O asfaltamento da rodovia afetará os serviços ecossistêmicos amazônicos e o regime de chuvas no Brasil, levando o bioma à morte e a mudanças no abastecimento das regiões Sul e Sudeste, alerta o pesquisador
O Brasil se tornou o vilão da crise climática. Desmatamento, queimadas e negligência transformaram a maior floresta tropical do mundo na principal emissora de gases do efeito estufa em setembro. Com a devastação da Amazônia alcançando quase o tamanho da Colômbia, os prognósticos e as possibilidades de uma mudança de rumo das políticas ambientais parecem uma miríade.
Próxima de colapsar, após atingir o limite de desmatamento tolerado, o bioma amazônico deve alcançar o ponto de não retorno já em 2025, piorando ainda mais o cenário de eventos climáticos extremos. O fim da Amazônia terá consequências devastadoras ao redor do planeta. As inundações que tomaram conta do Rio Grande Sul em maio passado são o prenúncio do futuro que nos aguarda. Por isso, o biólogo Lucas Ferrante é enfático: “ou adotamos uma política de desmatamento zero este ano – 2030 é muito tarde – e um processo de restauração da Amazônia, ou, de fato, ano que vem vamos atingir esse ponto de não retorno”.
“Amazônia está nesse ponto de não retorno do desmatamento tolerado por conta da crise climática. Nós vemos um feedback positivo de cada vez mais seca na Amazônia fomentando mais esses incêndios. Esse é um marco novo na Amazônia e mostra como o desmonte ambiental, que tem sido continuado pelo governo Lula, tem impactado esse bioma tão importante para o planeta”, explica o pesquisador em entrevista por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
A obsessão desenvolvimentista do governo federal pode resultar em nada menos do que no colapso civilizacional. “O que nós estamos falando é de ondas de calor que podem matar a população, do surgimento de novas doenças e do aumento da fumaça, que deve se tornar perene e consolidada na Amazônia central com o asfaltamento da rodovia BR-319. Manaus deve virar um dos piores lugares do mundo para morar, se tiver capacidade de abrigar a vida humana daqui a 50 anos. Basicamente, o asfaltamento dessa rodovia é a morte de Manaus e do desenvolvimento da Amazônia central”, alerta Ferrante.
Lucas Ferrante (Foto: Alberto César Araújo | Amazônia Real)
Lucas Ferrante de Faria é pesquisador da Universidade de São Paulo – USP e da Universidade Federal do Amazonas – UFAM. É formado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL), Mestre em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e Doutor em Biologia (Ecologia) também pelo INPA. Desenvolve pesquisas e ações de popularização da ciência sobre a influência das atividades humanas na estrutura, dinâmicas, clima e biodiversidade da Amazônia, além do impacto sobre as populações tradicionais que vivem na floresta.
IHU – Para que o leitor possa compreender, gostaríamos que o senhor começasse contando a situação de hoje, 9 de outubro, na cidade.
Lucas Ferrante – Manaus tem ficado sempre com fumaça ao fundo. O ar de Manaus tem sido insalubre, principalmente em se tratando de uma cidade no coração da maior floresta tropical do mundo. Nós não vemos o contorno da cidade por conta da fumaça, em alguns picos. Principalmente no ano passado, mal se viam os carros no trânsito tamanho era a fumaça das queimadas na área da rodovia BR-319.
Além disso, vemos picos de calor intenso, Manaus tem batido recordes de calor, com um aumento da seca e da fumaça. As pessoas voltaram a usar máscaras em alguns picos de fumaça como foi na pandemia de covid-19. Manaus está registrando cada vez mais recordes: já estamos chegando à temperatura de sensação térmica próxima de 42ºC em algumas áreas da cidade e perda de umidade inferior a 50%, o que, para a Amazônia central, é algo muito absurdo.
