“O neoliberalismo precisa de governos autoritários para impor sua agenda”. Entrevista com Enrique Carpintero

Javier Milei (Fonte: Reprodução | Youtube)

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24 Setembro 2025

Em seu último livro, La tentación neofascista (Editorial Topía), o fundador da Revista Topía destaca que o governo Milei “aumenta os efeitos da pulsão de morte e da violência destrutiva e autodestrutiva” na sociedade argentina.

A entrevista é de Gustavo Montiel, publicada por Tiempo Argentino, 22-09-2025. A tradução é do Cepat.

De mãos dadas com o neoliberalismo, os neofascismos batem às portas das democracias ocidentais sob o disfarce de novas formas de capitalismo tardio, tendo como terreno fértil a fragmentação social das classes baixa e média.

Em seu último livro, A tentação neofascista (La tentación neofascista), o psicanalista e ensaísta Enrique Carpintero, também fundador e editor da célebre Revista Topía, analisa o governo Milei à luz da fragmentação social que facilitou sua ascensão ao poder, e alerta: “Ele não está derrotado; tem mais dois anos, e teremos que ver como se recupera”.

Eis a entrevista.

De que tipo de fascismo você fala em seu livro?

Acredito que, se o governo tiver alguns sucessos, surge claramente essa possibilidade de se estabelecer como um governo neofascista, que basicamente usa os mecanismos da democracia para acabar com a liberdade civil e democrática que conquistamos nos últimos anos.

Uso o termo neofascismo para diferenciá-lo do fascismo clássico. Obviamente, o fascismo clássico, o dos anos 1930 na Europa, não existe mais aqui nem no mundo. Esse fascismo era estatista e nacionalista. Hoje, existe um neofascismo vinculado aos projetos neoliberais. O neoliberalismo exige que governos autoritários imponham suas políticas econômicas e sociais, porque não se trata apenas de uma política econômica. O neoliberalismo também propõe uma política social, que é esse darwinismo social, que abraça o individualismo até as últimas consequências.

Como essa possibilidade surge em nosso país?

Isso fincou raízes em nosso país basicamente a partir dos casos existentes na Europa ou nos Estados Unidos, com o fracasso dos partidos social-democratas ou do Partido Democrata nos Estados Unidos. E aqui na Argentina, vimos os limites da política progressista, que se concentrava em aliviar os efeitos do neoliberalismo, mas sem acabar com o neoliberalismo. Portanto, esse neofascismo baseia-se nessa perspectiva, impondo-se a setores da classe média e da classe média pobre. E gera uma ilusão em um mundo de crise social.

De uma perspectiva psicanalítica, que aspectos dessa crise social você destaca?

Hoje, estamos vendo um aumento de patologias muito graves, como depressão, suicídios e tentativas de suicídio. Isso é característico, por exemplo, de populações jovens, onde há quase uma pandemia de suicídios e tentativas de suicídio. Com base nisso, há uma desesperança, aqui, principalmente entre as populações jovens. E isso fica muito claro nas estatísticas: há uma sensação de desesperança, de não haver saída.

E com base nisso, estabeleceu-se a ilusão do neofascismo de Milei, gerando a ilusão de que se pode sair dessa situação sozinho, graças à própria vontade e somente na medida em que um se oponha ao outro. Isso é uma fantasia; não é possível. Mas com base nisso, estabeleceu-se essa política neofascista.

Milei perdeu as eleições legislativas na Província de Buenos Aires. Agora, ele recebeu oxigênio econômico do governo dos EUA. Qual é a perspectiva daqui para frente?

Primeiro, o governo Milei não está definitivamente derrotado. Faltam dois anos, e precisamos ver como ele se recupera. Segundo, hoje temos uma oposição, tanto dentro do peronismo quanto nos setores da direita liberal, que está fraturada, sem projeto nem plano de governo.

Além disso, se analisarmos as últimas eleições, por exemplo, na Província de Buenos Aires, 40% da população não votou. Na Capital Federal, 50% não votou. Ou seja, praticamente metade da população, em um país onde o voto é obrigatório, não votou. Este é um fato que vale a pena levar em conta.

E, por outro lado, acho que precisamos ver as reações da classe média e da classe média pobre. Obviamente, temos que reconhecer que ideias de direita foram incorporadas aqui na Argentina, ali onde antes não existiam. Precisamos ver como trabalhar isso a partir de um lugar que nos permita enfrentar esse neofascismo em todos os níveis. Precisamos continuar a nos afirmar.

Quais são os problemas fundamentais que precisam ser revertidos?

O principal problema aqui é o problema da alteridade. O problema de reconhecer o outro. Penso que, nessa ascensão do individualismo, as pessoas estão começando a perceber que não se pode ter sucesso sozinho, que precisam do outro. Reconhecer o outro em nível individual, familiar, social e político me parece uma tarefa que devemos continuar promovendo.

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