16 Agosto 2025
"Desarmar as palavras, as mentes, toda a Terra. E pôr fim às guerras, restaurando a força da diplomacia, da negociação e das organizações internacionais. 'Paz' foi a última invocação de Bergoglio e a primeira de seu sucessor, Leão XIV", escreve Giacomo Galeazzi, vaticanista, em artigo publicado por La Stampa, 13-08-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Tudo começou em uma noite chuvosa da primavera de 2013. Após aceitar e escolher um nome, o novo papa foi conduzido pelo mestre de cerimônias para trocar as vestimentas, antes de receber a saudação e a obediência dos cardeais que o haviam eleito. "Nos dias imediatamente seguintes, espalhou-se um boato mal-intencionado sobre aquele momento, amplificado inclusive durante uma transmissão ao vivo pela televisão por aqueles que queriam se vingar do grupo de Ratzinger", conta Andrea Tornielli, diretor de mídia do Vaticano e ex-colunista do La Stampa, que entrou em contato com Jorge Mario Bergoglio durante o conclave de 2005. "Segundo essa fofoca, Francisco teria respondido rudemente a Monsenhor Guido Marini, que lhe pediu para vestir a batina pontifícia". Nada poderia estar mais longe da verdade.
É verdade, obviamente, que Bergoglio se recusara a usar a roquete e a mozeta vermelha, a cruz peitoral de ouro e os sapatos vermelhos, preferindo aparecer da galeria central de São Pedro apenas com sua batina branca, mantendo a cruz peitoral de prata e os sapatos pretos. Mas não houve grosseria nem bate-boca com o mestre das celebrações litúrgicas pontifícias. O Papa contou isso a Tornielli algum tempo depois, respondendo a uma de suas perguntas: "Monsenhor Marini me levou à chamada 'Sala das Lágrimas', localizada perto da Capela Sistina, e me mostrou, uma a uma, as roupas que eu deveria usar. Eu o ouvi, agradeci e então lhe disse que gostava das minhas coisas. Usaria a batina branca, mas manteria minha cruz e meus sapatos pretos, que são ortopédicos. E ele aceitou minha decisão de muito bom grado".
Desarmar as palavras, as mentes, toda a Terra. E pôr fim às guerras, restaurando a força da diplomacia, da negociação e das organizações internacionais. "Paz" foi a última invocação de Bergoglio e a primeira de seu sucessor, Leão XIV. Que recolhe seu testamento espiritual é Francesco. Il Papa della misericordia, livro de memórias e anedotas inéditas de Tornielli, sobre o Pontífice que veio "quase do fim do mundo". Em novembro de 2019, de Nagasaki, cidade mártir da bomba atômica, ele afirmou: "A paz é um dos desejos mais profundos do coração humano, mas a estabilidade internacional não se constrói sobre o medo da destruição mútua ou a ameaça de aniquilação total". O antídoto para a "lógica de Caim" (isto é, o espírito maligno da opressão e ao direito da força que prevalece sobre a força do direito) é uma ética global de solidariedade e cooperação. "Tenho uma lembrança extraordinária ligada a uma imagem que tive oportunidade de ver de perto", lembra Tornielli. Trata-se da cabeça de uma Madona de madeira, encontrada sob os escombros da Catedral de Urakami após a explosão da bomba atômica lançada em 9 de agosto de 1945”. Oitenta anos depois, alertaria Leão XIV, fala-se novamente do uso de armas nucleares.
Aquele fragmento era o que restava de uma estátua da Imaculada doada em 1930 por São Maximiliano Kolbe, posteriormente mártir no campo de concentração nazista de Auschwitz, durante sua missão no Japão. "Fiquei impressionado com aqueles buracos escuros em seus olhos, que conferem uma aura fantasmagórica ao doce rosto de Maria", acrescenta Tornielli. Francisco condenou não apenas o uso, mas também a posse de armas nucleares, que ainda lotam os arsenais mundiais com um poder capaz de destruir a humanidade dezenas de vezes. "O uso e a posse de energia atômica para fins bélicos são imorais. Seremos julgados por isso", é o legado de Bergoglio, que mesmo durante sua longa e árdua internação na Policlínica Gemelli denunciou o absurdo da guerra.
No cerne de seu ministério estavam a fraternidade e o cuidado com a ecologia humana. "Além de ser um pontífice fora do comum, ele também era uma pessoa especial, generoso, humilde, capaz de se pôr à escuta e fazer com que qualquer pessoa com quem falasse se sentisse importante", lembra Tornielli. "Suas palavras nunca eram proferidas levianamente, e seu interesse pelo outro era autêntico, tanto na dimensão pública quanto privada". Das inúmeras conversas, algumas capturam o estilo de Bergoglio numa pincelada. Como quando Tornielli encontrou o Papa em um abafado dia de julho de 2016: é o mês em que, pelo menos teoricamente, o pontífice tira férias. Não foi bem o caso naquele verão, com três semanas marcadas pela viagem à Armênia e à Polônia, além de algumas audiências extraordinárias, como a concedida a um grande grupo de pessoas pobres que vieram em peregrinação a Roma da França. "Para Francisco, férias significavam desacelerar um pouco, ter mais tempo para a oração e a leitura, poder dedicar algumas horas a mais a encontros informais", enfatiza Tornielli, recebido em Santa Marta, a sua casa. No amplo corredor, há uma mesa com livros e alguns presentes recebidos — entre os quais se destaca uma grande cruz de vidro soprado decorada com ouro e pedras semipreciosas — e alguns doces. No baú ao lado da porta de entrada da suíte transformada em (mini) apartamento papal, encontra-se a estatueta de papel machê de São José adormecido, aquela "pública", disponível para aqueles que moram perto do pontífice e o ajudam. É uma devoção que acompanha Bergoglio há muitos anos, acostumado a colocar bilhetes sob a base da estatueta contendo pedidos de graças ou problemas a serem confiados aos cuidados do grande padroeiro da Igreja, protagonista dos primeiros anos da vida terrena de Jesus de Nazaré, guardião de sua infância. Há outro São José, o "privado", que Francisco guarda em um armário em seu pequeno escritório, sempre abarrotado de livros, papéis e documentos. E aí vem a confissão surpreendente para um papa que visitou 66 países e 49 cidades italianas: "Nunca gostei muito de viajar. Quando era bispo de Buenos Aires, só ia a Roma quando necessário e, se pudesse evitar, não ia. Sempre achei difícil ficar longe da minha diocese. E, além disso, sou uma criatura de hábitos; para mim, sair de férias significa ter um pouco mais de tempo para rezar e ler, mas para descansar, nunca precisei mudar de ares ou de ambiente".