23 Julho 2025
"São encruzilhadas, são entrecruzamentos, e cada sabedoria também se entrecruza nos provocando a muitos olhares que podem confluir. Não há espaço para a resignação ou conformidade ao sistema. Mas sim, há espaço para, diante dos contextos apresentados, desapertarmos os nós até que desatem"
O artigo é de Rosemary Fernandes da Costa, Teóloga, assessora do MEL (Movimento de Juventudes e Espiritualidades Libertadoras), professora na PUC-Rio, membro da Comunidade Batismo do Senhor, Caxias, Rio de Janeiro.
Rosemary Fernandes (Foto: Arquivo Pessoal)
O presente texto integra a coluna Vozes de Emaús, que conta com contribuições semanais dos membros do Grupo Emaús. Para saber mais sobre o projeto, acesse aqui.
"Justo na nossa vez de ser adulto o mundo está em colapso; agora que chegou o nosso momento, tudo está indo de mal a pior: crise climática, preços altos de moradia, não há previsão de aposentadoria; tudo muito complicado para quem não é herdeiro de nada. Pessoas que pensam que a vida vai ser curta. Não querem se casar. Não querem ter filhos... São medos reais à nossa volta." - Luciana Petersen
Inicio essa breve reflexão com o testemunho acima, que não é apenas uma epígrafe, é uma declaração em que se fazem presentes os intensos cruzamentos para o ser-existir-sobreviver-persistir das juventudes de nosso tempo.
A declaração é de Luciana Petersen, jovem pastora evangélica que fundou a Comunidade Oásis, no Rio de Janeiro; mulher negra bissexual, jornalista, militante na defesa dos Direitos Humanos, na direção das políticas públicas e criação de conteúdos sobre as questões raciais e de gênero, na integração entre espiritualidade e militância. É coordenadora de comunicação no Novas Narrativas Evangélicas e ISER.
Assim como Luciana, nossa querida Lulu, muitas jovens vêm assumindo de corpo inteiro as causas que marcam a vida das juventudes hoje. Nem sempre estão visíveis, pois se coletivizam em agrupamentos, movimentos interseccionais, que se esparramam em nossos territórios semeando com saber, com fé, e profundidade novos tempos para todas as vidas.
Estamos vivendo um dos tempos mais desafiantes da história do planeta Terra, com seus mais de 4 bilhões de anos. Aqueles que se chamam seres humanos, conseguiram, em muito pouco tempo, esgotar os recursos vitais e destruir espécies com sua arrogância soberana e ignorante com relação ao equilíbrio cósmico. Contudo, nossos mestres e mestras que bebem nas fontes da ancestralidade, retomam a profecia presente na sabedoria das brechas.
Dos ensinamentos bíblicos, recebemos a lição decisiva do ‘pequeno resto de Israel’, que assume o sentido de fidelidade, resistência e perseverança daqueles que mesmo oprimidos zelam pelas promessas de Deus, assumem e profetizam o legado, confiantes no Amor que tudo orienta.
Dos ensinamentos afrobrasileiros, recebemos a sabedoria das frestas, que são encarnadas e enunciadas pelos corpos transgressores e resilientes, como nos ensina Luiz Rufino. São corpos que potencializam saberes ancestrais, reinventando a vida como possibilidade e reivindicando o senso ético nos caminhos entrecruzados.
Dos ensinamentos dos povos originários, recebemos o legado da profunda integração entre todos os seres, entre todo o cosmos, como um só organismo onde todas as dimensões são interdependentes. A destruição implementada por seres humanos vai dialogando com a resistência do organismo em que todos vivemos e encontrará novas formas de existência. Leonardo Boff, nos exorta a mantermos o sentimento de pertença, de irmandade, concórdia e respeito com toda a comunidade vivente.
Dos ensinamentos científicos, recebemos a consciência da policrise em que estamos imersos e a esperança de que as juventudes sejam o nexo que liga o passado e o futuro. O que poderia ser realizado neste sentido? Perseverar legados culturais, espirituais, dialógicos, políticas solidárias, direcionando o pensar coletivamente dialogando com empatia e compaixão. Daniel Hoyer, do SocialAI Research Group e George Brown College, no Canadá, nos fala de mudar a direção caótica para onde o mundo está sendo conduzido, imaginar novos sistemas sociais e confrontar o status quo alterando modelos e padrões que só beneficiam guetos bilionários.
São encruzilhadas, são entrecruzamentos, e cada sabedoria também se entrecruza nos provocando a muitos olhares que podem confluir. Não há espaço para a resignação ou conformidade ao sistema. Mas sim, há espaço para, diante dos contextos apresentados, desapertarmos os nós até que desatem. Há espaço para não apenas falarmos de descolonização, mas de praticarmos essa transformação nas vidas particulares e comunitárias como formas de conversão de nossos próprios hábitos que comprometeram nossa liberdade de escolhas, naturalizando a hegemonia cultural, o pensamento único, a única forma de sistematizar e gerenciar a economia da casa comum.
O processo de libertação é próprio da encruzilhada. É lugar de discernimento e escolhas, acolhendo os desafios e as sabedorias de cada tempo. É processo de amorosidade e responsabilidade pela vida. É ainda processo de transgressão, de rebeldia, de invenção para além do que parece factual e paralisante.
Aqui volto a afirmar que nossas juventudes estão atentas, presentes, pactuando e construindo - juntas, juntos, juntes -, ciclos, círculos, coletivos, liturgias, militâncias, reverberando vida, espiritualidades libertadoras, políticas de bem-viver.
Finalizo reverenciando Luciana, Paulo, Suzy, Angélica, Matheus, Priscilla, Agnes, Henrique, Sarah, Darlan, Reinaldo, Eduardo, Michelle, Livia, Rebecca, Felipe, Luis Henrique, Luana, Jessica, Carlos, Carol, Dai, Erika, Lorrane, Gessica, Hildete, Mariana, Josias, Assis, Augusto, Obalera, Dario, Mariana, Aila, Julhin, Adson, Kefren, Luciana, Rafael, Felipe, Cosme, Wesley... e muitas outras vozes que dão as mãos nessa ciranda linda.