29 Abril 2025
"O Papa Francisco reconheceu que a inteligência artificial pode ser considerada um 'dom de Deus' se utilizada com discernimento e responsabilidade. Sua posição está muito distante de atitudes tecnofóbicas; pelo contrário, o pontífice vê a IA como um produto da engenhosidade humana que, se bem direcionado, pode trazer inúmeros benefícios para a sociedade", escreve Paolo Benanti, frei franciscano da Terceira Ordem Regular, professor da Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, e acadêmico da Pontifícia Academia para a Vida, em artigo publicado por Avvenire, 25-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
O Papa considerou a IA como “uma ferramenta fascinante e tremenda”, capaz de transformar radicalmente as nossas sociedades. É por isso que agora precisamos de uma visão humanista para governar seu desenvolvimento.
Ao longo de seu pontificado, o Papa Francisco levou a Igreja ao centro das novas tecnologias e do desenvolvimento da inteligência artificial. Sua reflexão, que culminou com a introdução do conceito de “algorética”, representa uma contribuição significativa para o debate contemporâneo sobre as implicações éticas da revolução digital. O Pontífice abordou essa questão crucial reconhecendo as potencialidades transformadoras da inteligência artificial, mas frisando firmemente uma abordagem centrada na dignidade humana, na justiça social e na responsabilidade compartilhada. Seu magistério convida a considerar a IA não como um fim em si mesmo, mas como uma ferramenta que deve ser orientada para o bem comum, guiada por princípios éticos sólidos e voltada para uma sociedade mais equitativa e solidária. Em 2020, na plenária da Pontifícia Academia para a Vida, o Papa Francisco reiterou o conceito fundamental de “algorética”: esse neologismo, que combina “algoritmo” e “ética”, utilizado pela primeira vez pelo Papa em um discurso em novembro de 2019 sobre a dignidade dos menores no mundo digital, representa uma tentativa de traçar uma direção clara para o desenvolvimento de tecnologias que respeitem plenamente a dignidade humana.
A algorética postula como imperativo que os algoritmos sejam projetados e implementados com uma consciência moral, para que as decisões automatizadas não levem a discriminações ou injustiças. O conceito foi aprofundado nos anos seguintes, tornando-se um pilar do pensamento de Francisco sobre as novas tecnologias.
Uma iniciativa concreta que deu corpo à algorética foi a “Rome Call for AI Ethics”, promovida pela Pontifícia Academia para a Vida em 2020. Esse documento, resultado da colaboração entre a Santa Sé, especialistas de tecnologia e representantes de diferentes religiões, lançou as bases para uma abordagem ética compartilhada da inteligência artificial. Rome Call for AI Ethics colocou como ponto central o valor da pessoa, a equidade no acesso às tecnologias e o respeito pelos mais vulneráveis, lançando as bases para um futuro em que a IA venha a ser um instrumento de unidade e não de divisão.
Em junho de 2024, o Papa Francisco deu um passo sem precedentes ao se tornar o primeiro Pontífice a discursar na cúpula do G7 em Borgo Egnazia, na Puglia. Esse evento histórico ofereceu ao Papa uma plataforma internacional de extraordinária relevância para expor a sua visão sobre a inteligência artificial aos líderes das maiores potências do mundo. A participação do Pontífice enfatizou a importância que a Santa Sé atribui à questão da ética na tecnologia e sua disposição de influenciar as políticas globais nesse âmbito crucial. Em seu discurso, Francisco definiu a inteligência artificial como “uma ferramenta que é ao mesmo tempo fascinante e tremenda”, destacando a dupla natureza dessa tecnologia emergente. Descreveu a IA como “uma ferramenta sui generis” que, ao contrário das ferramentas tradicionais, pode se adaptar de forma autônoma à tarefa que lhe atribuída e, se projetada dessa forma, fazer escolhas independentes do ser humano para atingir o objetivo pretendido. Essa característica da IA a torna particularmente poderosa, mas também potencialmente perigosa se não for governada adequadamente.