Em um cenário em que atinjamos uma temperatura de 45ºC com uma umidade inferior a 50%, isso é equivalente à medida classificada como bulbo úmido climático de 35ºC, o que causaria uma sensação térmica de 71ºC: é letal. Os estudos apontam para que, cada vez mais, Manaus se torne uma cidade inóspita. Teremos mortalidades massivas na cidade por ondas de calor e por conta de perda de umidade. Será uma situação insuportável. O bulbo úmido climático de 35ºC é uma temperatura que qualquer humano saudável não suporta por mais de seis horas. Lembrando que em Manaus está ocorrendo falta de água e de energia – são problemas comuns na cidade. Nesse cenário de ondas de aumento de temperatura grande, nós vamos vivenciar e experimentar aqui em Manaus uma mortalidade massiva da população.
Além disso, nós já temos endemias aumentando por conta do desmatamento. Manicoré aumentou em 400% os casos de malária por conta do desmatamento no trecho do meio da BR-319. Isso já é um proxy do risco de saltos zoonóticos.
O que nós estamos falando é de ondas de calor que podem matar a população, do surgimento de novas doenças e do aumento da fumaça, que deve se tornar perene e consolidada na Amazônia central com o asfaltamento da rodovia BR-319. Manaus deve virar um dos piores lugares do mundo para morar, se tiver capacidade de abrigar a vida humana daqui a 50 anos. Basicamente, o asfaltamento dessa rodovia é a morte de Manaus e do desenvolvimento da Amazônia central. Nós não vamos ver uma Amazônia central desenvolvida. Quantas outras civilizações nós já não vimos declinar na história por problemas ambientais? Veremos isso em Manaus. Esta deve ser uma cidade em que vejamos isso.
Fonte: Observatório da BR-319 | Acesse o mapa interativo aqui.
IHU – Na primeira metade de setembro a Amazônia deixou de ser um local de absorção de CO2 e ocupou o papel de vilã, sendo a maior emissora de gases do efeito estufa. Por que isso acontece? Isso já havia acontecido antes?
Lucas Ferrante – Não. Esse é um fenômeno novo e ele tem ocorrido, principalmente, por conta do avanço do desmatamento e das queimadas. Esse ciclo do fogo, que passamos a ver nessa estação seca da Amazônia, transformou a Amazônia na maior emissora de aerossóis e monóxido de carbono. Lembrando que a emissão desses gases também é um indicador das emissões de outros gases causadores do efeito estufa. De fato, é um cenário crítico porque não temos contingente suficiente para fiscalizar essas áreas e impedir que esse ciclo continue avançando. Outro fator também é que a Amazônia está nesse ponto de não retorno do desmatamento tolerado por conta da crise climática. Nós vemos um feedback positivo de cada vez mais seca na Amazônia fomentando mais esses incêndios. Esse é um marco novo na Amazônia e mostra como o desmonte ambiental, que tem sido continuado pelo governo Lula, tem impactado esse bioma tão importante para o planeta.
IHU – É possível prever a origem desses incêndios?
Lucas Ferrante – Nós vemos que esses incêndios estão concentrados sobretudo ao longo das rodovias amazônicas. Existe um fator de abertura de estrada na Amazônia promover o desmatamento, a ocupação e, consequentemente, os incêndios. Nós vemos esses incêndios hoje concentrados ao longo das rodovias BR-163, BR-364, a Transamazônica, que é a BR-230, e no sul da BR-319. Por isso que existe uma preocupação tão grande, porque com a maior trafegabilidade da rodovia BR-319 esses incêndios migrariam cada vez mais para a Amazônia central. E, além disso, as anomalias climáticas causadas pelas mudanças do uso do solo também migrariam para a Amazônia central, impactando todo o bioma e levando ele ao seu colapso. É uma situação crítica e estamos em um momento de decisão: levaremos a Amazônia além do limite de desmatamento tolerado ou não?
Desmatamento na região da BR-319 no mês de setembro de 2024 (Fonte: Observatório da BR-319)
IHU – Como a seca interfere neste cenário? Há previsão da retomada das chuvas?
