23 Março 2024
"É urgente que o Brasil adote ferramentas como a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE). (...) Porque, como comumente vemos na Amazônia, um simples anúncio de PPP para instalação de qualquer grande empreendimento é capaz de promover migração e ocupação irregular de terras por pessoas em busca de oportunidades e terras baratas, levando consequentemente à degradação ambiental como a que é ocorrendo no entorno da BR-319".
O comentário é de Jefferson L. Santos, Aurora M. Yanai, Paulo M. L. A. Graça, Francis W. S. Correia e Philip M. Fearnside, em artigo publicado por Amazônia Real, 21-03-2024.
Jefferrson Lobato dos Santos é aluno de doutorado no programa de pós-graduação em Clima e Ambiente de UEA e INPA, orientado por Francis Wagner Correia e Philip Martin Fearnside. Possui graduação em Agronomia pela Universidade Federal Rural da Amazônia (2003), graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pará (2004) e mestrado em Agricultura no Trópico Úmido pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (2006). Atualmente é analista ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recusos Naturais Renováveis. Pesquisa interações clima-biosfera na Amazônia, com ênfase em modelagem do clima e do desmatamento.
Aurora Miho Yanai é pós-doutoranda no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) trabalhando com modelagem de desmatamento na região Trans-Purus. Ela tem mestrado e doutorado pelo Inpa em ciências de florestas tropicais e tem experiência na análise e modelagem de desmatamento no sul do Amazonas.
Paulo Maurício Lima de Alencastro Graça é doutor pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Ele tem mestrado em ciências florestais pela Universidade de São Paulo, (USP-Esalq) e graduação em Engenharia Florestal pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Ele é pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), atuando junto ao laboratório de agroecossistemas. Ele tem publicado artigos sobre mapeamento de exploração madeireira utilizando técnicas de sensoriamento remoto, modelagem espacial do uso da terra, impacto do desmatamento, e eficiência de queima de biomassa florestal, entre outros.
Francis Wagner Silva Correia possui graduação em Física pela Universidade Federal do Amazonas (1995), mestrado (2000) e doutorado (2005) em Meteorologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Atualmente é professor Associado do Curso de Graduação em Meteorologia da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), e professor e orientador no Programa de Pós-graduação em Clima e Ambiente – CLIAMB (Universidade do Estado do Amazonas – / Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia). Tem experiência na área de Geociências, atuando principalmente nos temas de Modelagem Climática e Hidrológica, Modelagem da Interação Superfície e Atmosfera, Modelagem do Uso e Cobertura da Terra.
Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 750 publicações científicas e mais de 700 textos de divulgação de sua autoria.
Embora o método considere valores de índice de similaridade acima de 50% suficientes para validar o modelo, o que significa que a quantidade de mudança corretamente prevista é maior que a soma dos vários tipos de erro [1, 2], não existe uma regra geral para calibração e validação no processo de modelagem do uso da terra [3, 4]. Contudo, entende-se que o modelo deve representar satisfatoriamente a dinâmica espacial do desmatamento na área de estudo.
No presente estudo, o modelo atingiu 51% na janela 11 × 11, o que corresponde à similaridade em uma área de 1,21 km2. Alguns estudos realizados em áreas menores na Amazônia também encontraram similaridade a partir de 50% na janela 11 × 11 ou menor, como Yanai et al. [5] na janela 5×5, Maeda et al. [6] na janela 11×11, Barni et al. [7] na janela 7×7, Roriz et al. [8] na janela 5×5, Ramos et al. [9] na janela 11×11; dos Santos-Júnior et al. [10] atingiram 49% na janela 11×11, e Santos et al. [11] atingiu 57% na janela 7×7.
Além disso, a acurácia foi verificada por comparação com um modelo nulo que, para a mesma janela, atingiu 14% de similaridade. Segundo Pontius-Jr. et al. [12], um modelo torna-se mais preciso que o modelo nulo quando a resolução espacial é aumentada, ou seja, a qualidade da escala de resolução influencia o resultado de um modelo preditivo quando comparado ao modelo nulo. Considerando a extensão da área de estudo e a resolução espacial utilizada, os resultados de validação alcançados neste estudo podem ser considerados satisfatórios.
