09 Outubro 2025
"A sinodalidade não é simplesmente mais uma questão para discutir e debater. Ela sempre foi incentivada por aqueles que melhor a entendem como uma estrutura para abordar todas as outras questões que a Igreja e o mundo enfrentam. O Papa Leão XIV já está ministrando a partir dessa estrutura. Bem-vindos ao novo normal", escreve Sebastian Gomes, em artigo publicado por America, 07-10-2025.
Eis o artigo.
Graças a Elise Ann Allen e à equipe do Crux, agora sabemos com mais precisão o que o Papa Leão XIV pensa sobre a sinodalidade. Em resumo, ele não apenas apoia de forma geral ou vaga a iniciativa de reforma do Papa Francisco para tornar a Igreja mais missionária e participativa; ele está convencido de sua importância fundamental.
Se isso não lhe parece particularmente interessante, você não tem prestado muita atenção às análises das palavras e ações de Leão sobre a sinodalidade desde sua eleição em maio. O consenso geral é que Leão deu sinais claros de sua intenção de dar continuidade à visão do Papa Francisco para a Igreja, incluindo a sinodalidade, mas ainda não sabemos o grau de seu entusiasmo nem o que ele planeja fazer concretamente para implementá-la.
Mas comentaristas católicos, inclusive desta revista, preencheram esse vazio de incerteza de meses com especulações e argumentos sobre por que Leão deveria ou não continuar implementando uma cultura sinodal na linha de Francisco.
Toda a análise tem sido previsível. Aqueles geralmente inspirados pelo papado de Francisco e convencidos de que a sinodalidade é uma manifestação autêntica da teologia do Concílio Vaticano II argumentam que, com a promulgação de "Por uma Igreja Sinodal: Comunhão, Participação, Missão", que é o documento final do Sínodo sobre a sinodalidade, a pasta de dente saiu do tubo, por assim dizer, e nesse sentido a sinodalidade não poderia ser totalmente desfeita por Leão, mesmo que ele quisesse fazer isso. Aqueles geralmente não inspirados ou mesmo perturbados pelo papado de Francisco tendem a ver essa expressão da sinodalidade como algo novo, teologicamente problemático, confuso ou mesmo perigoso para a Igreja. É hora, argumentam eles, de deixar o papado de Francisco para trás e voltar ao "normal".
'Uma vontade de entender'
Então, o que pensa o Papa Leão? Em sua conversa com a Sra. Allen, ouvimos pela primeira vez uma avaliação substancial, embora coloquial, da sinodalidade a partir de sua perspectiva. Todo falante de inglês interessado em sinodalidade, seja inspirado ou ameaçado por ela, deveria assistir ao trecho. Ele começa:
Acredito que sinodalidade é uma atitude, uma abertura, uma disposição para compreender. Falando da Igreja agora, isso significa que cada membro da Igreja tem uma voz e um papel a desempenhar por meio da oração, da reflexão... por meio de um processo... de diálogo e respeito mútuo. Reunir as pessoas e compreender esse relacionamento, essa interação, essa criação de oportunidades de encontro, é uma dimensão importante de como vivemos nossa vida como Igreja.
Esta não é uma exegese inovadora, mas capta a essência da sinodalidade. Ele então reconheceu que alguns católicos têm dificuldade com ela:
Algumas pessoas se sentiram ameaçadas por isso. Às vezes, bispos ou padres podem pensar: "A sinodalidade vai tirar minha autoridade". Não é disso que se trata a sinodalidade, e talvez a sua ideia do que é sua autoridade esteja um tanto desfocada, equivocada. Acredito que a sinodalidade é uma maneira de descrever como podemos nos unir, ser uma comunidade e buscar a comunhão como Igreja, de modo que seja uma Igreja cujo foco principal não seja uma hierarquia institucional, mas sim um senso de "nós juntos", nossa Igreja; cada pessoa com sua própria vocação, padres ou leigos, ou bispos, missionários, famílias.
Este reconhecimento e resposta às pessoas com autoridade que se sentem ameaçadas pela sinodalidade são reveladores. O papa não ignora o fato de que alguns católicos, incluindo bispos e cardeais, permanecem pouco convencidos. Seu comentário ecoa uma intervenção que o Papa Francisco fez espontaneamente na primeira sessão do Sínodo sobre a sinodalidade em 24 de outubro de 2023. Um debate surgiu sobre a natureza do próprio sínodo porque, pela primeira vez na história moderna, leigos e religiosas eram membros votantes plenos. Em certo momento, Francisco sentiu-se compelido a intervir e fez uma crítica mordaz ao clericalismo, lembrando à assembleia que os bispos vêm do "povo santo e fiel de Deus"; eles não estão acima dele ou separados dele.
Um ano depois, em seu discurso de abertura da segunda sessão do Sínodo, Francisco forneceu alguma base teológica para sua crítica, insistindo que a composição do sínodo, com membros leigos votantes juntamente com bispos, “é mais do que um fato contingente”. Ele continuou:
Expressa uma forma de exercer o ministério episcopal que é consistente com a Tradição viva das Igrejas e com o ensinamento do Concílio Vaticano II: jamais um Bispo, ou qualquer outro cristão, deve pensar em si mesmo “sem os outros”. Assim como ninguém se salva sozinho, a proclamação da salvação requer a participação de todos e exige que todos sejam ouvidos. A presença… de membros não episcopais não diminui o caráter “episcopal” da Assembleia. Menos ainda impõe algum limite ou derroga a autoridade de cada Bispo ou do Colégio episcopal… Antes, indica a forma que o exercício da autoridade episcopal é chamado a ter em uma Igreja que tem consciência de ser constitutivamente relacional e, portanto, sinodal.
Não sei se o Cardeal Robert Prevost, então prefeito do Dicastério para os Bispos, consultou o Papa Francisco sobre esses comentários sobre a autoridade episcopal. Mas, como Papa Leão XIII, ele acabou de dizer algo muito semelhante, e vale a pena refletir: alguns católicos, incluindo bispos e padres, sentem-se ameaçados pela sinodalidade porque não compreendem nem a sinodalidade nem sua relação com sua própria autoridade.
Admito que há uma curva de aprendizado íngreme aqui para todos os católicos. A sinodalidade é algo que precisa ser vivenciado pessoalmente e — de acordo com aqueles que participaram do processo — requer muito trabalho espiritual profundo para realmente se tornar "aberto", como diz Leão. Além disso, tem sido difícil para os organizadores do sínodo chegarem a uma definição precisa de sinodalidade para uma Igreja que abrange 1,4 bilhão de pessoas diferentes em muitas culturas ao redor do mundo. Mas os quase 400 delegados no Sínodo sobre Sinodalidade em outubro de 2023 e 2024 acabaram por defini-la de uma forma bastante acessível: "A sinodalidade é um caminho de renovação espiritual e reforma estrutural que permite à Igreja ser mais participativa e missionária para que possa caminhar com cada homem e mulher, irradiando a luz de Cristo" (documento final, n. 28).
Portanto, também vale a pena perguntar: em que ponto uma genuína falta de compreensão da sinodalidade se transforma em um mal-entendido deliberado, ou mesmo em uma rejeição implícita dela? Ironicamente, por definição, uma igreja verdadeiramente sinodal deve incluir e dar voz também a essas pessoas. De qualquer forma, Leão claramente não está alheio àqueles que se sentem ameaçados pela sinodalidade, ou não teria sentido a necessidade de desafiá-los sobre isso.
Em outra parte da entrevista com a Crux, Leão descreve ser uma comunidade sinodal assim: “Se ouvirmos o Evangelho, se refletirmos sobre ele juntos e se nos esforçarmos para caminhar juntos, ouvindo uns aos outros, tentando descobrir o que Deus está nos dizendo hoje, há muito a ser ganho para nós lá.” Ele reconhece que, depois do Vaticano II, essa maneira de viver como uma comunidade de fé criou raízes especialmente na América Latina, mas hoje pode contribuir para a experiência sinodal universal.