Lucas Ferrante – O que nós vemos é um momento atípico na Amazônia. Mesmo em anos com a ausência do El Niño, nós estamos enfrentando uma maior seca, por exemplo, do que em relação a 2023, que era um ano de El Niño. Ou seja, nós vemos que essa crise climática tem vindo para ficar e isso tende a se estender pelos próximos anos na Amazônia e está ligado ao ponto que a Amazônia atingiu também. O que vemos é um processo de retroalimentação: a seca aumentando por conta da degradação e a degradação aumentando por conta da seca, porque a seca fomenta mais desmatamento e mais incêndios florestais. Então, temos um feedback positivo de alimentação desse ciclo de desmatamento, seca e incêndios.
Esse cenário que a Amazônia atingiu é extremamente preocupante, porque nós estamos cada vez mais agravando o problema do ciclo do fogo e este agrava cada vez mais a seca. De fato, temos esse processo de retroalimentação.
IHU – A Amazônia chegou ao ponto de não retorno?
Lucas Ferrante – Acredito que estamos no momento de decidir o que vamos fazer com a Amazônia. Ou adotamos uma política de desmatamento zero este ano – 2030 é muito tarde – e adotamos um processo de restauração da Amazônia, ou, de fato, ano que vem vamos atingir esse ponto de não retorno.
IHU – O presidente Lula anunciou a pavimentação da BR-319. Quais devem ser as consequências se a obra for levada a cabo? Por que asfaltar uma rodovia que não leva aos municípios atingidos por esta seca histórica? Qual a motivação para a realização dessa obra?
Lucas Ferrante – Essa é uma pergunta muito importante. A motivação é a abertura de áreas da Amazônia para a exploração petrolífera. Inclusive nós precisamos lembrar que a BR-319 ficou intrafegável de 1988 a 2015 e Manaus teve o ápice do seu desenvolvimento nesse período, o setor industrial muito pujante. Ou seja, a rodovia sempre foi inócua para esse tipo de atividade e a própria associação da indústria de Manaus deu uma declaração no Fórum do Ministério Público de que a rodovia é inócua para suas atividades e que, por exemplo, a Samsung não colocaria uma carreta de celular para escoar por ela. Uma vez que essa rodovia não é viável para o setor industrial e para o transporte de insumos, porque é muito mais caro, a resposta que fica é que principalmente essa retomada, durante o governo da presidente Dilma Rousseff, foi para a abertura de petróleo e gás nessas áreas da Amazônia ainda intocadas.
Nós vemos, de lá para cá, uma concessão de 14 blocos para a empresa russa Rosneft [Oil Company], que é recordista de derramamento de petróleo no mundo, inclusive. Ano passado houve a oferta de concessão de sete blocos exatamente na área da BR-319, de Careiro a Autazes. O próprio Ministério Público recomendou a reversão da concessão de duas dessas áreas concedidas por risco de impacto nas comunidades indígenas.
Hoje essa rodovia tem sido pautada apenas para a exploração de petróleo na Amazônia e para dar acesso a grupos privilegiados, que têm se expandido em terras devolutas e em terras griladas, principalmente setores da pecuária que migram de Rondônia para a Amazônia central.
IHU – Por que a decisão de Lula, de retomar as obras na BR-319, desagradou cientistas, ONGs e lideranças indígenas?
Lucas Ferrante – Porque essa rodovia é inviável do ponto de vista econômico, ambiental, de saúde pública e social. Essa rodovia não tem absolutamente nenhuma serventia para o país, porque ela impacta inclusive a área responsável pela formação das células de umidade que são responsáveis pelos rios voadores amazônicos. A evapotranspiração desse bloco de floresta amazônica forma as células de alta pressão que são responsáveis pelas chuvas das regiões Sul e Sudeste. De fato, a pavimentação da rodovia impacta a economia, o abastecimento humano, o setor industrial e os povos tradicionais. Não existe absolutamente nenhuma vantagem comprovada da pavimentação dessa rodovia. Agora, sua pavimentação tem vários pontos críticos comprovados. Por exemplo, o colapso do sistema da Cantareira, que abastece a região mais populosa do Brasil, ou seja, é uma catástrofe.
IHU – O Estado brasileiro tem dificuldades de se desvencilhar de um certo paradigma desenvolvimentista, o que talvez explique o fetiche de construir estradas em territórios que deveriam ser protegidos. Como e por que isso representa riscos ambientais e às populações nativas do país?
Lucas Ferrante – O que já temos visto nas comunidades indígenas são invasões massivas dos seus territórios, o aterramento dos igarapés que abastecem as comunidades e o uso de agrotóxicos como arma para dizimar comunidades. Como aconteceu no Lago do Capanã Grande, a população Mura, onde grileiros de terra jogaram agente laranja [agrotóxico utilizado durante a Guerra do Vietnã] para desmatar uma área de uso tradicional e despejaram litros do agente laranja nos igarapés que abastecem a comunidade, levando ao envenenamento coletivo de toda a população.
Além disso, vemos o aumento da pistolagem na área da BR-319, de criminalidade e invasão de terras. A situação é crítica pelo avanço da grilagem que está ligada ao crime organizado na área da rodovia BR-319. Já são vastas as evidências de que o crime organizado está liderando a invasão de terras nessa área da BR-319. Essas decisões positivas de pavimentar favorecem primeiramente o crime organizado.
Lembrando que o estado brasileiro não tem capacidade de contingente para a fiscalização da área. Vemos esses incêndios críticos, que essa crise não foi contida, então os próprios dados mostram a incapacidade do estado em fiscalizar essa área. A rodovia BR-319 já tem mais de seis vezes a sua extensão em ramais ilegais. Para fiscalizar toda essa área, precisaríamos de quatro anos. Se ela for pavimentada, jamais existirá contingente suficiente, mesmo empregando a Polícia Federal e o Exército, para fiscalizar a área – uma situação extremamente preocupante. Esses são os impactos sobre as comunidades indígenas, tradicionais.
A própria população de Manaus se encontra em risco por conta do aumento da criminalidade ligada à exploração fundiária na rodovia BR-319. Além disso, temos uma perda de biodiversidade associada, o aumento de atropelamentos, o aumento do tráfico de animais silvestres, o aumento de perda de biodiversidade e saltos zoonóticos na área.
Um exemplo é um estudo nosso publicado na Nature e no The Lancet esse ano que mostra que esse é o maior reservatório zoonótico do planeta. Diferentemente do que o desembargador Flávio Jardim fala, não é porque essa área é o maior reservatório zoonótico do planeta, que existe um risco iminente da pavimentação da rodovia ou não. A pavimentação da rodovia coloca em contato e abre essa “Caixa de Pandora”. Nós não podemos abrir essa Caixa de Pandora. Temos feito monitoramentos através de DNA ambiental ao longo de todo o interflúcio dos rios Purus e Madeira. Realmente é uma situação crítica.
Além disso, há todo o impacto sobre os serviços ecossistêmicos amazônicos que são extremamente importantes, como os rios voadores, que abastecem cerca de 70% da água das regiões Sul e do Sudeste. Portanto, estamos falando de um colapso da indústria, da agricultura e do abastecimento humano. É algo sem precedentes.
IHU – É possível, como alega Lula, construir a estrada e manter a floresta preservada? Qual o contingente de fiscais seria necessário para garantir a preservação ambiental?
Lucas Ferrante – Em um estudo que realizamos em parceria com o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia – CENSIPAM, ainda não publicado, de fato, se a rodovia for pavimentada, não existe capacidade de contingente. Independentemente do número que for colocado de fiscais, não se resolve o problema.
É importante falar que, atualmente, dentro das condicionantes ambientais, em tese seriam 19 postos de fiscalização na rodovia, hoje são dois, um no início da rodovia e outro no final, onde ficariam dois guardas, como se aquilo bastasse para conter o desmatamento. Isso é uma balela.
