“Percebo que nunca houve tanta confusão entre o foro interno e o externo como hoje”, constata Jordi Bertomeu

Foto: Avi Kedmi | Wikimedia Commons

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27 Novembro 2025

O conferencista estruturou sua palestra sobre o processo conduzido junto com Dom Scicluna contra o Sodalício de Vida Cristã, a associação suprimida por Francisco.

A informação é de José Manuel Vidal, publicada por Religión Digital, 26-11-2025.

“Iluminador, brilhante e, além disso, divertido.” Assim definia uma mulher, sentada ao meu lado, a conferência sobre o tema da obediência saudável e tóxica que Jordi Bertomeu acabara de proferir como encerramento do Congresso Pro+tejiendo. E é que o sacerdote tortosino é um canonista peculiar, pois tenta combinar o direito mais técnico com a pastoral e a justiça com a misericórdia.

O conferencista estruturou sua apresentação sobre o processo conduzido junto com Dom Scicluna contra o Sodalício de Vida Cristã, a associação peruana suprimida pelo Papa Francisco, e da qual o próprio Bertomeu é o delegado para sua liquidação.

Figari, o fundador do Sodalício, e seus cúmplices cometeram abusos de todo tipo: sexuais, de poder e de autoridade, de consciência e espirituais e, além disso, econômicos”, explicou. No entanto, ele ressaltou que o Direito disciplinar na Igreja, “que é muito limitado e muito básico”, de fato só é aplicado para proteger menores em relação aos clérigos. Nos demais âmbitos, é ainda quase um desconhecido.

"No entanto, apesar do compromisso atual da Igreja com as vítimas, é muito difícil proteger penalmente os adultos vulneráveis se não houver outros pressupostos delitivos por parte de seus agressores, como, por exemplo, abusos do sacramento da penitência. O caso Rupnik é uma boa prova disso."

O grande desafio, segundo Bertomeu, é como proteger toda essa população vulnerável adulta formada pela vida religiosa, mas sobretudo pelos leigos e leigas das associações e novos movimentos. Durante a chamada “primavera dos movimentos”, muitos deles foram aprovados canonicamente sem as devidas verificações. De boa fé, mas de forma precipitada, porque pareciam a solução para a secularização.

Muitos desses movimentos foram e são fonte de vida para a Igreja. Em outros, porém, cometeram-se e cometem-se abusos de todo tipo, de forma sistemática e impune. Há muita pressão sobre as vítimas. Há um sistema jurídico que não funciona plenamente.

Portanto, torna-se cada vez mais claro nesse âmbito que, naquela época, “houve um reconhecimento canônico viciado e que é necessário aprofundar os critérios para discernir os carismas verdadeiros dos falsos carismas originários”.

Algo claríssimo no caso de Figari, sobre quem foi demonstrado que cometia abusos já antes da fundação do movimento. “Deus pode dar um carisma a um agressor? Deus desejaria frutos bons com ‘danos colaterais’, ou seja, a destruição de muitas vidas de sobreviventes?”, perguntava Bertomeu.

Concluía que, evidentemente, não.

O Delegado Pontifício para a liquidação do Sodalício também denunciou que “nossos bispos não vigiam ou ‘episcopam’ suficientemente todas as realidades carismáticas e associativas presentes em suas dioceses. É seu dever. A proposta que fiz a muitos episcopados da América do Sul é fazer um acompanhamento anual das associações aprovadas em sua diocese, pessoalmente ou por seus delegados. Cada ano deveriam falar a sós com cada um de seus membros, ao menos uma vez”.

O palestrante sustentou que as aprovações canônicas diocesanas devem ser muito mais rigorosas ao examinar a pessoa do fundador. Por exemplo, “o magistério recente exige que o fundador, além de seu pecado pessoal, seja um fiel insigne e de virtude comprovada”.

Na opinião de Bertomeu, é preciso ter um cuidado especial com aqueles movimentos ou associações que sublinham “o emotivismo em sua espiritualidade, especialmente numa sociedade que vive da pura emoção”. “Observei que muitos deles caem no que Santo Inácio definia em seus Exercícios Espirituais como consolações provocadas artificialmente”, acrescentou.

Além disso, para Bertomeu, “nunca como agora houve tanta confusão entre o foro interno e o externo. Se a isso somarmos a falta de preparação daqueles que dirigem espiritualmente outras pessoas, o problema está instalado.”

Como viver uma obediência saudável em nossa Igreja ao fundador ou ao superior? Para que não seja tóxica ou abusiva, deve basear-se “na escuta orante de todos, atentos à imagem de Deus que se promove no grupo. É preciso dar importância ao discernimento nesses grupos. Além disso, é necessário verificar se se exerce um poder que empodera seus membros ou um poder que pisa, submete e castra. Também é muito importante oferecer espaços de diálogo e, sobretudo, que os dirigentes sejam pessoas que orientam, não que desorientam e manipulam as consciências”.

Para controlar os fundadores carismáticos, Bertomeu propôs uma obediência mais séria e rigorosa aos procedimentos canônicos: “conselhos e órgãos de participação e deliberação, rotatividade de cargos, supervisão rigorosa e séria, limites disciplinares e justiça efetiva”.

A isso seria preciso acrescentar levar a sério a “sinodalidade e a transparência”, com “conhecimentos generalizados dos limites, clareza doutrinal, prestação de contas e comunicação”.

Bertomeu explicou a importância dada aos “mecanismos de correção para evitar relações abusivas no grupo: submeter ao grupo as decisões importantes, ouvindo todos; poder expressar discordância com liberdade e acolhimento, sem medo de represálias; ter canais de denúncia bem claros para todos e, claro, um bom acompanhamento da pessoa abusada”.

Se essa supervisão contínua não for aplicada, pode-se cair na aberração de San Bartolo, umas estruturas do Sodalício para seus noviços, “uma espécie de centro de tortura, encerrado em seu momento, mas trasladado por alguns sodálites para o seio de suas famílias”.

Em sua visão, “há pessoas que passam por esses movimentos e que, completamente ideologizadas, podem chegar a destruir os membros de sua família”.

A intervenção de Bertomeu foi ovacionada pelas vítimas e pelos que as acompanham — os grupos Repara e Pro-Tejer, presentes na sala e online. Pelo menos desta vez, e ao contrário do que sustentam outros, Bertomeu saiu praticamente aclamado pelas vítimas.

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