21 Mai 2025
A insistência com que o Papa Leão XIV recorda os riscos da Inteligência Artificial poderia abrir uma dialética inesperada entre a Igreja e os grandes gigantes das novas tecnologias inteligentes, Meta, Amazon, Apple, Google. Essas empresas dominam um mercado em crescimento explosivo que, em 2020, valia 62 bilhões de dólares, deveria chegar a 390 bilhões em 2025 e estimado em 1.800 trilhão em 2030. A inteligência artificial, além disso, é um componente essencial do novo “complexo industrial militar” que orbita a galáxia Musk, como a Palantir ou a Anduril.
A reportagem é de Salvatore Cannavò, publicada por Il Fatto Quotidiano, 19-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
O papa Leão XIV se dirigiu a esse mundo tumultuado em quase todas as mensagens que proferiu nos primeiros dez dias de seu pontificado. Falou sobre isso em seu primeiro discurso perante o Colégio de Cardeais: “O Papa Leão XIII, com a histórica Encíclica Rerum Novarum, abordou a questão social no contexto da primeira grande revolução industrial; e hoje a Igreja oferece a todos o seu patrimônio de doutrina social para responder a outra revolução industrial e aos desenvolvimentos da inteligência artificial, que trazem novos desafios para a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho”. Uma segunda afirmação foi feita durante o encontro com as mídias em 13 de maio: "A comunicação não é apenas a transmissão de informações, mas é a criação de uma cultura, de ambientes humanos e digitais que se tornam espaços de diálogo e confronto. E olhando para a evolução tecnológica, essa missão se torna ainda mais necessária. Estou pensando, em particular, na inteligência artificial com seu imenso potencial, que exige, no entanto, responsabilidade e discernimento para orientar as ferramentas para o bem de todos".
As duas declarações abordam aspectos diferentes e complementares. A segunda se insere mais naturalmente no debate sobre as responsabilidades sociais, jurídicas e éticas do uso da inteligência artificial que a União Europeia, por exemplo, estabeleceu com a aprovação em 2024 da Lei Ii, que, embora genérica, é frequentemente contestada pelo mundo das empresas porque marca uma disparidade entre a UE e os EUA. A primeira declaração, no entanto, tem mais implicações sociais, pois o papa levanta a questão de como a nova “revolução industrial” está se desenvolvendo. Seu antecessor de nome, Leão XIII, ao escrever a Rerum Novarum, também colocava os portentosos progressos das artes e os novos métodos da indústria” entre os fatores “que desencadearam o conflito” de classe e que, portanto, precisavam (em 1891) ser regulados. Prevost, reportando-se àquela inspiração, propõe uma abordagem social para a questão da inteligência artificial. Afinal de contas, estudos e análises sobre se a IA tem algo a ver com a redução de empregos, o aumento geral do trabalho em si, talvez a distância, ou com a subserviência à máquina, circulam amplamente.
Leão XIV pode se valer de um trabalho já desenvolvido pelo Papa Francisco, como Giovanni Valentini já mencionou neste jornal em sua coluna de 17 de maio. Também com seu discurso no G7 em 2024, Francisco disse estar ciente de que “a inteligência artificial representa uma verdadeira revolução cognitivo-industrial, que contribuirá para a criação de um novo sistema social” com grandes avanços como a “democratização do acesso ao conhecimento, o progresso exponencial da pesquisa científica, a possibilidade de delegar às máquinas os trabalhos desgastantes”.
“Mas, ao mesmo tempo”, advertia, “poderia trazer consigo uma maior injustiça entre as nações avançadas e as em desenvolvimento, entre as classes sociais dominantes e as oprimidas, colocando assim em perigo a possibilidade de uma “cultura do encontro” em favor de uma “cultura do descarte”. Os tons radicais de Francisco, com sua atenção aos “descartados”, ou seja, às vítimas das transformações tecnológicas governadas do alto, provavelmente não serão os mesmos do Papa Leão XIV.
Mas em seu discurso ao corpo diplomático em 16 de maio, ele voltou à Rerum Novarum, argumentando que "na época de mudanças que estamos vivendo, a Santa Sé não pode deixar de fazer ouvir sua voz diante dos muitos desequilíbrios e injustiças que levam, entre outras coisas, a condições de trabalho indignas e a sociedades cada vez mais fragmentadas e conflituosas.
Também é necessário envidar esforços para corrigir as desigualdades globais, que veem opulência e indigência abrindo sulcos profundos entre continentes, países e até mesmo dentro de cada sociedade". E entre as três prioridades de seu papado, ele listou “as migrações, o uso ético da inteligência artificial e a preservação de nossa amada Terra”. Se essas premissas forem desenvolvidas, assistiremos a uma dialética muito interessante.