Nós precisamos lembrar que em Humaitá nem sequer tem base do Ibama e do ICMBio porque foi ateado fogo nessas bases à luz do dia por madeireiros e garimpeiros ilegais. Ou seja, não existe capacidade de manter esses fiscais na área. Hoje, o próprio Ibama não coloca uma base em Humaitá novamente porque não consegue resguardar a segurança dos fiscais lá. Como que ele vai garantir a fiscalização da rodovia? Isso é uma falácia, uma mentira. Os responsáveis do Ibama estão fraudando o licenciamento da rodovia.
Outro dado importante é que todos os estudos científicos publicados pelos pares foram ignorados no EIA/RIMA. Dentre eles, foram deixadas de fora todas as espécies endêmicas descritas para o interflúvio dos rios Purus e Madeira. É como se essas espécies não ocorressem ali. O Ibama tem omitido dados técnicos.
IHU – Como fica a questão da exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas? Como podemos compreender esses movimentos frente à necessidade urgente de enfrentar o aquecimento global?
Lucas Ferrante – É muito preocupante. A Foz do Amazonas tem ganhado notoriedade na mídia e, ao mesmo tempo, nós esquecemos que blocos no interior da Amazônia estão sendo pautados para a exploração e não só a foz. Como os sete poços que foram oferecidos no Leilão do Fim do Mundo em dezembro de 2023. Ou seja, é uma situação que não está sendo divulgada nem na mídia tradicional nacional, nem na mídia internacional.
Essa fala do Lula de se colocar como uma autoridade climática é uma mentira. O Lula não é uma autoridade climática, mas uma ameaça ao clima global. Porque aumentar as explorações de petróleo do Brasil é muito preocupante e compromete as metas climáticas globais, e nós não temos condições de negociar nada com os outros países falando para eles fazerem uma coisa enquanto nós fazemos outra.
Outra preocupação que tenho colocado é esse discurso do Lula de que a responsabilidade da crise climática é dos países desenvolvidos, principalmente do G7. Isto é apenas um jeito de eximir a responsabilidade dos países, principalmente do G20, entre eles o Brasil e a China. O que atualmente vemos é o Brasil virando o maior emissor de gases do efeito estufa. A culpa não é dos Estados Unidos ou da Europa, a culpa é do Brasil que não tem conseguido controlar o desmatamento. O país está emitindo mais gases do efeito estufa por conta das queimadas e ainda quer explorar mais petróleo. Isto é, a responsabilidade é nossa.
Tem se cobrado uma responsabilidade de outros países, que nesses últimos dois anos tem sido inteiramente nossa: somos nós que estamos emitindo fumaça da Amazônia que cruzou o Oceano Atlântico e chegou à África; somos nós os responsáveis pelas maiores emissões de aerossóis e monóxido de carbono por conta das queimadas na região Amacro (Amazonas, Acre e Rondônia). De fato, nós somos os vilões da crise climática, não os mocinhos que estão apresentando uma solução e negociando com os outros países. O Brasil precisa dar o exemplo. Precisamos adotar uma política de desmatamento zero agora, rever a repavimentação da rodovia BR-319 e a exploração de petróleo.
Essa ideia de que a exploração de petróleo vai financiar a transição energética do Brasil é uma mentira. Isso precisa ser apresentado como é: uma mentira. Porque existe uma fala do Lula dizendo que quando acabar a última gota de petróleo, nós teremos outras produções energéticas como o biocombustível. É completamente inviável, porque não vai ter planeta para a transição energética. Precisamos dessa transição agora, e não aumentar a exploração de petróleo. Então, é uma balela, uma falácia, uma mentira contada. O presidente é desonesto ao falar isso.
IHU – Como avalia o adiamento da lei de antidesmatamento da União Europeia? É uma vitória do lobby do agronegócio?
