14 Setembro 2024
Uma pesquisa sobre como a morte em massa de morcegos está relacionada ao aumento da mortalidade infantil nos Estados Unidos é o exemplo mais recente das consequências das extinções em massa sobre as vidas humanas.
A reportagem é de Raúl Rejón, publicada por El Diario, 11-09-2024. A tradução é do Cepat.
O desaparecimento quase completo dos morcegos obrigou os agricultores da Nova Inglaterra (EUA) a usarem 30% mais inseticidas para conter pragas nas suas culturas. Ao mesmo tempo, a mortalidade infantil devido a doenças e dificuldades de nascença nas mesmas áreas cresceu 8%, de acordo com uma pesquisa recente publicada na Science. Os autores relacionam o aumento de mortes ao aumento do uso de produtos químicos comprovadamente perigosos para fetos e crianças.
É o exemplo mais recente, de muitos, em que a destruição da natureza se volta contra os seres humanos. Talvez um dos mais surpreendentes – “fiquei de queixo caído”, analisa um dos especialistas consultados pela Science –, mas não o único.
Embora os cientistas da ONU alertem que até um milhão de espécies silvestres “enfrentam a extinção”, o alerta passa despercebido. Alguns cientistas não hesitam em chamá-la de sexta extinção em massa. Mas esse perfil discreto desaparece subitamente quando um vírus que permaneceu contido num animal salta para os humanos porque o desmatamento intensivo colocou ambas as espécies em contato ou quando os pescadores retiram as redes vazias porque já não há mais peixes.
Mais da metade das aproximadamente 15 mil espécies de árvores da Amazônia estão ameaçadas pelo desmatamento da floresta tropical. Estarão em perigo de extinção em meados do século caso a taxa de destruição não for corrigida. As últimas avaliações globais sobre a perda florestal dizem que, depois de alguns progressos, “estamos retrocedendo”.
Com o desaparecimento de milhões de árvores na Amazônia, na África tropical ou na Indonésia, desaparecem os habitats onde vários animais retêm inúmeros patógenos prontos para infectar os humanos. Os cientistas estimam que mais de 1,5 milhão de vírus estejam contidos em animais selvagens. “Eles respondem por 99,9% das potenciais zoonoses” (doenças originadas em animais), calculou a primeira tentativa de mapear esses patógenos. Uma espécie de “caixa de Pandora”, que se abre cada vez mais à medida que vastas áreas de floresta são destruídas.
Porque, sem estes habitats, multiplica-se o contato entre humanos e espécies selvagens (com os seus vírus incorporados). O salto das doenças para as pessoas tem se tornado cada vez mais frequente: 75% das novas doenças que surgiram nos humanos nos últimos 40 anos têm origem animal. A Covid-19 foi o último caso extremo. Mas o mesmo aconteceu com a SARS em 2002, a gripe A em 2009 ou o vírus MERS em 2012.
Os morcegos dos Estados Unidos, que protagonizaram o trabalho apresentado neste mês de setembro na Science, morrem em massa desde 2006 devido à infecção por um fungo invasor. O Pseudogymnoascus destructans chegou às cavernas estadunidenses, provavelmente introduzido da Europa. As espécies invasoras são uma das principais causas da perda de biodiversidade no mundo. Esta perda significa, na verdade, o desaparecimento de espécimes e espécies específicas.
E entre os grupos mais atingidos por esta extinção em massa estão os insetos. O colapso confirmado das populações de abelhas ou borboletas foi descrito como uma “ameaça de colapso da natureza”. A agricultura intensiva – devido à aplicação em massa de pesticidas –, a destruição dos ecossistemas onde vivem e as mudanças climáticas dizimaram espécies, especialmente as mais comuns.
Na Espanha existem apenas cerca de 66 tipos de insetos no Catálogo de Espécies em Proteção Especial, além de outros 36 classificados como vulneráveis ou em perigo de extinção. Muito poucas têm um nome popular como a borboleta ibérica do enxofre ou a borboleta azul de Sierra Nevada. A Estratégia Nacional de Conservação dos Polinizadores explica que é difícil saber o grau de alteração e prever as suas consequências funcionais. Contudo, o documento do governo admite: “À medida que o sistema global de produção primária está ameaçado, a gravidade do problema vai além da perda irreversível de espécies”.
A falta de insetos já causa danos diretos e cada vez mais mensuráveis aos seres humanos: entre dois e três terços das plantações agrícolas globais produzem menos devido à falta de polinizadores. Esta não é uma realidade alheia à Espanha, uma vez que as culturas que precisam necessariamente de insetos para que as flores se transformem em frutos são um ponto forte da agricultura espanhola. Só em termos de produção alimentar, os polinizadores contribuem com um valor de 2,4 bilhões de euros por ano para a agricultura espanhola.
A Espanha – o segundo maior consumidor de inseticidas na União Europeia, atrás apenas da Alemanha – é um grande exportador de frutas e vegetais (plantas que requerem polinização). Representa 28% da produção europeia de frutos com caroço; é, entre outras coisas, o segundo maior produtor de amêndoas do mundo ou o principal exportador mundial de cítricos frescos, segundo registros do Ministério da Agricultura e Pesca.
Um exemplo desta relação pode ser atribuído ao boom do abacate na Espanha. Esta cultura tem apresentado problemas de polinização (a principal redução na produção). Um abacateiro pode ter milhões de flores, mas apenas 0,15% dão frutos porque nenhum pólen atinge os estigmas. Uma equipe do CSIC concluiu, ao estudar o fenômeno, que “um aumento de polinizadores estimularia uma boa quantidade de grãos de pólen a chegar à flor e estimularia a produção de frutos”. E isso resultaria, descreveram, na redução da quantidade de litros de água consumidos pela árvore por quilo de fruto produzido. Deste ponto de vista, os insetos podem economizar água para um país com crises hídricas recorrentes.
Na Espanha existem cerca de 1.100 km2 de pradarias marinhas de posidonia. Destruir estas plantas do fundo do leito marinho – que só crescem no Mediterrâneo – é uma espécie de suicídio, porque não só protegem a costa dos embates marinhos ou retêm uma quantidade exorbitante de carbono acumulado ao longo dos séculos (o que aumentaria o efeito de estufa na atmosfera), mas tem um papel relevante para a pesca e o turismo.
As pradarias de posidonia desapareceram ao longo do último meio século a uma taxa entre 13% e 38% nas colônias do Mediterrâneo Ocidental e 50% no resto da bacia marinha.
A posidonia oceanica “representa um recurso que gera benefícios econômicos quantificáveis”, afirma o documento final do projeto Conservação da Vida no Mediterrâneo Andaluz. Mais de 200 milhões de euros por ano entre serviços ecossistêmicos, pesca e, sobretudo, turismo (só neste setor foram estimados em cerca de 124 milhões de euros).
Uma avaliação semelhante para as colônias de posidonia nas Ilhas Baleares (onde estão localizadas 50% destas pradarias oceânicas na Espanha) acrescentou outros 600 milhões, sem contar a produção pesqueira.
“São elementos essenciais para a conservação do ambiente marinho mediterrâneo espanhol”, explica o Ministério da Transição Ecológica, que, ao mesmo tempo, reconhece que sofreram “uma regressão significativa nas águas da costa espanhola e, no caso de algumas populações, estão seriamente ameaçadas”.
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A destruição da natureza explode na cara dos humanos de maneiras inesperadas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU