04 Novembro 2025
Do Rio de Janeiro ao Caribe, a guerra ao “narcoterrorismo” revela-se um projeto duplo de dominação: internamente, consolida a necropolítica sobre as periferias; globalmente, recicla o imperialismo sob um novo jargão jurídico-militar.
O artigo é de Carol Proner e Larissa Ramina, publicado por Brasil 247 e reproduzido por A Terra é Redonda, 03-11-2025.
Carol Proner é jurista e advogada, doutora em Direito Internacional e professora da UFRJ. Autora, entre outros livros, de 10 anos da operação lava jato: A desestabilização do Brasil (Canal 6 Editora).
Larissa Ramina é jurista e advogada, doutora em Direito Internacional e professor da UFPR. Autora, entre outros livros, de Direito Internacional Convencional (Unijuí).
Eis o artigo.
1. A brutalidade como método
Estrema brutalidade policial, disse a ONU sobre a operação mais letal da história do Rio de Janeiro. O escritório da ONU no Brasil afirmou que as autoridades devem garantir investigação independente, protetiva às famílias, testemunhas e defensores de direitos humanos, tendo assegurada a possibilidade de responsabilização de crimes inafiançáveis, como homicídios ilegais, execuções sumárias e tortura.
As operações devem estar em conformidade com os padrões internacionais relativos ao uso da força. A ONU também destaca a necessidade de combate ao racismo sistêmico contra pessoas afrodescendentes, e diz que é hora de acabar com um sistema que perpetua o racismo, a discriminação e a injustiça.
A perícia técnica da Defensoria Pública foi, inicialmente, impedida de ingressar no IML, conforme informação da Dra. Rafaela Garcez, Coordenadora da Defensoria Pública do Rio de Janeiro. Partidos políticos exigem que a justiça garanta identificação e destino dos corpos, bem como transparência e imparcialidade na investigação.
O Governo Federal promete equipe independente da Força Nacional, prevendo 20 peritos criminais e outros integrantes governamentais com a função de esclarecimento dos locais das mortes, exame de genética forense e reconhecimento de corpos.
Os crimes continuam a ser perpetrados contra as famílias das vítimas diante da dificuldade de acesso aos corpos.
O STF cobra explicações da PGR-RJ e do governador Claudio Castro, e deve respostas à sociedade. O acórdão do STF na ADPF 635 foi claro ao exigir que o Estado do Rio de Janeiro adote medidas de controle, transparência e redução da letalidade policial, como o uso de câmeras corporais, a preservação de locais de crime, a presença de ambulâncias em ações com risco de confronto e a remessa imediata de relatórios ao Ministério Público.
2. Oportunismo macabro e o descumprimento da ADPF 635
A retórica da segurança pública no Rio de Janeiro, ao glorificar a letalidade e silenciar sobre as vítimas, reforça a necropolítica: o Estado decide quem pode viver e quem deve morrer, legitimando o extermínio de corpos negros e periféricos sob a justificativa do combate ao crime. Usando uma pretensão legítima da sociedade — o combate ao crime organizado e às facções — as forças do Estado perpetraram um massacre vitimando 122 pessoas e atuando em flagrante violação aos deveres de contenção da violência previstos na ADPF 635.
Essas regras, aprovadas em abril de 2025 com a participação entusiasmada do governador do Rio de Janeiro, determinavam medidas de controle e protocolos de segurança baseados na preservação da vida e na transparência das ações policiais.
O governo estadual, porém, escolheu o caminho da desobediência institucional e da barbárie política. A operação de combate ao crime, no lugar de seguir os padrões constitucionais, converteu-se em um ato de pretensa guerra interna. A PEC das Favelas, antes vista como um passo para regulamentar o uso da força nas comunidades, agora é considerada maldita, barreira a um projeto de poder que substitui o Estado de Direito por uma lógica militarizada de controle territorial e social.
3. Narcoterrorismo e necroterritório
O secretário de segurança do Rio de Janeiro, em coletiva de imprensa, glorificou o morticínio e defendeu que as ações de morticínio sejam consideradas fora do âmbito da administração da justiça, da segurança pública e dos direitos humanos.