Lucas Ferrante – O adiamento está sendo comemorado pelo governo. Esse é mais um lobby do agronegócio e fomenta ainda mais o desmatamento na Amazônia e esse ciclo de queimadas que estamos vendo. Nós temos um governo basicamente alinhado ao agronegócio, que é de fato o grande vilão. É uma situação extremamente preocupante.
Agora, o mais preocupante é que nós estamos perdendo o poder de negociação no mercado global de questões ambientais. Eu falo isso porque as commodities brasileiras de exportação estão migrando do mercado da União Europeia, principalmente a pecuária, que é grande motor do desmatamento e queimada, para o mercado chinês. Hoje, vemos um alinhamento maior do Brasil com a China e a Rússia, e esses países não são dois mercados nenhum pouco atrelados a questões ambientais. Antes, poderíamos ver sanções às exportações brasileiras devido ao desmatamento e às queimadas. Agora vemos essas commodities visando os mercados russo e chinês. Isso não vai acontecer.
Existem declarações do agronegócio e de senadores ligados ao setor de que eles querem o mercado chinês aberto ao Brasil. De fato, é mais uma situação crítica, porque veremos mais desmatamento, perda e capacidade de cobrar dos países que estão importando commodities de regiões com desmatamento. A Europa hoje quase já não importa carne brasileira. Vemos outras commodities sendo importadas. Agora, a maior preocupação disso não é nem com a Europa, é com a China e a Rússia.
Lembrando que na própria BR-319 nós temos capital chinês de empresas associadas a empresas ligadas à pavimentação. Isso está no site do Ministério de Infraestrutura. Esse alinhamento geopolítico novo agrava a capacidade de fiscalização e de cobrança internacional por uma política ambiental mais consciente do Brasil.
IHU – Em 2025, o Brasil recebe a COP30. O evento será realizado pela primeira vez na Amazônia. Há alguma chance de termos uma guinada nos rumos da política ambiental brasileira?
Lucas Ferrante – Nenhuma. O que vemos basicamente, na COP30, são políticas pautadas em bioeconomia, de tentar vender uma imagem do Brasil como se fosse um país ambiental. É um greenwashing. A COP tem servido mais às empresas do que aos pesquisadores para tentar pautar propostas reais de mitigação das mudanças climáticas. É um cenário extremamente preocupante, pois isso está sendo visto como um mercado, inclusive para dialogar com a abertura de novos mercados que têm contribuído para essa crise ambiental do Brasil, como o crédito de carbono.
É importante falar que o crédito de carbono no estado do Amazonas foi completamente suspenso pelo Ministério Público, porque setores e empresas ligados ao crédito de carbono estavam fazendo negócios desvantajosos para as comunidades. Então, apresentam-se medidas como se o crédito de carbono fosse uma solução para evitar as mudanças climáticas e conter o desmatamento. Em uma reunião que tive com o desembargador Flávio Jardim, ele perguntou se os nossos modelos de desmatamento consideravam os créditos de carbono, porque provavelmente haveria uma redução do desmatamento. É uma balela, não faz nenhum sentido, até porque crédito de carbono está suspenso no estado do Amazonas, pois não atendiam nem os requisitos mínimos e violavam os direitos das comunidades, e houve desmatamento e degradação ambiental. Eram negócios fraudulentos.
Não temos participação incisiva de pessoas na COP que consigam cobrar de fato a reversão dessas políticas negativas do Brasil, como a exploração de petróleo e gás na Amazônia, e a pavimentação das rodovias. Muito pelo contrário, esses indivíduos têm pautado soluções mirabolantes, tratando tudo como mercado e isso só vai aumentar o desmatamento e a degradação.
A bioeconomia não é uma solução para a Amazônia. Existem alguns pesquisadores pautando isso como se fosse a solução. O grileiro de terra não vai parar de causar desmatamento ilegal e grilagem para migrar para a bioeconomia. Isso não vai acontecer. Nós precisamos ser realistas.
IHU – Deseja acrescentar algo?
Lucas Ferrante – A rodovia precisa ser revertida imediatamente e esse bloco [de exploração petróleo] precisa ser fechado permanente.