17 Junho 2024
"Bergoglio não pode impor nada àqueles que representam o poder numa metade do planeta, apenas pode implorar-lhes, de joelhos, por assim dizer, como um antigo peregrino, que façam todo o possível para salvaguardar ou restaurar a paz, que trabalhem para tornar a iminente Inteligência Artificial, um instrumento não de ódio, mas de mais intensa proximidade", escreve Corrado Augias, jornalista, escritor italiano e ex-deputado do Parlamento Europeu, em artigo publicado por La Repubblica, 15-06-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O papado e o império. Pela primeira vez um soberano pontífice toma a palavra diante dos poderosos do mundo, foi definido como algo absolutamente inédito. Na realidade é e não é. Claro que é pela ocasião e pelas pessoas que são os protagonistas, mas se olharmos para as funções que desempenham, o encontro remete a uma história de séculos, conturbada e altamente conflituosa. Ainda mais se o encontro ocorrer na terra da Puglia, não muito longe da admirável construção de Castel del Monte que Frederico II da Suábia, imperador do Sacro Império Romano e rei da Sicília, mandou construir no planalto de Murge.
Ele próprio, Frederico II (1194-1250), conhecido como Stupor Mundi por sua sabedoria, especialmente por seu amor pelas artes, convidou para sua corte alguns dos maiores literatos, filósofos e cientistas da época, favoreceu o encontro das culturas latina, grega e árabe, que sonhava um mundo unido mais por acordos de paz que por conflitos com os quais aniquilar todos os inimigos possíveis.
Frederico II tinha grandes ideias, pensava também numa península unificada, um sonho que a presença dos Estados da Igreja tornava impossível, estendendo-se como eram a toda a Itália central. A situação permaneceu mais ou menos a mesma até a determinação de Cavour e a derrota de Napoleão III em Sedan, 1870, que permitiu unir Roma ao Reino da Itália.
A história da Itália é feita disso, os Grandes da Terra provavelmente pouco sabem sobre isso, ainda mais por serem políticos, preocupados com o presente e com o seu futuro pessoal, provavelmente sentirão a presença do Papa Francisco como um detalhe divertido, excêntrico, para alguns irritante e para outros insignificante, mesmo que Biden seja oficialmente católico, mas no momento tem pensamentos mais urgentes.
Frederico II (que dá nome à Universidade de Nápoles) não tolerava interferências pontifícias no exercício do poder que lhe competia. Mas então, no século XIII, o Papa ainda acreditava, de boa ou má fé, que poderia exercer ambos os poderes, o terreno e o celestial, em nome do legado de Constantino do qual somente Lorenzo Valla, em meados de 1400, seria capaz de demonstrar a falsidade com base em uma análise filológica precisa. Foi uma das maiores fake news da história, como se fala hoje, juntamente com os Protocolos dos Sábios de Sião.
Toda a Idade Média e mais além está entretida com essa disputa que não foi apenas jurisdicional, mas não raramente chegou à violência. Afinal, não só o Papa, mas até mesmo um bispo, mesmo que respeitado e autoritário como Ambrósio de Milão, ousou desafiar o imperador numa célebre disputa na qual aqui não é o caso de entrar (chamada do Altare della Vittoria) quase ameaçando-o, lembrou-lhe que seu comando tinha um limite na vontade divina e que era ele, Ambrósio, quem a representava na Terra.
Histórias antigas, se poderia dizer. Claro que, por serem antigas, não por isso são insignificantes, porque até Pio IX e além os pontífices romanos sempre tentaram impor o seu peso nos assuntos italianos e do mundo com piedosas exortações, orações, excomunhões e todos os outros instrumentos de coerção espiritual que os tempos disponibilizavam.
Francisco está fora disso, não pode ser excluído que uma parte da Cúria lhe seja hostil também devido ao seu claro desejo de não transbordar para o território político que pertence à República italiana. No chamado mundo ocidental, o cristianismo atravessa talvez a crise mais grave da sua história, os seminários na Europa estão vazios, resistem alguns grupos de fiéis, tanto mais convictos por serem minorias sitiadas pelo ceticismo prevalecente. No entanto, não são forças com as quais se possa pretender impor alguma coisa. Ainda Pio XII, na década de 1950, poderia iludir-se ao relegar à excomunhão milhões de italianos que votavam no Partido Comunista. Se já então era uma medida arriscada e ineficaz, hoje seria apenas uma surpresa divertida. A religiosidade residual nesta parte do mundo voltou no âmbito que lhe compete, ou seja, in interiore homine.
No cenário um tanto verdadeiro e um tanto falso de Borgo Egnazia, o Papa avança com dificuldade cheio de doenças. Bergoglio não pode impor nada àqueles que representam o poder numa metade do planeta, apenas pode implorar-lhes, de joelhos, por assim dizer, como um antigo peregrino, que façam todo o possível para salvaguardar ou restaurar a paz, que trabalhem para tornar a iminente Inteligência Artificial, um instrumento não de ódio, mas de mais intensa proximidade.
Propósito nobre, fraca esperança.
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Bergoglio no G7. Como um antigo peregrino. Artigo de Corrado Augias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU