro, uma carta do Manhattan Institute pedindo que Trump revogue o financiamento e a acreditação de qualquer universidade que não “siga o princípio da igualdade daltônica, abolindo burocracias de DEI”.
McGuire disse que é um oxímoro Barron se dizer pró-vida enquanto defende que “universidades devem ser punidas pelas formas como tentam fazer estudantes negros e hispânicos se sentirem bem-vindos”. Para ela, o bispo não é “um líder eficaz para nossas questões fundamentais do ensino social católico”.
Os bispos dos EUA não têm posição unânime sobre o DEI. Em 8 de setembro, a Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos publicou em seu site um ensaio do bispo auxiliar de Washington, Roy Campbell, então presidente do subcomitê para Assuntos Afro-Americanos, intitulado “DEI Significa Deus”.
Segundo o Black Catholic Messenger, Campbell escreveu que o governo atual “está trabalhando para nos separar uns dos outros”, afirmando que pessoas de cor “há muito tempo têm sido privadas de iguais oportunidades na educação, no reconhecimento social e no crescimento econômico, negando verdadeiramente a dignidade de cada ser humano”.
Diante da reação conservadora, a conferência removeu o ensaio do site, dizendo que ele havia sido publicado sem passar pelo processo normal de revisão.
Campbell recusou entrevistas sobre o episódio.
Antes da controvérsia, o bispo David O’Connell, de Trenton — presidente do comitê de educação católica — e o bispo auxiliar aposentado de Chicago, Joseph Perry, então presidente do comitê ad hoc contra o racismo, ambos recusaram entrevistas. O escritório de Barron não respondeu.
González-Andrieu afirmou: “É mentira dizer que todos os estudantes, desde o nascimento, têm as mesmas oportunidades.”
“Isso faz parte da prática católica: primeiro reconhecer o que fizemos de errado, depois dizer ‘lamentamos’ e então nos comprometer a não repetir o erro e fazer o que é certo”, disse ela, referindo-se à história dos EUA marcada por “racismo, classismo e sexismo”.
McGuire atribuiu ao foco de sua universidade — Trinity — em acolher estudantes “historicamente não acolhidos” a transformação de vidas em sua região. A instituição, afirmou, está expandindo oportunidades educacionais e ajudando mais estudantes de cor a obter sucesso em enfermagem e a ganhar prêmios jornalísticos importantes.
“O relato de estudantes que se tornam extraordinariamente bem-sucedidos graças ao compromisso com diversidade, equidade e inclusão — essa história não está sendo contada agora”, disse McGuire.
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