“A presença de dom Pedro Casaldáliga é um estímulo, uma força e uma bandeira”. Entrevista com dom Adriano Ciocca

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14 Fevereiro 2018

Algumas pessoas se tornam referências, ainda mais quando sua vida se estende no tempo. Este 16 de fevereiro é aguardado por todos aqueles que descobriram em Pedro Casaldáliga alguém que incorporou os valores do Reino. Não em vão, neste dia, o profeta da esperança completa 90 anos.

A entrevista é de Luis Miguel Modino, publicada por Religión Digital, 10-02-2018. A tradução é de André Langer.

Aquele que foi bispo de São Félix do Araguaia por mais de trinta anos, tornou-se uma referência na vida dos mais pobres, não só na Prelazia em que serviu, mas em todo o Brasil e inclusive no mundo inteiro. Alguém que sempre se definiu como poeta, sempre teve em sua caneta e em sua boca a palavra que denunciava e, ao mesmo tempo, mostrava o caminho a seguir.

Nesta entrevista, dom Adriano Ciocca, atual bispo de São Félix do Araguaia, nos dá um testemunho sobre a figura de dom Pedro Casaldáliga e fala sobre o que ele representa na vida da Prelazia, onde, junto com a equipe com que ele sempre trabalhou, fez da presença da Igreja “algo não apenas significativo, mas decisivo”, a ponto de afirmar que “a Prelazia representava um baluarte na defesa dos direitos e interesses dos pequenos, dos indígenas e dos pequenos proprietários”.

Casaldáliga apostou em uma Igreja na qual os leigos desempenhavam um papel decisivo, assumindo as propostas do Vaticano II e de Medellín, uma Igreja que era uma antecipação daquilo que hoje o Papa Francisco quer tornar realidade. Isso provocou fortes reações contrárias por parte da própria Igreja, nada diferente do que acontece hoje com o Bispo de Roma ou do que aconteceu muito antes com Jesus de Nazaré.

Viver tendo como referência o Amor de Deus provoca rejeição e perseguição por parte daqueles que querem manter a ordem estabelecida, muitas vezes injusta e a serviço daqueles que mandam. Em Pedro Casaldáliga sempre esteve presente o objetivo de “compreender a mensagem e o sonho de Nosso Senhor e, com a força do Evangelho, enfrentar aquilo que impede a plena realização deste projeto, que é o projeto de justiça, um projeto de vida e vida em plenitude para todos”, como recorda o atual bispo de São Félix.

Apesar de estar “extremamente limitado pelo Mal de Parkinson e também pela idade”, dom Adriano Ciocca reconhece em dom Pedro Casaldáliga que “pelo simples fato de estar vivo e fazer-se presente em alguns momentos significativos da Prelazia já é um estímulo, uma força, uma bandeira, um sinal que dá coragem e encoraja a caminhada”. Nunca esqueçamos que o que fala mais alto não são as palavras, mas o testemunho da vida.

Eis a entrevista.

Neste dia 16 de fevereiro, dom Pedro Casaldáliga completa 90 anos, mais de 50 dos quais passou no Brasil. O que dom Pedro Casaldáliga significou para a Igreja de São Félix do Araguaia e para a Igreja do Brasil?

Para o Vale do Araguaia significou que a partir dele e da equipe que se formou ao redor dele, a presença da Igreja tornou-se algo não apenas significativo, mas determinante, com uma série de atenções à população. Na verdade, foi a Igreja da Prelazia que se ocupou, em primeiro lugar, da organização de um sistema de saúde, da educação escolar, que incluía a formação de professores. Foi também a Prelazia que deu as primeiras noções das genuínas missões que a equipe fazia nas diferentes regiões.

Deste ponto de vista, a Prelazia foi a primeira a estruturar, dando um mínimo de condições de vida e de vida digna para os pequenos, os indígenas e os pequenos proprietários de terra. Também a Prelazia, nesta época de dom Pedro, foi a referência para os mais fracos, os marginalizados da sociedade. Tanto que, com o avanço das grandes fazendas, a Prelazia representou um baluarte na defesa dos direitos e interesses dos pequenos, dos indígenas e dos pequenos proprietários.

Por isso, a Prelazia também adquiriu um peso político significativo, que ainda hoje é reconhecido no Vale do Araguaia. Foi também graças a dom Pedro e à equipe que trabalhou com ele que o problema do trabalho escravo começou a se tornar visível. Foi ali que começaram a Comissão Pastoral da Terra e o Conselho Indigenista Missionário. Na Prelazia houve um debate que teve como consequência um maior respeito e atenção à cultura e à realidade de cada nação indígena.

Poderíamos dizer que São Félix do Araguaia foi um dos lugares onde se tornou realidade o objetivo do Concílio Vaticano II e que retoma novamente hoje o Papa Francisco?

