18 Junho 2024
"Chama a atenção da Igreja essa mudança histórica de 'clima', não de ambiente 'externo' ao humano (a outra grande batalha de Francisco), mas de seu ambiente “interno”, as redes neurais daquele animal social, até agora analógico e não exposto à sua redefinição digital, que é o homem".
O artigo é de Eugenio Mazzarella, filósofo, em artigo publicado por Domani, 14-06-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Teria sido difícil imaginar que dos gurus da tecnocracia, da pesquisa e das finanças engajados no desenvolvimento e credenciamento político e social da IA e das tecnologias da informação e da comunicação, pudesse surgir uma declaração como esta: “A inteligência artificial poderia levar à extinção da humanidade”. Aviso tardio – bem resumido por Yuval Harari no The Economist – que ao assumir o controle da linguagem em geral, no ambiente cada vez mais mediático da nossa sociedade, a IA essencialmente “hackeou” o sistema operacional da nossa civilização.
Preocupações inquestionáveis ou apocalípticas, que devem ser levadas absolutamente a sério. Isso é o que Francisco foi falar no G7, logo em seguida à primeira tentativa significativa de regulamentação da IA, com o recente AI Act da União Europeia. As TIC e a IA estão reontologizando o "mundo". Ou seja, estão redefinindo o DeepMind (o Google sabe no que trabalha), a “mente profunda”, a “mente estendida”, da qual emerge a especificidade da nossa espécie: fundamentalmente a consciência de sua experiência, de sua interação com seu ambiente (social e natural, das coisas), o que lhe confere individualidade autocentrada (consciência, o eu) e seu correlato “mundano”.
Se por mundo entendemos a emergência, na natureza, de uma conexão objetivo-subjetivo, isto é, de uma ser vivo que opera seu ambiente de um modo consciente e é operado por ele, graças a essa consciência, de forma elástica, relativamente “livre”, transcendendo-o e podendo “manipular” o esquema estímulo-resposta, se é isso que se entende por mundo, intervindo de uma forma cada vez mais invasiva no DeepMind, sobre a maneira pela qual (o logos, diriam os filósofos, o nexo pensamento-linguagem) foi construída a correlação sujeito-objeto específica do antropos, estamos arriscando a extinção do humano conhecido.
O que não é tanto a sua extinção “física”. Um bípede em posição ereta, talvez potencializado e manipulado, organicamente “melhorado”, ainda será visto circulando por aí. E provavelmente em funções inferiores, por que de “animais de trabalho”, principalmente de baixa qualidade, teremos (teremos, “quem”?) cada vez menos necessidade.
O que corremos o risco de não ver mais por aí é a "psiquicidade" como relativo controle de si por ser padrão social de massa, ou adquirível pelas massas; isto é, uma consciência livre generalizada.
Uma regressão não livre da ação humana, orientada de forma ora persuasiva, ora dispositiva, sempre coercitiva, pelo algoritmo, isso está em jogo. Além de cognitiva, como alguns estudos já chamam à atenção.
Aquilo a que estamos expostos pela IA como sistema operacional de um mundo digitalizado, a infosfera, onde o digital não é um operador de serviço da realidade analógica, mas ao contrário opera ao presidir o sistema operacional, a linguagem, é uma desintegração do regime atual de integração biopsicossocial do nosso existir, por uma sua remontagem artificialista – obtida por artifício – em uma ontologia do ser social como web social, onde se torna obsoleta a dicotomia entre vida real e vida digital, questionando - da vida "real" - a estrutura bio-psico-sócio-histórica que a animou.
Chama a atenção da Igreja essa mudança histórica de “clima”, não de ambiente “externo” ao humano (a outra grande batalha de Francisco), mas de seu ambiente “interno”, as redes neurais daquele animal social, até agora analógico e não exposto à sua redefinição digital, que é o homem.
A defesa do sentido da “presença” do humano, do nosso estar-no-mundo como presença para nós mesmos: a “civilização do espírito”, nos seus fundamentos analógicos. Com a qual Francisco não só defende a possibilidade pela mensagem cristã de se dirigir ao homem “livre”, à interioridade livre, exigida por uma fé que não seja um puro vínculo cultural da Lei historicamente dada a cada oportunidade, mas a possibilidade em geral de o homem ser livre pelo menos para si mesmo, sem ser externamente dirigido socialmente e nos detalhes de sua vida individual pelas democratura digitais no horizonte.
Falar isso ao G7, aos países que são guardiões da “liberdade dos modernos”, aquela escrita na testa de cada indivíduo como dignidade da pessoa, e não apenas nas portas da cidade (pelo menos das cidades que realmente contam, a “liberdade dos antigos”) não é pouca coisa. E é um alerta aos navegantes, a todos, da globalização.
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G7: por que o Papa Francisco está se interessando pela inteligência artificial - Instituto Humanitas Unisinos - IHU