Nos cenários BAU_1 e BAU_2, procuramos representar a tendência atual de aumento das taxas de desmatamento na Amazônia. Após a grande redução do desmatamento anual de 2004 a 2012, observou-se um aumento gradual e consistente nas taxas a partir de 2012, quando o Código Florestal Brasileiro foi alterado devido à forte representação política do agronegócio no Congresso Nacional [13]. Muitas regulamentações ambientais também foram revogadas, especialmente durante o governo do Presidente Jair Bolsonaro (2019-2022).
Os resultados mostram que em ambos os cenários (BAU_1 e BAU_2) há um evidente aumento do desmatamento na parte sul da Amazônia, influenciado por estradas, assentamentos e pelo ‘arco do desmatamento’, com desmatamento em toda a área modelada ao longo da rodovia BR-319, bem como ao longo de rodovias de ligação como a AM-366, especialmente para o cenário BAU_2 devido à aprovação da reconstrução e pavimentação da rodovia BR-319. Isso corrobora as previsões de Fearnside et al. [14] e dos Santos-Júnior et al. [10], além de modelos que consideraram a construção de estradas projetadas na região amazônica [15-19].
O desmatamento em unidades de conservação e Terras Indígenas também pode aumentar consideravelmente, segundo diversos estudos realizados na região [20-22]. Contudo, essas áreas continuam a conferir certa resistência à degradação ambiental pelo desmatamento, como demonstram os dados atuais de desmatamento disponíveis nas imagens PRODES do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), bem como nos relatórios dos programas do Ministério. do Meio Ambiente (MMA) para combater e controlar o desmatamento [23, 24]. Portanto, é importante criar, implementar, manter, monitorar e fiscalizar áreas protegidas na Amazônia. Em relação aos projetos de assentamentos, o estudo mostra que há um aumento significativo em todas as categorias, indicando que a criação de “assentamentos de uso sustentável” na região não proporciona a proteção desejada [25].
Os assentamentos representam, atualmente, 15,66% do desmatamento na área de estudo, mas para o desmatamento até 2100 esse percentual sobe para 65,19% no cenário BAU-1 e 77,22% no cenário BAU_2. Isso corrobora os estudos de Yanai et al. [25], que indicaram que os assentamentos desempenham um papel importante na dinâmica do desmatamento e das futuras emissões de carbono na Amazônia Legal brasileira. O simples fato de dar a notícia da aprovação de um assentamento inicia uma corrida em busca de terras legalizadas disponibilizadas pelo governo, conforme dinâmica explicada por Castro et al. [26]. Isso é exemplificado pelo Projeto Realidade de Desenvolvimento Sustentável (PDS), criado em 2009 no entorno da BR-319, no município de Humaitá [27]. O mero anúncio da aprovação deste PDS desencadeou uma corrida em busca de terras, promovendo a invasão do terreno e dividindo-o em pequenos lotes para venda aos recém-chegados, sem interferência do órgão governamental responsável (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA).
Assim, fazendo crescer a exploração madeireira, a agricultura, a pecuária extensiva, a especulação e a grilagem de terras no entorno do assentamento e ao longo da rodovia, conforme observado por Fearnside [28], Andrade et al. [29] e Ferrante et al. [21, 22] em estudos realizados na região, demonstrando que o padrão da dinâmica do desmatamento continua até os dias atuais. Outra questão importante é a proposta de construção da rodovia estadual AM-366, que ligaria a rodovia BR-319 ao oeste do Estado do Amazonas (neste estudo representado pela Região 7, ver Figura 5), uma das mais preservadas áreas da Amazônia e das mais essenciais para os serviços ambientais que a floresta oferece [30, 31]. Uma importante fonte de impacto também seria o avanço do ‘arco do desmatamento’ em direção ao norte (Região 5) ao longo da rodovia BR-174, que liga Manaus a Boa Vista e à fronteira com a Venezuela [7, 32]. Embora as estradas sejam consideradas estratégicas e importantes por reduzirem o isolamento da população e facilitarem o acesso, o turismo e o escoamento de produtos, o modelo de desenvolvimento baseado na expansão dos eixos rodoviários na região amazônica é o principal promotor da degradação ambiental através de seu papel na facilitação tanto da migração da população para a região como da expulsão da população para fronteiras mais distantes, à medida que as pequenas propriedades são compradas por grandes criadores de gado. A floresta se perde nesse processo, com grandes impactos ambientais.