O grande esforço narrativo do governo fluminense é caracterizar a operação mais letal da história como “medidas de combate ao narcoterrorismo”. O projeto enunciado é o de considerar o Complexo da Penha e o Complexo do Alemão centros de formação do narcoterrorismo. A vida, a história e a cultura do território passam a ser narradas como narco-vidas, narco-histórias, cultura do terror. Essa estratégia de criminalização total não apenas destrói a identidade comunitária, mas transforma o espaço urbano em campo de guerra.
A retórica do “narcoterrorismo”, nesse sentido, cumpre uma função política precisa: substituir ações de segurança pública e inteligência policial por resultados efetivos em números de corpos e armas. O inimigo a ser combatido já não é humano, mas um terrorista a ser aniquilado. A violência estatal torna-se não apenas tolerável, mas desejável, alcançando índices de aprovação pública de mortes indiscriminadas.
Ao transformar territórios em “necroterritórios”, o Estado não apenas executa sumariamente pessoas, mas elimina o direito à vida, à cidadania e qualquer limite ao pacto democrático.
4. Oportunidade para ingerência internacional
O conceito de “narcoterrorismo” foi utilizado pela primeira vez nos anos 1980, no contexto da guerra às drogas no Peru, com forte influência e formulação jurídico-normativa dos Estados Unidos por intermédio do Departamento de Justiça encarregado da repressão e controle de narcóticos (DEA). O termo serviu para legitimar a fusão entre estratégias de combate ao tráfico e práticas de repressão política: o “narcotraficante” passou a ser também “terrorista”.
A doutrina foi usada largamente para justificar massacres, torturas e execuções extrajudiciais em nome da cooperação internacional, com equivalentes legislativos na política de segurança nacional, ordem pública e combate ao inimigo interno. A guerra às drogas converteu-se em guerra contra facções efetivamente criminosas, mas também contra organizações populares e políticas.
Desde então, a legitimidade do discurso antidrogas também serve à estratégia imperialista da guerra não-convencional, aplicando-se a diferentes contextos na América Latina, com efeitos ambíguos. Por um lado, combater o tráfico internacional de drogas e outros crimes conexos. Por outro, como forma de legitimar violência excepcional e indiscriminada, com efeitos na criminalização das resistências políticas e militarização do cotidiano das sociedades.
A Colômbia, historicamente, foi o laboratório desse modelo. Sob o chamado Plano Colômbia, cofinanciado pelos Estados Unidos, a luta contra o narcotráfico se transformou em instrumento de controle geopolítico. A distinção entre insurgência política e crime organizado é dissolvida em interesses políticos e geopolíticos. São incontáveis exemplos de aplicação da receita narcoterrorista em países da América Latina e em outras partes do mundo. A fórmula adiciona outros componentes, como o combate à corrupção sistêmica, lavagem de dinheiro e crimes financeiros, tudo sob o manto da “segurança hemisférica”.
Recentemente, essa retórica voltou à cena quando o ex-presidente Donald Trump acusou o governo de Gustavo Petro de ser cúmplice do narcotráfico e o qualificou de “narco-governo”, estabelecendo sanções coercitivas para pressionar o governo considerado hostil. Essa reedição discursiva, aliada à legislação extraterritorial hegemônica que se vale das amarras financeiras e bancárias, demonstra que o narcoterrorismo continua sendo, acima de propósitos legítimos, uma forma de dominação e expansão imperialista.
5. Da Doutrina Monroe ao lawfare hemisférico
Desde a Doutrina Monroe, proclamada em 1823 sob o lema “América para os americanos”, os Estados Unidos se autoconcedem o “direito” de intervir nos países da América Latina, sempre com a justificativa de enfrentar um “mal transnacional”. A moldura discursiva muda, mas a lógica permanece a mesma. Durante a Guerra Fria, o inimigo era o comunismo; nos anos 1970, Richard Nixon declara a guerra às drogas e cria a DEA; após os atentados de 11 de setembro de 2001, George W. Bush inaugura a “guerra ao terror”, e, logo em seguida, as drogas passam a ser ligadas ao terrorismo. Surge oficialmente o termo “narcoterrorismo”.
Após 2001, a retórica oficial norte-americana se funde num único ecossistema: narcotráfico, lavagem de dinheiro, corrupção de elites políticas, contrabando de armas e terrorismo internacional. Qualquer uma dessas palavras-chave é capaz de acionar os instrumentos de segurança nacional dos EUA — sanções econômicas unilaterais, bloqueio de ativos em dólar (via jurisdição extraterritorial sobre o sistema financeiro global), ampliação da vigilância eletrônica e operações especiais em cooperação com forças locais.
