11 Agosto 2020
"Ser próximo é difícil e, por vezes, extremamente difícil. É mais do que ser o seguinte na fila do supermercado. Exige sair de si, colocar-se no lugar do outro, sem deixar de ser eu", escreve Dirceu Benincá, professor da Universidade Federal do Sul da Bahia - UFSB.
Com o surgimento da pandemia do novo coronavírus, passamos a ouvir, reproduzir e praticar várias palavras de ordem. Entre elas a do distanciamento social (físico) como medida de proteção à saúde. Por essa razão e outras associadas, houve (e há) comportamentos nos mais diversos sentidos. Muitos que estavam próximos se distanciaram. Outros que estavam distantes se aproximaram. Em muitos casos quem já estava próximo se aproximou mais. E outros que estavam distantes, distanciaram-se mais ainda.
Nesse contexto, podemos nos perguntar: Em que consiste ser/estar distante ou próximo? Quem é o meu próximo ou quem são nossos próximos, sobretudo nas situações adversas? Como ser/estar próximo mesmo à distância? Por que, estando próximos, muitas vezes permanecemos distantes ou até ausentes? Essas e outras questões nos fazem perceber que distância e proximidade não são meros conceitos geográficos. E que estar próximo ou distante, geograficamente falando, não tem o mesmo significado para todas as pessoas.
Na modernidade líquida (Zygmunt Bauman, 1925 – 2017), as noções de tempo e espaço assumiram novas configurações. As distâncias e as proximidades já não são as mesmas de outros tempos. Embora muitas realidades modernas tenham se “liquefeito”, “liquidificado”, “rarefeito” ou “evaporado”, a dor, a fome, as desigualdades, a violência e a própria morte continuam muito sólidas e muito duras. Com a pandemia, a morte tem se tornado uma duríssima realidade que não para de se avolumar a cada dia que passa. Mas, de outra parte, a solidariedade, a amizade, a paz, a justiça, a esperança e o amor (embora com diferentes nomes ou expressões) seguem sendo realidades muito sólidas, perceptíveis e necessárias.
Sem que esse assunto possa parecer anacrônico e mesmo que pareça a alguns ou a muitos, é pertinente refletir sobre o outro e o próximo. Como distingui-los? O outro pode comparecer diante de mim como uma ameaça, um inimigo, um ser indiferente e descartável, um concorrente, um objeto, um abjeto, etc. De qualquer forma, a pessoa do outro sempre me desperta, me evoca, me alerta... Também pode me ferir, me provocar ou me inquerir. A maneira como eu reajo às suas evocações ou provocações revela quem eu sou. E posso revelar-me como um outro (apenas) ou como um próximo.
Ser próximo é difícil e, por vezes, extremamente difícil. É mais do que ser o seguinte na fila do supermercado. Exige sair de si, colocar-se no lugar do outro, sem deixar de ser eu. Como ensinou o profeta, poeta, pastor, dom Pedro Casaldáliga (16/02/1928 – 08/08/2020), próximo é aquele de quem eu me aproximo movido pela força da misericórdia e da solidariedade. Esse companheiro de caminhada, cuja memória permanecerá para sempre e cujo exemplo de espiritualidade libertadora nos motiva a seguir, fez da vida uma luta incansável pela humanização da humanidade, pela libertação de todas as formas de violência e de opressão.
Esse bom (dom) pastor nos faz recordar a lição sobre o próximo relatada no episódio do bom samaritano (Lc 10, 25 – 37). E nos leva a entender que, se procuro ver o outro como um próximo, me predisponho a estabelecer relações de diálogo, de solidariedade, de compaixão, de aprendizagem mútua e de convivência fraterna. Isso não implica abdicar de ver a realidade na perspectiva histórico-crítica. Antes o requer para que o meu olhar não seja ingênuo e a minha prática não seja incoerente. Só a solidariedade compassiva, crítica e organizada pode contribuir para a construção de uma nova história.
De acordo com Paulo Freire, o diálogo é mais que mera interlocução, troca de ideias, de informações e conhecimentos entre duas ou mais pessoas. Para o autor da “Pedagogia do Oprimido”, da “Pedagogia da Esperança” e de outras pedagogias libertadoras, o diálogo é uma categoria ontológica. Significa dizer que é um elemento constitutivo do ser humano. Pelo diálogo podemos nos libertar e nos humanizar. Se eu dialogo, posso compreender o outro. E, se compreendo, posso me transformar e ajudar a transformar realidades do mundo sólido e/ou da “modernidade líquida”. Dialogar, aproximar-se e colocar-se no lugar do outro, daquele que sofre, é condição indispensável para a construção de uma sociedade mais humanizada!
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O outro e o próximo! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU