03 Julho 2025
Ministra do Meio Ambiente participou de audiência na Comissão de Agricultura, onde ouviu ofensas e acusações.
A reportagem é de Carolina Bataier, publicada por Brasil de Fato, 02-07-2025.
Mais uma vez, o desrespeito contra a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, foi a tônica de uma audiência, desta vez na Câmara dos Deputados, nesta quarta-feira (2).
Convocada para responder aos questionamentos de dois requerimentos na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR), a ministra foi acusada de “nunca ter trabalhado”, nas palavras do deputado bolsonarista Evair de Melo (PP-ES).
“A senhora tem dificuldade com o agronegócio, porque a senhora nunca trabalhou, nunca produziu”, disse o deputado, cuja campanha política em 2022 recebeu financiamento de empresários do agronegócio.
O ódio contra os defensores do meio ambiente é estarrecedor! Marina é uma mulher firme, lutadora, história viva do nosso ambientalismo. Quem ataca hoje a Ministra representa os mesmo interesses daqueles que mataram Irmã Dorothy e tantas outras e outros que foram tirados de nós! pic.twitter.com/dTHM5OQB5H
— Chico Alencar ☀️ (@depchicoalencar) July 2, 2025
Presidente da comissão, o deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS) conduziu uma distorção argumentativa a ponto de comparar o movimento indígena Acampamento Terra Livre (ATL) aos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, numa tentativa de acusar Marina de se aliar a uma “organização criminosa”.
“Um ato do dia 10 de abril, que tentou invadir o Congresso Nacional, que enfrentou a polícia, que ameaçou a integridade das instituições, exatamente como aconteceu no dia 8 de janeiro de 2023”, declarou o parlamentar, ao ressaltar que ambos os movimentos tiveram o mesmo modus operandi.
O parlamentar fazia menção ao tumulto que aconteceu durante a marcha, em Brasília, no ATL. De acordo com o site oficial do Senado Federal, “devido ao avanço inesperado de manifestantes do acampamento indígena ‘Terra Livre’ em direção à sede do Poder Legislativo, foi necessário conter os manifestantes, sem grandes intercorrências”. Não houve invasão, nem destruição, ao contrário do que aconteceu em 8 de janeiro. Na marcha, os indígenas foram fortemente reprimidos, com uso de bombas de gás.
Marina Silva confirmou a participação no evento e reforçou o caráter democrático da marcha. “Numa democracia a gente tem o direito de marchar, a gente tem o direito de falar e a gente tem o direito de se alinhar às causas do desenvolvimento sustentável, da justiça social, do desenvolvimento econômico, da agricultura, da ciência e da tecnologia”, disse a ministra.
Após a fala de Melo, o deputado Túlio Gadêlha (Rede-PE) pediu a palavra em defesa da ministra. “O deputado, além das ofensas, sequer se ateve ao tema do convite que foi feito à ministra Marina Silva. O que aconteceu agora foi muito grave”, denunciou.
Outros parlamentares usaram o espaço para desrespeitar a ministra. O deputado Zé Trovão (PL-SC) disse que Marina é uma “vergonha como ministra”, enquanto Capitão Alberto Neto (PL-AM) sugeriu que ela deveria “pedir demissão”.
Logo após o fim da sessão, a ministra falou com a imprensa e avaliou sua participação na audiência como satisfatória. “Havia um requerimento dizendo que havia uma preocupação em relação ao aumento do desmatamento e eu trouxe o dado de que o desmatamento, nos dois primeiros anos do governo do presidente Lula, no caso da Amazônia, caiu cerca de 46%. E caiu 32% em todo o país”, declarou.
Em maio, a ministra viveu uma violência semelhante, durante sua participação como convidada, na Comissão de Infraestrutura do Senado Federal. Na ocasião, o senador Plínio Valério (PSDB-AM) afirmou que a ministra não merecia respeito. “Olhando para a senhora, estou falando com a ministra, e não com uma mulher”, afirmou. “Eu sou as duas coisas”, retrucou Marina. “A mulher merece respeito, a ministra, não”, concluiu o parlamentar.
Mulheres em espaços de poder incomodam, em especial, aqueles que defendem a manutenção de privilégios e não toleram ser confrontados. “Todos nós que não defendemos a agenda autoritária, negacionista, que não reconhece a mudança do clima, somos desrespeitados”, afirmou Marina, após o último episódio de desrespeito perpetrado por parlamentares bolsonaristas. Longe de ser um caso isolado, o tema já pautou um episódio do “Três por Quatro”, videocast do Brasil de Fato, em maio deste ano.
O pecuarista Rodolfo Nogueira entrou na política em 2018, quando foi eleito como suplente da senadora Soraya Thronicke, pelo PSL. Naquele ano, ele declarou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um patrimônio total de R$ 3.413.818,83. Quatro anos depois, em 2022, o patrimônio havia mais que dobrado, saltando para R$ 7.760.556,59, segundo o TSE. Entre os bens de Nogueira, estão 497,07 toneladas de soja, 82,2 toneladas de milho e uma fazenda no valor de R$ 1.948.750.
Embora não tenha terras na lista de seus bens, Evair de Melo contou, em sua campanha de 2022, com generosas doações de empresários do agronegócio. O maior doador foi Walter Baldin Filho, dono de empresas agropecuárias, que contribuiu com uma transferência no valor de R$ 43 mil.
O proprietário de terras e de empresas do ramo Geraldo Vigolo contribuiu com uma transferência de R$ R$ 30,5 mil. Já Adelar Mateus Jacobowski colaborou com o valor de R$20 mil. Ele é sócio da Agropecuária São Gabriel, que disputa uma área limítrofe à Terra Indígena Menkü, de acordo com o relatório Os Invasores, publicado pelo Observatório De olho nos Ruralistas. A pesquisa identifica empresários com terras sobrepostas aos territórios indígenas.
Marina Silva foi convocada à sessão para responder aos requerimentos protocolados por Evair de Melo e Rodolfo Nogueira sobre a participação no ATL em abril de 2025, o aumento de incêndios florestais em 2024, o aumento da degradação florestal na Amazônia, as multas aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a demora na aprovação de novos defensivos agrícolas, e os impactos ambientais da construção de nova rodovia em Belém (PA).
Os parlamentares, no entanto, extrapolaram os temas. Nogueira, por exemplo, questionou as ações do ministério com relação às lavouras destruídas por invasões de javalis.
“Javalis destroem lavouras, ameaçam famílias e o Ibama faz o quê? Empurra responsabilidades para o exército”, provocou.
Como resposta, Marina mencionou o Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Javali (Plano Javali), coordenado pelo Ibama, que estabelece as ações necessárias para conter a expansão territorial e demográfica da espécie no país, e reduzir os seus impactos.
Melo acusou o Ibama de ter se tornado “uma fábrica de multas” na atual gestão. Sobre o tema, Marina afirmou que o instituto, de fato, ampliou sua capacidade de fiscalização e autuação. “Quem se sente prejudicado, pode recorrer”, declarou a ministra.
Em junho de 2025, o presidente Lula anunciou a destinação de R$ 825,7 milhões do Fundo Amazônia para ações de combate ao desmatamento. O valor será repassado ao Ibama pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).