Claro que sim. Dom Pedro chegou à Prelazia e três anos depois foi ordenado bispo e foi o primeiro bispo da Prelazia, organizando uma Igreja que queria ser uma Igreja de comunidades eclesiais de base. Ele sempre deu um espaço muito grande para os leigos, para o laicato, de modo que os protagonistas da vida das comunidades e também uma grande parte dos agentes de pastoral eram leigos e leigas.

Ele foi uma pessoa que cultivava uma espiritualidade muito profunda, uma espiritualidade martirial. Por ser uma pessoa que dá testemunho do Evangelho com a vida, na verdade, foi capaz de criar uma consciência e um estilo de Igreja definido por Medellín, depois do Vaticano II, e que ele procurou realizar concretamente na região.

Você fala de espiritualidade martirial. Dom Pedro foi alguém que sempre esteve ameaçado e, de fato, quando o padre João Bosco Burnier foi assassinado, o alvo dos assassinos era ele. Como isso influenciou sua vida e a vida da Prelazia?

Eu creio que ele sempre estava consciente de que, tomando certas atitudes, defendendo os pequenos e lutando contra o avanço do latifúndio e especialmente da pecuária naquela época, se expunha a ser ameaçado, provocado, caluniado pelos poderosos do lugar e pela ditadura militar. Na época em que ele atuava, teve que enfrentar não apenas o poder dos latifundiários locais, mas também o poder da ditadura militar que estava intimamente vinculada aos grandes fazendeiros daquela época.

Ele estava consciente disso, mas nem por isso ele renunciou a estar do lado dos pequenos. Esta consciência despertou nele a certeza de que trilhar esse caminho é assumir a Cruz e também caminhar com Cristo no caminho do Calvário, que também é o caminho da Ressurreição. Ou seja, a possibilidade de ressurgir, crescer e estabelecer uma sociedade mais justa e mais fraterna.

Também a própria Igreja, muitas vezes, não compreendeu o que ele queria?

Dom Pedro, além de ser pastor, é um poeta e um profeta, e os profetas sempre falam com uma visão da realidade que ultrapassa o imediato. Então, sua visão, claramente, nem sempre foi compreendida por uma parte da Igreja, e também houve, infelizmente, perseguições e críticas até muito fortes contra sua pastoral vindas de dentro da própria Igreja.

Mas acredito que o seu testemunho, visto agora, a distância nos ajuda a perceber isso, é o Evangelho de Nosso Senhor, não apenas em palavras, mas com o compromisso de vida.

De fato, dom Pedro sempre se sentiu um homem de Igreja, que amava a Igreja e que lutava para que a Igreja estivesse presente na vida do povo?

Sem dúvida. Ele tem sido um homem de profunda espiritualidade, muito profunda. Ele vive em grande comunhão com o Mistério de Amor, que é o Deus em que ele acredita, presente na realidade e a quem devemos servir nos pobres. Isso é inquestionável. Toda a sua ação sempre teve como objetivo compreender a mensagem e o sonho de Nosso Senhor e, com a força do Evangelho, enfrentar aquilo que impede a plena realização deste projeto, que é o projeto de justiça, um projeto de vida e vida em plenitude para todos.

Podemos dizer que, de um lugar insignificante, uma Nazaré do século XX, dom Pedro conseguiu tornar-se uma referência na vida da Igreja e do mundo?

Justamente por causa da união da equipe de pastoral e do enfrentamento com a ditadura militar e da perspicácia profética que ele, junto com a Prelazia, tinha, a Prelazia tornou-se uma referência. Algo que surpreendia os militares da ditadura e os seus inimigos era o fato de que tudo o que acontecia no Brasil contra os pequenos, ou na Prelazia, era imediatamente comunicado e ultrapassava as barreiras que tentavam interpor para chegar a todo o Brasil e até ao exterior.

Tanto que na época da ditadura, muitas vezes os militares foram à sua casa e reviravam tudo para encontrar a rádio clandestina que nunca existiu na Prelazia.

Após 15 anos que dom Pedro deixou de ser bispo titular na Prelazia, qual é o legado que ele deixou?

Dom Pedro, depois de tornar-se emérito, continua em São Félix, e para quem o conheceu, o bispo de São Félix é dom Pedro e isso é muito bom. O fato de que agora esteja extremamente limitado pelo Mal de Parkinson e também pela idade, é claro que não possibilita mais uma presença mais ativa, mas o simples fato de estar vivo e fazer-se presente em alguns momentos significativos da Prelazia já é um estímulo, uma força, uma bandeira, um sinal que dá coragem e anima na caminhada.

Ele é uma clara expressão de que muitas vezes se fala não apenas com as palavras.

Muito mais com a vida.

Alguém que quase não consegue mais falar continua falando muito mais alto que muitos que conseguem dizer palavras.

O bonito é que quem vai à sua casa, pelo menos até recentemente, quando ainda se podia entender algumas palavras, ele repetia a todos que devemos ter esperança. O mais curioso é que indo ali não eram os visitantes que o animavam, mas ele anima a todos os que o visitam, apesar dessa fragilidade em que se encontra fisicamente.

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