06 Junho 2025
Na semana passada, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima foi atacada em comissão do Senado por falar que o desmatamento na rodovia BR-319 aumentou apenas com o anúncio da obra. As imagens e os dados comprovam: só no governo Bolsonaro, foram 134 mil hectares derrubados.
A reportagem é de Fábio Bispo, publicada por InfoAmazônia, 04-06-2025.
Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), parecia tranquila ao rebater, com dados em mãos, as críticas de senadores favoráveis a grandes obras na Amazônia. Ela participava de uma sessão da Comissão de Infraestrutura do Senado, na última semana de maio, mas o clima mudou quando mencionou o desmatamento ilegal no entorno da BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO).
“Só com o anúncio da estrada o desmatamento aumentou 119%”, afirmou a ministra. Ela também disse que a “Amazônia está se aproximando do ponto de não retorno” — quando a floresta perderia a capacidade de se regenerar — e que a obra da BR-319 poderia ser determinante para isso.
A reconstrução da rodovia federal é considerada uma das principais ameaças à integridade da floresta amazônica. Mas com as alterações propostas no PL do Licenciamento (2.159/2021), que tramita no Congresso, a obra poderá ser liberada sem passar por licenciamento ambiental.
Gráfico: InfoAmazônia
Após a declaração da ministra, a cordialidade da sessão durou pouco. O senador Omar Aziz (PSD-AM) acusou Marina de apresentar “dados falsos” sobre o desmatamento na BR-319. Marcos Rogério (PL-RO) disse que a ministra deveria “se colocar no seu lugar”, e Plínio Valério (PSDB-AM) afirmou que “respeitava a mulher, mas não a ministra”.
A InfoAmazonia analisou imagens de satélite e os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em toda a extensão da BR-319. O traçado de 885 km da estrada atravessa um grande bloco de floresta preservada entre os rios Purus e Madeira, onde estão 69 terras indígenas e 41 unidades de conservação.
Os dados e as imagens confirmam o alerta feito por Marina: entre 2019 e 2022, o desmatamento explodiu na BR-319, com um aumento de 144% em uma faixa de 50 km ao redor da rodovia. A área desmatada na região saltou de 19 mil hectares em 2019 para 46 mil hectares em 2022.
Gráfico: InfoAmazônia
Nos quatro anos do governo Bolsonaro, foram derrubados 132 mil ha de floresta ao redor da BR-319 — o equivalente a cerca de 187 mil campos de futebol, quase o tamanho da cidade de São Paulo (152 mil ha).
A escalada do desmatamento no entorno da BR-319 começou em 2016, durante o governo Temer (2016-2018), quando o movimento para reconstrução da rodovia ganhou força. Em 2019, Jair Bolsonaro passou a anunciar que iria pavimentar a BR-319. Assim, em 2022, o desmatamento no raio de 50 km da rodovia já era mais que o triplo da média entre 2010 e 2015.
Em 2023, com o retorno de Marina Silva ao comando do MMA, o desmatamento no entorno da estrada caiu pela metade, passando de 46,5 mil hectares em 2022 para 24,8 mil. Em 2024, a redução foi ainda mais expressiva, chegando a 13 mil hectares.
A ministra defende a realização de um estudo ambiental estratégico para avaliar de forma integrada os impactos da estrada sobre a floresta e as áreas protegidas. Aos senadores, ela afirmou ter o apoio do presidente Lula para realizar esses estudos, e rebateu as críticas: “Me tornei bode expiatório daqueles que fazem promessas e não cumprem”.
“Nós estamos propondo desde sempre [a avaliação ambiental]. Por que não faz? É isso que dá segurança aos empreendimentos”, disse Marina Silva aos senadores.
A BR-319 foi construída pelo governo militar, em 1976, mas acabou desativada em 1988. Com avanço do agronegócio pelo chamado “arco do desmatamento”, a rodovia passou a ser considerada estratégica por setores como o agronegócio, a mineração e a indústria de combustíveis fósseis.
Diversos estudos científicos alertam para os riscos de reabrir a BR-319 sem controle ambiental. Entre eles, pesquisas dos cientistas Philip Fearnside e Carlos Nobre mostram que a rodovia pode acelerar a fragmentação da floresta e disparar novos vetores de destruição, o que pode também comprometer as metas climáticas assumidas pelo Brasil e as promessas do desmatamento zero até 2030.
O asfaltamento da BR-319 é uma das principais obras que podem ser favorecidas pelo novo texto do PL do Licenciamento Ambiental, que tramita no Congresso com a promessa de flexibilizar regras para grandes empreendimentos em áreas sensíveis da Amazônia.
Pelo texto aprovado no Senado, obras consideradas de baixo impacto ou que se enquadrem como “intervenções em estruturas já existentes” poderão ser dispensadas de avaliação ambiental prévia, inclusive a exigência de Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima). A BR-319 se encaixa nessa brecha, por ser apresentada como mera pavimentação de estrada existente, embora estudos técnicos apontem impactos equivalentes à abertura de uma nova rodovia.
A interpretação de que a BR-319 não precisaria de licenciamento é a mesma usada por Aziz no Senado: “Ela vai ser asfaltada agora, porque obras que já tinham sido asfaltadas através dessa nova lei podem ser feitas sem precisar de licenciamento”, disse o senador.
O texto do PL do Licenciamento já foi aprovado no Senado e aguarda análise final na Câmara.
Gráfico: InfoAmazônia | Reprodução
Centenas de organizações e movimentos sociais e ambientais realizaram manifestações em diversas cidades do país contra o PL do Licenciamento. Os atos têm como objetivo pressionar os deputados a não aprovarem o projeto de lei, que também tem sido chamado de “mãe de todas as boiadas”.
Diante da pressão, a presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, publicou nas redes que o governo está atuando com Marina para barrar retrocessos. “Como bem destacou a companheira Marina, os avanços na legislação ambiental não teriam sido possíveis sem o compromisso do presidente Lula”, escreveu.
Apesar dos posicionamentos contrários ao PL manifestados por Marina Silva, a proposta tem o apoio de outros integrantes do governo, como dos ministros Rui Costa (Casa Civil) e Carlos Fávaro (Agricultura e Pecuária).
Lula, por sua vez, disse que ainda não conhece os detalhes do projeto e afirmou ter “100% de confiança na Marina”, durante coletiva de imprensa a jornalistas. Sobre o argumento do Congresso de que a medida vai destravar obras, Lula ponderou que “as demoras são normais” e que o andamento de obras depende de “questões técnicas”.
Novas manifestações estão marcadas para esta quinta-feira (5), Dia Mundial do Meio Ambiente, e também no próximo fim de semana.