13 Setembro 2025
"A missão que recebemos como povo de Deus é a de nos sentirmos todos peregrinos de esperança. Cabe a cada um realizar este mandato na família, no trabalho, entre os amigos e, claro, em nossas paróquias. E que todos, absolutamente todos, sejam contagiados pelo nosso amor que nasce do desejo de unidade e aceitação mútua, independentemente da orientação sexual, unidos no amor Daquele que não foi nada sutil e nos amou independentemente de nossa história pessoal!"
O artigo é de Giovanni Bellon, publicado por Settimana News, 10-09-2025.
O Padre Giovanni Belloni, missionário do PIME e autor deste testemunho, exerce o ministério da reconciliação na Catedral de Milão. Desde 2018, ele se uniu a “A Tenda de Jônatas” depois de ter coletado histórias e lágrimas de pessoas homoafetivas. “Serão as histórias acolhidas com o coração, que lentamente farão uma brecha e quebrarão nossos preconceitos”.
Eis o artigo.
Ontem mesmo tive a oportunidade de ler o artigo publicado em SettimanaNews sobre o encontro do Papa Leão com o Pe. James Martin, que trabalha no ministério com católicos LGBTQ. O que mais me impressionou foi o número de comentários: 45! Isso mostra que a homossexualidade é um tema submerso, mantido escondido em nossas paróquias e casas religiosas, mas que realmente interessa e, assim que surge a oportunidade de expressar a própria opinião, as pessoas se lançam como em um areópago, expressando-se livremente, cada um com seu tom e termos disponíveis.
O debate mostrou pessoas que expressaram suas opiniões de forma animada. Alguém se voltou contra o outro, como se faz quando se fala de um assunto que realmente se importa! É muito importante falar sobre a homossexualidade, mesmo que sejamos imprecisos e, por ser um tema tabu, também devemos estar prontos para corrigir opiniões pessoais, muitas delas baseadas no “sempre foi assim”, pior ainda quando essas posições presumem ter Deus ao seu lado.
São evidentes os erros que surgem por não aprofundar o tema, esquecendo que não estamos diante de um lobby, mas de pessoas concretas: jovens e moças, em relação com seus pais, irmãos e irmãs, com seus amigos e vizinhos, seus colegas de estudo e de trabalho. Muitos deles, de início, podem não aceitar a situação em que o irmão ou a irmã, o amigo ou a amiga se encontrou, mas o laço de amor e simpatia que se estabeleceu entre eles os leva a não excluí-los da relação.
Nos comentários ao artigo de onde parti, chega-se até a citar a Bíblia de forma inadequada. O Catecismo sobre o assunto não mudou, ainda contém termos ofensivos e inadequados, mas agora estamos cientes de que a realidade é superior à ideia: nestes anos, quantos passos foram dados dentro da própria Igreja. Destaco dois.
Aberturas na Igreja
O primeiro evento nos remete ao Ano Santo de 2000. Coincidindo com o evento católico, o Gay Pride mundial foi organizado em Roma. Dado o tipo de relação que existia entre a Igreja e os organizadores do evento, poderia ser visto como um desafio à Igreja Católica, que estava celebrando o Jubileu justamente em Roma.
Tanto que alguém falou sobre o desejo mais ou menos explícito de profanar a cidade, que naqueles dias era frequentada por milhares de peregrinos de todas as partes do mundo para celebrar seu Jubileu, desta vez chamado de Grande Jubileu, porque se entrava no terceiro milênio cristão. Dois mil anos desde o nascimento de Jesus Cristo!
Os preparativos para o Grande Jubileu haviam começado com a carta apostólica do Papa João Paulo II, Tertio Millennio Adveniente, publicada em 10-11-1994. A cristandade teve três anos para se preparar: o primeiro, 1997, foi dedicado à reflexão sobre a Pessoa de Jesus. O segundo, 1998, foi gasto na meditação sobre a Pessoa do Espírito Santo. O terceiro, 1999, sobre a meditação da Pessoa de Deus Pai.
Muito diferente foi a celebração do Jubileu deste ano. Isso se deve principalmente ao Papa Francisco, que abriu o coração e a mente para as pessoas homoafetivas.
Durante todo o ano, grupos diocesanos, paróquias e fiéis individuais puderam atravessar a Porta Santa. Foi também aceito o pedido feito em maio do ano passado pela diretoria do grupo “A Tenda de Jônatas”, uma associação que acompanha cristãos LGBTQ+ e seus pais, que tiveram a oportunidade de realizar sua própria peregrinação jubilar em 6 de setembro passado. A inclusão deste grupo não implicava um apoio oficial da Igreja, pois qualquer pessoa podia organizar uma peregrinação jubilar.
A associação aproveitou essa disponibilidade como “uma oportunidade única para permanecer unidos e testemunhar a beleza de uma Igreja que acolhe a todos sem exclusão”.
Peregrinação de esperança
Não viemos a Roma despreparados, pelo menos nós, italianos (não posso falar em nome dos grupos de outros países). Em preparação para os dois dias em Roma, três encontros online sobre o significado do jubileu foram realizados nos meses anteriores. Numerosos jovens, pais e agentes pastorais participaram. A estes se somou uma peregrinação a pé de cerca de trinta pessoas que partiram de Terracina e chegaram, ao longo da Via Francígena do Sul, até Roma, onde se uniram a todos os outros que haviam chegado de outras partes do mundo.