Isso não deve ser ignorado em nenhuma avaliação da compreensão de Leão sobre sinodalidade. Leão passou duas décadas ministrando no Peru. A perspectiva latino-americana do Papa Francisco foi a fonte de sua visão eclesial para a Igreja universal, uma visão que foi repetidamente criticada ao longo de seu pontificado por partes do mundo anglófono e do norte global. O fato de o Papa Leão ser filho das culturas anglo-saxônica e latina, do norte global e do sul global, talvez seja providencial: poderia este ser um momento para um encontro cultural mais profundo, como forma de todos nós nos tornarmos menos desconfiados e mais sinodais?
A sinodalidade não é apenas para a Igreja; é para o mundo
Vale a pena mencionar que Leão coloca sua compreensão da sinodalidade no contexto da missão da Igreja para o mundo. Depois de falar em profundidade sobre o problema da polarização, ele diz sobre a sinodalidade: "Acho que isso é uma espécie de antídoto. Acho que esta é uma maneira de abordar alguns dos maiores desafios que temos no mundo hoje." Isso é totalmente consistente com a visão do Papa Francisco para a sinodalidade. Francisco estava constantemente enfatizando a missão evangelizadora da Igreja. Se nós, como uma comunidade diversa, pudéssemos aprender a ouvir uns aos outros, discordar apaixonadamente, tomar decisões difíceis juntos e ainda permanecer em comunhão como irmãos e irmãs, isso seria um testemunho muito poderoso para um mundo que é perigosamente polarizado, desconfiado da diferença e até mesmo odioso.
Para ser claro, não estou sugerindo que Leão entenda a sinodalidade exatamente da mesma forma que Francisco. Mas, após esta entrevista, podemos dizer que é muito próximo. Francisco tentou criar espaço para que uma cultura de sinodalidade se desenvolvesse organicamente, diretamente alicerçada na rica teologia do Vaticano II. Ele não impôs respostas às perguntas específicas que inevitavelmente emergiriam em uma cultura sinodal saudável. Leão parece apreciar e acreditar naquela cultura na qual todos nós "caminhamos juntos, ouvindo uns aos outros, tentando descobrir o que Deus está nos dizendo hoje". Caberá a ele guiar a Igreja na tomada de decisões sobre questões concretas levantadas pelo sínodo; coisas como revisar os critérios para selecionar candidatos a bispos e introduzir várias estruturas e processos no direito canônico "de uma perspectiva sinodal". O trabalho difícil ainda está por vir.
Talvez os trechos da entrevista que melhor revelem a compreensão de Leão sobre sinodalidade sejam os trechos em que ele e a Sra. Allen conversaram sobre temas completamente diferentes. Quando questionado sobre como abordará o papel das mulheres na Igreja e na comunidade LGBTQIA+, as primeiras palavras que proferiram foram: "De forma sinodal". Em seguida, abordaram a questão altamente controversa do acesso à Missa tradicional em latim, que foi restringida pelo Papa Francisco em 2021. Os defensores da Missa têm feito petições fervorosas a Leão em diversas frentes para que essas restrições sejam revogadas. Leão admitiu que a questão se tornou "polarizada", é "muito complicada" e que não tem certeza do que fará. Disse que em breve terá a oportunidade de se reunir com defensores da Missa e sugeriu: "talvez, com a sinodalidade, tenhamos que sentar e conversar".
A sinodalidade não é simplesmente mais uma questão para discutir e debater. Ela sempre foi incentivada por aqueles que melhor a entendem como uma estrutura para abordar todas as outras questões que a Igreja e o mundo enfrentam. O Papa Leão XIV já está ministrando a partir dessa estrutura. Bem-vindos ao novo normal.
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