O Papa Francisco reconheceu que a inteligência artificial pode ser considerada um “dom de Deus” se utilizada com discernimento e responsabilidade. Sua posição está muito distante de atitudes tecnofóbicas; pelo contrário, o pontífice vê a IA como um produto da engenhosidade humana que, se bem direcionado, pode trazer inúmeros benefícios para a sociedade. Como afirmou em seu discurso no G7 na Itália, a ciência e a tecnologia são, portanto, produtos extraordinários do potencial criativo de nós, seres humanos. Bem, é exatamente da utilização desse potencial criativo dado por Deus que nasce a inteligência artificial.
Um aspecto crucial do pensamento de Francisco sobre a IA diz respeito à distinção fundamental entre as “escolhas” que uma máquina pode fazer e as “decisões” que somente um ser humano pode tomar.
Sempre em seu discurso no G7, o Papa esclareceu que as máquinas podem fazer escolhas, mas não tomar decisões, que exigem discernimento, sabedoria e responsabilidade. Essa diferença é essencial para entender o limite intransponível que deve ser colocado à autonomia das máquinas.
O Pontífice enfatizou que as decisões implicam uma dimensão moral, uma responsabilidade e uma capacidade de discernimento que são próprias do ser humano. “Condenaríamos a humanidade a um futuro sem esperança se tirássemos das pessoas a capacidade de decidir sobre si mesmas e sobre suas vidas, condenando-as a depender das escolhas das máquinas”. Essa posição evidencia a preocupação de que a IA possa reduzir a liberdade humana ao substituir o juízo moral com cálculos algorítmicos. Durante seu discurso no G7, o Papa expressou preocupação especial com o uso da inteligência artificial em sistemas de armas autônomos. Em palavras claras e inequívocas, ele declarou: “Nenhuma máquina jamais deveria escolher se tirar a vida de um ser humano”.
Essa advertência reflete uma profunda preocupação com o desenvolvimento de tecnologias militares que poderiam operar independentemente do controle humano, tomando decisões letais com base em algoritmos.
Nessa ocasião, Francisco exortou aos líderes mundiais para repensar o desenvolvimento e o uso de dispositivos como as chamadas “armas letais autônomas” para proibir seu uso, pedindo um compromisso efetivo e concreto para introduzir um controle humano cada vez mais significativo. Essa posição está de acordo com a longa tradição da Igreja de defender a sacralidade da vida humana e da responsabilidade moral nas decisões relativas à vida e à morte.
Outro desafio significativo levantado pelo magistério do Papa Francisco diz respeito aos riscos ligados à desinformação gerada pela inteligência artificial, especialmente por meio de deepfakes e da manipulação de conteúdos visuais. Em janeiro de 2025, em preparação do quinquagésimo oitavo Dia Mundial das Comunicações Sociais, o Papa dedicou sua mensagem justamente a essa mesma questão, enfatizando como a evolução dos sistemas de inteligência artificial também está modificando radicalmente a informação e a comunicação e, por meio delas, algumas bases da convivência civil.
O cerne do magistério do Papa Francisco sobre a inteligência artificial foi fundado na visão antropológica, que coloca a pessoa humana no centro de todas as reflexões e decisões tecnológicas. O pontífice enfatizou repetidamente que a inteligência artificial deve estar sempre a serviço do homem e nunca o contrário. Essa afirmação não é um mero slogan, mas reflete uma profunda preocupação com a preservação da dignidade humana em uma época de rápida evolução tecnológica.
Um aspecto inovador do pensamento de Papa Francisco é sua tentativa de estabelecer um diálogo frutífero entre tecnologia e espiritualidade. Longe de ver essas duas dimensões como antagônicas, o pontífice as considera como complementares na construção de um futuro mais humano e solidário. Em várias ocasiões, ele enfatizou que a tecnologia não é um fim em si mesma, mas uma ferramenta para a construção de um futuro mais justo, mais humano, mais solidário. Em uma palavra, evangélico.
Em uma época em que a inteligência artificial está transformando radicalmente as nossas sociedades, o apelo do Papa à responsabilidade ética parece mais relevante do que nunca. Sua exortação para desenvolver uma algorética que governe o desenvolvimento tecnológico representa um grande desafio para os líderes políticos, desenvolvedores de tecnologia e cada cidadão conscientes das mudanças que estão ocorrendo. Somente dessa forma será possível garantir que a inteligência artificial realmente continue estrando a serviço da humanidade, ajudando a construir um futuro mais justo, inclusivo e que respeite a dignidade de cada pessoa.