Sob o lema da Igreja “casa para todos”, a partir das fronteiras, o Jubileu dos cristãos LGBTQ+ previa dois encontros na Igreja do Gesù: na sexta-feira à noite, uma vigília de oração, com testemunhos e, na manhã de sábado, a celebração eucarística presidida pelo bispo Dom Savino, vice-presidente da CEI. À tarde, foi realizada uma peregrinação da Piazza Pia à Porta Santa da Basílica de São Pedro sob um sol brilhante.
Era uma porção do povo de Deus, com pessoas vindas de todos os lugares, que se colocava a caminho da Porta Santa. A incapacidade de nos comunicarmos entre nós, peregrinos, devido à confusão de línguas, não foi uma dificuldade. Bastou nos olharmos nos olhos, um sorriso tímido e a comunicação estava estabelecida. Conscientes de que, além da Porta, uma nova aventura começava para cada um de nós.
Por que falo de uma nova aventura? Em nosso coração continuava a ressoar uma frase do bispo Savino formulada durante a homilia da missa da manhã: “O Jubileu na tradição judaica era o ano da restituição das terras àqueles de quem haviam sido tiradas, da remissão das dívidas e da libertação dos escravos e prisioneiros, o tempo de libertar os oprimidos e restituir a dignidade àqueles a quem havia sido negada”.
E isso, o que significava para nós presentes, que chegamos ali de todas as partes do mundo? O bispo pronunciou palavras nunca antes ditas em uma igreja: “É a hora de restituir a dignidade a todos, especialmente àqueles a quem foi negada…”. A reação a essas palavras foi um pouco desorganizada, inadequada ao local e à circunstância, quebrando a compostura que caracteriza nossas liturgias: todos se levantaram e um aplauso estrondoso, que durou alguns minutos, encheu a igreja. Não era apenas uma expressão de consenso às palavras do bispo. O aplaudir, mesmo um pouco ruidosamente, era uma maneira de liberar toda aquela dor, raiva e impotência que estava depositada no coração de boa parte dos presentes por não terem sido amados em nossa própria Igreja.
Uma nova atitude
Em comparação com aqueles, infelizmente a maioria, que deixaram a Igreja – preocupação de tantos pais presentes – os participantes dos dois dias em Roma não eram melhores. Aconteceu em seu caminho de encontrar pessoas que diziam que Deus os amava assim. E assim se formou uma rede, nos unimos: rapazes e moças, pais, religiosos e religiosas e juntos chegamos a Roma e voltamos diferentes aos nossos ambientes depois do que vivemos.
Repito: não somos um lobby, somos pessoas concretas e não imorais! O bispo Savino, no final de sua homilia, citando o cardeal de Madri, acrescentou outro ponto totalmente concreto, dirigindo-se às igrejas locais: “As comunidades cristãs (…), não podem se limitar à simples acolhida: são chamadas a promover uma cultura do diálogo, do acompanhamento e da inclusão concreta de quem deseja caminhar na Igreja”.
Uma iniciativa – a de “A Tenda de Jônatas” – que nasceu discretamente, sem grandes pretensões. Se ultrapassou as fronteiras nacionais, não foi por nossa vontade, mas houve Alguém que fez a proposta reverberar em outras partes do mundo: nas Américas, na Ásia e na Europa. Éramos mais de mil pessoas, jovens e adultos. Faltava uma representação da África porque lhes foi negado o visto de entrada na Itália. Aquele que tudo pode nos acompanhou a Roma e nos fez ter uma experiência de fraternidade e sororidade. Isso nos torna todos um pouco rebeldes: não podemos mais calar e permanecer na mesma situação, como se nada tivesse acontecido em Roma. Cada um de nós recebeu algo que não esperava e é nosso dever compartilhá-lo com quem encontrarmos no dia a dia.
A missão que recebemos como povo de Deus é a de nos sentirmos todos peregrinos de esperança. Cabe a cada um realizar este mandato na família, no trabalho, entre os amigos e, claro, em nossas paróquias. E que todos, absolutamente todos, sejam contagiados pelo nosso amor que nasce do desejo de unidade e aceitação mútua, independentemente da orientação sexual, unidos no amor Daquele que não foi nada sutil e nos amou independentemente de nossa história pessoal!
Percebemos, nestes vinte e cinco anos, quanta água passou debaixo das pontes do Tibre!
Uma breve citação para concluir
Apenas uma breve citação para concluir, porque não possuo nenhuma preparação específica no assunto. No entanto, sei que no final de dezembro de 2019, a Pontifícia Comissão Bíblica publicou o volume O que é o Homem. O objetivo dos autores é propor uma interpretação da Escritura levando em conta o ser humano, tanto como sujeito quanto como membro de uma comunidade.
Os autores do texto fazem questão de dizer que “deve-se notar imediatamente que a Bíblia não fala da inclinação erótica para uma pessoa do mesmo sexo, mas apenas dos atos homossexuais. E trata deles em poucos textos, diferentes entre si em gênero literário e importância” (n. 185, p. 161-162). Não se pode pretender – como às vezes acontece – colocar na boca de Deus as palavras que queremos ouvir e que nos confirmam em nossos preconceitos.
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