Grupos armados passaram a ser formalmente enquadrados como “Organizações Terroristas Estrangeiras” (Foreign Terrorist Organizations) pelo Departamento de Estado, como ocorreu com as FARC na Colômbia.
Leis aprovadas após 2001, como o Patriot Act, ampliaram o poder dos EUA de monitorar fluxos financeiros internacionais sob o pretexto de combater o financiamento do terrorismo. Esse mesmo arcabouço jurídico foi aplicado contra supostos financiadores do narcotráfico latino-americano, embaralhando de vez as fronteiras entre guerra às drogas e contraterrorismo.
O resultado foi a consolidação da criminalização transnacional: os EUA passaram a acusar formalmente chefes de cartéis mexicanos e centro-americanos em cortes federais, emitindo pedidos de extradição e julgando estrangeiros por crimes cometidos em seus próprios países, sob o argumento de que o tráfico afeta o território norte-americano. Assim, o direito penal dos EUA ganha alcance extraterritorial e planetário.
Esse processo consolidou o que pode ser chamado de estado de exceção permanente na política de segurança hemisférica. Mesmo sem ataques terroristas vindos da América Latina, aplica-se a lógica do contraterrorismo às políticas antidrogas, unificando repressão, vigilância e intervenção.
A partir de 2010, o discurso oficial dos EUA passa a combinar narcotráfico, corrupção, migração e “defesa da democracia” em um mesmo pacote narrativo. Certos governos latino-americanos são apresentados como “regimes corruptos” a serviço do narcotráfico, o que legitima interferências diretas em suas reformas legais e institucionais — por exemplo, no Ministério Público e em leis anticorrupção, sob o disfarce de “cooperação técnica internacional”.
O “combate à corrupção sistêmica transnacional” é então elevado à categoria de política de segurança hemisférica. Corrupção deixa de ser apenas um problema de governança e transparência e passa a justificar intervenções judiciais e políticas externas. É nesse ponto que emerge o lawfare — a judicialização seletiva de adversários políticos internos e externos sob chancela de “cooperação internacional anticorrupção”.
A ideia que prevalece é a de que a segurança interna dos EUA autoriza interferência externa, inclusive militar e judicial, nos países sob influência. Esse dispositivo normativo e político transforma a cooperação jurídica em instrumento de hegemonia e subordinação. Em parte, vimos essa estratégia durante a Operação Lava Jato em 2017, evidenciando parcerias com setores do sistema de justiça do Brasil e órgãos especializados nos EUA.
Em suma, predomina a normalização da extraterritorialidade e do unilateralismo coercitivo: os EUA se reservam o direito de julgar estrangeiros por condutas praticadas fora do seu território, congelar ativos em dólar e rotular governos ou grupos inteiros como “narcotraficantes”, “corruptos” ou “terroristas”, produzindo efeitos jurídicos, econômicos imediatos. E também militares.
Quando Trump enviou navios à costa da Venezuela, evocou a maior operação naval no Caribe desde a invasão do Panamá em 1989. E, como nas décadas anteriores, o discurso era o mesmo: combater o narcoterrorismo. A acusação de que Nicolás Maduro utilizava cocaína como arma de guerra assimétrica transformou a Venezuela, de “regime autoritário” a “ameaça terrorista transnacional”.
Anticomunismo, guerra às drogas, contraterrorismo, combate à corrupção e guerra ao narcoterrorismo não são agendas distintas, mas camadas sucessivas de um mesmo projeto de segurança hemisférica. Um projeto que reforça dependências militares e jurídicas, condiciona políticas internas e cria margem para intervenções diretas ou híbridas, sempre apresentadas como tecnicamente necessárias, moralmente justificadas e juridicamente incontornáveis.
6. Organização criminosa qualificada e o expansionismo imperialista
Nos últimos tempos, os Estados Unidos fundiram a “guerra às drogas” com a “guerra ao terror” para justificar execuções de supostos “narcoterroristas” a bordo de embarcações no Mar do Caribe. Já passam de 15 embarcações “neutralizadas”, sem qualquer identificação de tripulantes e respectivas nacionalidades. Essas mortes, apresentadas como operações cirúrgicas, violam o direito humano à vida e marcam uma nova e alarmante fase de ilegalidade internacional.
Especialistas da ONU expressaram preocupação com a designação de grupos do crime organizado como organizações narcoterroristas pelos Estados Unidos, como consta na comunicação USA 14/2025. A ONU alerta que tais designações são usadas como primeiro passo para justificar medidas ilegais, incluindo o uso da força armada em águas internacionais, expediente jurídico que transforma o combate ao crime em justificativa para assassinatos seletivos e intervenções unilaterais.
O caso mais recente é a ordem presidencial de 2025, pela qual o Pentágono foi autorizado a empregar força militar contra cartéis de drogas latino-americanos classificados como organizações terroristas. Essa autorização representa um rompimento radical com a Carta da ONU, que veda o uso da força exceto em legítima defesa ou com autorização do Conselho de Segurança.
Em setembro de 2025, Donald Trump anunciou ataques cinéticos contra embarcações no Caribe, supostamente transportando narcóticos ilegais, matando dezenas de pessoas sem qualquer julgamento.
Essas ações violam o artigo 6º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que proíbe a privação arbitrária da vida, e o artigo 2(4) da Carta das Nações Unidas, que proíbe o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado.
Além disso, o direito do mar exige que o uso da força em alto-mar siga um paradigma policial, e não militar. A força só pode ser usada como último recurso, e o uso letal apenas em legítima defesa. Ao optar deliberadamente por destruir embarcações em vez de interceptá-las, os EUA assumem o papel de juiz e carrasco fora de sua jurisdição.
Esse expansionismo jurídico-militar sinaliza um padrão: a “guerra ao narcoterrorismo” é, na realidade, um instrumento para ampliar o raio de ação da soberania estadunidense sobre o mundo
7. A armadilha geopolítica contra a soberania
Enquanto o governo do Rio de Janeiro celebra o morticínio em nome do combate ao “narcoterrorismo”, os Estados Unidos expandem sua política de execuções extraterritoriais e a pressão junto ao Congresso brasileiro. O chamado “Projeto de Lei Antifacção” no Brasil é um campo de disputa pelos limites do uso da força. Pode significar, na prática, grave fissura legal para uma armadilha geopolítica. A depender da tipificação final, a legislação brasileira poderia acolher a estratégia intervencionista.
O objetivo, explicitado pelo Secretário de Segurança do Rio de Janeiro ao comentar a ofensiva mortífera que vitimou 122 pessoas, é a designação de facções como Organizações Terroristas Internacionais, em sintonia com a mais recente legislação dos EUA.
O memorando do DOJ designa designar cartéis e organizações criminosas transnacionais (OCTs) como Organizações Terroristas Estrangeiras (OTFs) e Terroristas Globais Especialmente Designados (TGSDs), sempre na defesa dos interesses dos EUA.
8. Necropolítica como receita
Os fatos revelam a conexão direta entre dois planos de violência e ingerência indevida: a militarização da segurança pública no Brasil e o expansão da influência dos Estados Unidos no que consideram ser “o seu quintal”.
O governo do Rio de Janeiro, ao adotar o discurso do narcoterrorismo em confronto às decisões da máxima corte de justiça, confronta o Estado de Direito, desrespeita as instituições de polícia e investigação, além de contribuir para a retórica da guerra interna em detrimento da população. De outro modo, ao glorificar a letalidade e transformar territórios periféricos em necroterritórios, o Rio de Janeiro reproduz internamente a lógica de exceção que os EUA projetam regional e internacionalmente.
Já os Estados Unidos, ao expandirem a categoria de “narcoterrorismo” para além de qualquer fronteira, consolidam um modelo imperial de violência legitimada. Ao reivindicar o direito de executar indivíduos em águas internacionais e designar unilateralmente grupos estrangeiros como terroristas, violam frontalmente o direito internacional. Essa equivalência revela que o “narcoterrorismo” é menos uma categoria jurídica e mais um instrumento político de desumanização e expansão do poder de exceção e de guerra.
O verdadeiro massacre, indiscriminadas execuções e manipulação da opinião pública demonstra o grau de dependência discursiva e institucional do Brasil em relação ao modelo de guerra estadunidense. Romper essa tutela é condição essencial para o exercício da soberania e autonomia para resolver os problemas de segurança pública.