Podemos dizer que o Brasil ainda não conseguiu encontrar uma estratégia de ação que seja eficiente para conciliar os interesses da população que quer mais rodovias, com a preservação do meio ambiente. A rodovia BR-163 (Santarém-Cuiabá) serve de exemplo: o desmatamento aumentou enormemente depois que a rodovia foi reconstruída e pavimentada, apesar de todas as tentativas de desenvolver políticas, planos e programas para reduzir esses danos ambientais [26, 33, 34]. Conforme observado nos mapas gerados pelo modelo, o impacto do desmatamento ultrapassa a área de influência oficial de 40 km definida pela Portaria Interministerial 60, de 24 de março de 2015, para os processos de licenciamento ambiental de rodovias na região amazônica. Isso demonstra que o processo de licenciamento ambiental se beneficiaria com a modelagem do impacto antes da definição do raio de influência na tomada de decisão. A Figura 11 mostra o desmatamento no entorno da rodovia BR-319 e na área de amortecimento de 40 km (para o trecho onde está sendo solicitada a Licença de Instalação para reconstrução da rodovia), e podemos observar o desmatamento contínuo além dos 40 km.
Figura 11: Área de influência oficial de 40 km definida pela Portaria Interministerial 60, de 24 de março de 2015, para licenciamento ambiental de rodovias na região amazônica (a & b); a expansão do desmatamento no cenário BAU_2 é mostrada para 2100 (b) em relação ao ano de referência (a)
Assim, um estudo de modelagem mais abrangente e semelhante ao atual poderia ser utilizado para definir a área provável de impacto de um projeto rodoviário na Amazônia. Isso daria ao estudo de impacto ambiental mais ferramentas para a tomada de decisão, o que permite definir as melhores medidas de mitigação para reduzir os impactos negativos e ter uma avaliação mais realista dos impactos para decisões sobre a construção dessas rodovias. Embora as decisões sobre a construção de estradas devam considerar todos os impactos possíveis, entende-se que o licenciamento ambiental é atualmente limitado na sua capacidade de exigir que o empreendedor repare ou mitigue os possíveis impactos indiretos de um empreendimento, como a construção de rodovias de ligação pelas autoridades locais ou influência negativa sobre outros estados.
Portanto, é urgente que o Brasil adote ferramentas como a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), que é um instrumento de planejamento e apoio à tomada de decisões estratégicas sobre os impactos socioambientais das Políticas, Planos e Programas (PPP) do governo brasileiro [35-37], como o Avança Brasil 2000 e o Plano Plurianual 2004-2007, que incluiu a reconstrução de rodovias na Amazônia [32]. Porque, como comumente vemos na Amazônia, um simples anúncio de PPP para instalação de qualquer grande empreendimento é capaz de promover migração e ocupação irregular de terras por pessoas em busca de oportunidades e terras baratas, levando consequentemente à degradação ambiental como a que é ocorrendo no entorno da BR-319. [38]
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[38] Este texto é uma tradução parcial de: Santos, J.L., A.M. Yanai, P.M.L.A. Graça, F.W.S. Correia & P.M. Fearnside. 2023. Amazon deforestation: Simulated impact of Brazil’s proposed BR-319 highway project. Environmental Monitoring and Assessment 195(10): art. 1217.
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Impacto simulado da BR-319–6: discussão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU