24 Setembro 2025
"O desejo de Leão XIV de superar a polarização, em particular, constitui, antes de tudo, um convite a todos para embarcarem em um autêntico caminho de comunhão, escuta e discernimento".
Andrea Grillo recebeu esta contribuição de Linda Pocher, FMA, para a reflexão sobre o tema da polarização, levantada pela entrevista do Papa Leão XIII. O teólogo acredita que ela nos ajuda a compreender a conexão entre as palavras do Papa e a tarefa do caminho sinodal, repensada pelo pontificado de Francisco.
O artigo é de Linda Pocher, teóloga salesiana, publicado por Come Se Non, 22-09-2025.
Eis o artigo.
O debate que se seguiu à recente entrevista do Papa Leão XIV, na qual ele abordou a questão da polarização na Igreja, revelou, mais uma vez, até que ponto nossa comunidade eclesial está dilacerada por tensões e conflitos. Suas palavras foram interpretadas de maneiras diametralmente opostas por "tradicionalistas" e "reformistas", refletindo um clima de conflito que permeia a própria Igreja. Enquanto alguns veem suas declarações como um sinal de abertura à reforma, outros as percebem como um chamado para preservar as tradições.
No entanto, o que emergiu claramente dessa entrevista é que superar a polarização não é responsabilidade apenas do Papa, mas depende da abertura e do discernimento de toda a comunidade eclesial, incluindo seus diversos atores, cada um trazendo seus próprios pensamentos e experiências. E este é precisamente o cerne da jornada sinodal: um chamado para aprender a ouvir, discernir e caminhar juntos, apesar de nossas diferenças. Em um mundo multifacetado, dilacerado por conflitos e polarizações, a sinodalidade, proposta com grande insistência pelo Papa Francisco e relançada repetidamente e com convicção por Leão XIV, é talvez a profecia de comunhão e unidade, mas também de pluralismo e diversidade, que pode tornar a Igreja Católica do século XXI verdadeira e universalmente significativa.
“Uma vez falou Deus, duas vezes ouvi” (Sl 61,12)
Estou convencida de que o pluralismo saudável inerente à Escritura e à tradição eclesial é o quadro mais adequado para interpretar e superar a polarização que caracteriza o nosso tempo. A Igreja, de fato, sempre se caracterizou por uma pluralidade de vozes que se alternaram e se sucederam ao longo da sua história. A começar pelos quatro Evangelhos, que representam quatro maneiras diferentes de receber e proclamar o único querigma da salvação, essas diferenças narrativas impedem a harmonização da história contada numa única narrativa. Basta considerar a questão não resolvida em torno da Última Ceia: foi uma ceia pascal, como afirmam os Sinóticos, ou uma ceia celebrada na véspera da Páscoa, como João sugere? E então, onde o Ressuscitado apareceu aos seus seguidores: em Jerusalém ou na Galileia? E, finalmente, onde moravam os pais de Jesus antes do seu nascimento: em Nazaré, segundo Lucas, ou em Jerusalém, segundo Mateus? Estes não são, de fato, detalhes menores.
No entanto, é precisamente dessa pluralidade que o cristianismo se desenvolveu, e talvez seja precisamente essa pluralidade que pode nos impedir, geração após geração, de sentir que possuímos uma verdade absoluta que não seja a proclamação do amor de Deus, que abraça a todos, a todos, a todos. Por outro lado, o povo da promessa também estava ciente desse pluralismo: "Uma vez Deus falou, duas vezes eu ouvi", diz o salmista, como se quisesse lembrar a si mesmo, e a nós também, que toda palavra que sai da boca de Deus se destina não apenas a ser recebida, mas também a ser interpretada pelo ser humano que a recebe, fragmentando-se assim em uma pluralidade de palavras, livros e histórias secundárias, que pressupõem a história e a cultura da época em que foram escritas, uma vez que seus verdadeiros autores são, juntamente com Deus, também seres humanos. E é precisamente por esta razão que a tradição da Igreja não é descrita apenas através da imagem de um depósito precioso, que deve ser cuidadosamente preservado, mas também através de uma semente que cresce e se desenvolve, e do diálogo entre duas pessoas que se amam e aprofundam a sua compreensão mútua ao longo do tempo (cf. Dei Verbum 8).
A Revelação, por outro lado, é o encontro entre dois mistérios sem fundo: o mistério de Deus e o do ser humano. Certamente, portanto, o presente e o futuro ainda podem reservar muitas surpresas para ambos, desenvolvimentos daquele imutável todos, todos, todos, que Francisco fez ressoar com força no nosso mundo dividido, colocando-o como pedra de toque de um cristianismo autêntico, segundo o coração do Deus de Jesus. A polarização que vivemos hoje, tanto dentro como fora da Igreja, é, portanto, uma questão que não devemos enfrentar com medo, mas com a consciência de que a pluralidade de opiniões e abordagens faz parte do património da fé. Quando enfrentamos os desafios do nosso tempo, devemos lembrar que o pluralismo não é inimigo da verdade, mas sim a maneira como essa verdade é revelada por meio da jornada comunitária. A Igreja, em última análise, é chamada a ser um lugar onde a diversidade não seja apenas tolerada, mas acolhida e respeitada, pois é uma oportunidade de crescimento para todos.
A tentação da manipulação
No quadro do pluralismo cristão, o Papa também expressa o seu pensamento, influenciado pela sua história e experiência. Quando o faz numa entrevista, que não pode ser considerada um ato de magistério, ordinário ou extraordinário, oferece a sua contribuição pessoal para o debate em curso, autorizada pelo papel que desempenha, mas ainda parcial e aberta a desenvolvimento. Estas palavras são dadas para nos permitir compreender a pessoa do novo Papa e estimular a nossa reflexão. A tendência, que temos testemunhado nos últimos meses, de procurar entre as suas palavras e gestos evidências que sustentem posições opostas e, de outro modo, insustentáveis é, antes de mais, uma falta de respeito por ele. Em segundo lugar, é um hábito que polui o diálogo eclesial, criando ondas de entusiasmo infundado ou de desilusão naqueles que não têm tempo para se aprofundar e confiar no julgamento dos outros, dependendo dos alinhamentos ideológicos dos quais se originam as interpretações. Esta manipulação das palavras papais não é apenas vergonhosa, mas também perigosa para a própria Igreja, pois aumenta a polarização, fomentando a divisão e a confusão, em vez de promover o discernimento autêntico.
O Papa Leão XIV, assim como o Papa Francisco, tem nos exortado repetidamente a evitar simplificações: a Igreja não deve ser um campo de batalha ideológico, mas se torna um na medida em que os fiéis se colocam como defensores de seu próprio ponto de vista parcial, apressando-se a rotular como heresia tudo o que se desvia dele. As palavras do Papa não merecem ser reduzidas a instrumentos para legitimar as próprias posições. O desejo de Leão XIV de superar a polarização, em particular, constitui, antes de tudo, um convite a todos para embarcarem em um autêntico caminho de comunhão, escuta e discernimento. As palavras do Papa também devem ser interpretadas em seu contexto e em sua totalidade, como uma proposta de paz, reconciliação e um caminho compartilhado, não como uma bandeira que alimenta divisões. Se continuarmos a usar o Papa como arma em nossos jogos políticos e ideológicos, não apenas perdemos o senso de sua autoridade, mas empobrecemos a própria Igreja. É verdadeiramente vergonhoso reduzir a figura do Papa a um instrumento para reforçar nossa própria visão de mundo, quando sua missão é testemunhar a unidade e a fraternidade.
O caminho sinodal: diálogo e discernimento
O caminho concreto, ao alcance de todos os atores da comunidade eclesial, que pode nos permitir superar a polarização é o caminho sinodal. É, de fato, um convite a caminhar juntos como povo, com a humildade de ouvir e discernir, sem pretender ter todas as respostas. Nesse caminho, é essencial lembrar que nem tudo depende do Papa. O Papa, como sucessor de Pedro, tem um papel central, mas não é o único protagonista do caminho eclesial. A Igreja é o povo de Deus, e o caminho sinodal é um caminho que envolve a todos, do Papa aos bispos, dos sacerdotes aos leigos. A sinodalidade exige uma Igreja que não apenas ouça, mas ouça a todos, reconhecendo em cada voz uma parte da verdade.
Um aspecto fundamental do caminho sinodal é a reciprocidade entre escuta e parresia, ou seja, a liberdade de expressar a própria opinião sem medo de ser julgado ou marginalizado. Ouvir os outros não significa renunciar à própria verdade, mas fazê-lo com o respeito que cada um merece. A parresia não é uma provocação, mas uma declaração de autenticidade, que deve andar de mãos dadas com a escuta. Escutar é um ato de paciência, de abertura, mas também de discernimento, que nos permite não nos determos nas aparências ou em soluções fáceis. O discernimento espiritual começa precisamente quando nos encontramos perante uma tensão, como a que hoje vivemos na Igreja entre "tradicionalistas" e "reformistas". Diante da polarização, a tentação é reduzir as alternativas a apenas duas possibilidades opostas: mudar ou não mudar. Essa redução transforma o diálogo eclesial num cabo de guerra, onde vence o mais forte, que não é necessariamente o mais inspirado. Discernimento, no entanto, significa abrir-nos à novidade e à criatividade do Espírito, que pode fazer brotar fontes mesmo no deserto.
Para nos libertarmos da polarização, portanto, devemos nos abrir à possibilidade de que o Espírito Santo nos ofereça um terceiro ou quarto caminho, uma ou mais soluções que não poderíamos ter previsto — nem da direita nem da esquerda —, mas que só podem emergir quando estivermos dispostos, de ambos os lados, a ouvir verdadeiramente, sem preconceitos, e a ceder quando a inadequação de nossa posição pessoal se tornar evidente. Também é necessário depor as armas do ridículo, da calúnia e dos insultos contra aqueles que consideramos nossos "adversários". Devemos parar de tratar uns aos outros como "inimigos". Devemos começar a reconhecer naqueles que resistem às minhas propostas, que rejeitam meu modo de pensar, alguém que, apesar de ser diferente de mim, busca o caminho comigo. Somente assim a experiência das tensões intraeclesiais pode se tornar profecia e oportunidade de crescimento.
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