9. Projeto de Lei Antifacção, mas com soberania
O governo, sob pressão dos fatos e da opinião pública, encaminhou o Projeto de Lei Antifacção para aprovação congressual em regime de urgência. O objetivo, segundo o Presidente Lula, é reprimir organizações criminosas que exercem controle de territórios e atividades econômicas.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, destaca que o projeto busca atender às expectativas do Parlamento e da sociedade brasileira de combater o crime organizado de forma mais eficaz, em diálogo com os demais Poderes e com os estados da federação. A intenção, segundo o governo, é construir uma política de segurança articulada, conjugando repressão qualificada, inteligência e respeito ao Estado de Direito.
O texto propõe a atualização da Lei de Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/2013) e cria a figura jurídica da “facção criminosa”, com penas que variam de oito a quinze anos de prisão quando houver atuação voltada ao controle de territórios ou de atividades econômicas mediante o uso de violência, coação ou ameaça. O projeto ainda prevê aumento de pena caso a facção mantenha vínculos com outras organizações criminosas independentes ou apresente características de transnacionalidade, domínio territorial ou prisional, bem como em situações que resultem em morte ou lesão corporal de agentes de segurança pública.
Um segundo eixo da proposta visa fortalecer os instrumentos de investigação e ampliar as ferramentas legais de responsabilização de integrantes de facções. São previstas novas técnicas de investigação, incluindo a infiltração de agentes nas organizações criminosas, além da autorização para que o Poder Executivo institua o Banco Nacional de Facções Criminosas, mecanismo de monitoramento e mapeamento integrado das estruturas e operações dessas organizações.
O projeto também incorpora medidas voltadas ao enfraquecimento do poder econômico das facções, facilitando a apreensão de bens em favor da União, a intervenção judicial em empresas utilizadas para atividades ilícitas e o bloqueio de operações financeiras suspeitas, bem como a suspensão de contratos firmados com o poder público. Trata-se de um eixo que busca atingir o coração financeiro das facções, desarticulando suas redes de influência econômica e política.
Na versão encaminhada ao Congresso, a proposta aprofunda o combate ao poder operacional e comunicacional das facções, com destaque para o monitoramento dos encontros entre membros em parlatórios, a transferência de presos entre estabelecimentos sem prévia autorização judicial em casos de motim ou rebelião, e a ampliação da cooperação policial internacional sob coordenação da Polícia Federal. Essa cooperação poderá envolver, quando cabível, o setor privado, além de entidades públicas federais, distritais, estaduais e municipais, com o objetivo de aprimorar a coleta e o intercâmbio de provas e informações úteis às investigações e ao controle financeiro das organizações criminosas.
Cabe ao Congresso Nacional fixar os limites de atuação da segurança pública dentro da estrita jurisdição soberana, assegurando o uso proporcional da força policial e a observância de parâmetros de controle, como o uso obrigatório de câmeras em viaturas, a elaboração de um plano de reocupação de territórios dominados por facções e a ampliação da participação da Polícia Federal nas investigações sobre milícias e tráfico interestadual e internacional de drogas.
Essas medidas reafirmam que o combate às organizações criminosas é uma prioridade. O regime de urgência e o calendário eleitoral diminuem a qualidade do debate, mas não impede que a disputa seja feita dentro dos marcos da soberania e da legalidade democrática, preservando a vida – toda e qualquer vida sem distinção – assim como a conduta dos envolvidos, sejam supostamente criminosos ou policiais em ação.
Nota
O presenta artigo foi escrito em reação à Operação Contenção, realizada pelas forças de segurança do Estado do Rio de Janeiro nos complexos do Alemão e da Penha, no dia 28/10/25. A Operação, considerada a mais letal da história, teve como objetivo enfraquecer o controle territorial exercido pela Organização Criminosa Comando Vermelho, e resultou em mais de 120 mortos. Moradores retiraram corpos de áreas de mata e denunciaram a ausência de atendimento médico, perícia independente, além de sinais de execução sumária e tortura. Entidades de direitos humanos e familiares das vítimas classificaram o episódio como um massacre e protestos se espalharam pela cidade exigindo investigação e responsabilização. O trágico episódio insere-se no contexto de disputa política nacional em torno ao tema da segurança pública, e internacional, com foco narcoterrorismo e nas organizações criminosas internacionais.
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