15 Mai 2025
Xamã do povo Yanomami fala sobre o impacto das operações de retirada dos garimpeiros do território, mas diz que ainda restam alguns invasores que ‘fogem e depois voltam’. Além disso, afirmou que Lula ‘não está amando a floresta’ com a tentativa de exploração de petróleo na Amazônia.
Dois anos depois da publicação de um decreto de emergência que determinava o combate ao garimpo na Terra Indígena (TI) Yanomami, Davi Kopenawa, xamã do povo Yanomami, explica que há resultados positivos: os rios estão mais limpos, muito garimpeiros foram expulsos e foi criada uma comunicação com o governo federal, que instalou uma base da Casa Civil em Boa Vista.
O processo de desintrusão envolveu o Ibama, a PF, a Casa Civil, a Funai e o MPI. De acordo com o governo, em 2023 e 2024, foram 3.536 ações, 633 só de fiscalização do Ibama, que resultaram na aplicação de R$ 69,1 milhões em multas em 211 autos de infração ambiental.
Nesta entrevista, apesar de tecer elogios ao governo, Kopenawa admite que combater o garimpo na TI Yanomami é muito difícil. Ele denuncia as novas dinâmicas de trabalho dos garimpeiros, que fugiram para a Venezuela e estão concentrados na fronteira com o Brasil. “Onde eles acham ouro, eles voltam. Fogem e depois voltam”, explica.
Kopenawa também conta que, em seus sonhos, foi avisado de que o presidente Lula está sofrendo pressão internacional para incentivar a pesquisa de petróleo na Amazônia. Para o povo Yanomami, os sonhos significam encontros com outros mundos e o contato com seres espirituais. Para um xamã, é um dos momentos em que ele escuta a natureza dando recados e conselhos.
“Ele [Lula] não está amando a floresta, ele só ama o dinheiro. Eu, meu povo Yanomami e Ye’kwana, e outros parentes, Kayapó, Munduruku, Waiwai, Wapichana, Makuxi, Taurepang, nós estamos juntos, pensando juntos, em não aceitar, não aceitar nada’, diz Davi Kopenawa.
A entrevista é de Jullie Pereira, publicada por InfoAmazônia, 14-05-2025.
O governo está cumprindo uma série de desintrusões de terras indígenas e divulgando resultados positivos. Enquanto isso, alguns líderes indígenas já cobraram publicamente que as medidas sejam mais efetivas, inclusive o senhor. Qual o resultado hoje desse trabalho na TI Yanomami?
Os garimpeiros foram entrando de novo no governo do Jair Bolsonaro, e também o presidente da Funai, o ministro da Justiça, e o governador de Roraima, eles eram apoiadores do garimpo ilegal [naquela época]. Então, entrou o número de 70 mil garimpeiros. Foi uma grande estrada e nós, da Hutukara Associação Yanomami, pedimos às autoridades para fazer a retirada dos garimpeiros.
Os garimpeiros são muitos e são muito espertos, eles não ficaram todos juntos. Eles se espalharam logo. Eles entraram de avião, de helicóptero, de voadeira, de barco. Eles têm esses caminhos. E o garimpeiro, ele não entra aos poucos, ele entra com tudo, máquina, gasolina, óleo, comida, bebida alcoólica e arma de fogo.
Eles entraram junto com a internet, tudo que eles precisam, eles são organizados. Antes de entrar, eles vão combinando direito como vão fazer isso.
Então, foi assim. O nosso presidente Lula nos apoiou. Ele apoiou para proteger o povo Yanomami e Ye’kwana, proteger o meio ambiente, nossa água, os peixes e a natureza.
Você considera que ele conseguiu realizar a desintrusão?
Ele foi bom, mas é muito trabalho, é muito trabalho difícil. É difícil para trabalhar, mas ele conseguiu. Ele conseguiu escolher uma pessoa que tinha experiência [o coordenador da operação, Nilton Tubino] e instalar a Casa Civil em Boa Vista. Aí [a coordenação] ficou mais próxima [da TI Yanomami], sim.
E a nossa água, nossos rios que passam na terra Yanomami, melhorou bastante, melhorou muito. Tem quatro rios que passam na terra Yanomami, o Uraricoera já está limpando e o Couto de Magalhães era muito ruim, mas está melhorando.
Ainda tem garimpeiros na Terra Indígena Yanomami?
O grupo foi bom, trabalhou e tirou quase todos [os garimpeiros], mas ficaram outros. Na fronteira do Brasil com a Venezuela, garimpeiros continuam trabalhando escondido. Eles fugiram do Brasil para a Venezuela, porque a Venezuela é perto, eles têm um caminho e tem um garimpo lá. Tem outro rio, que se chama rio Catrimani, que continua sujo, na cabeceira da fronteira da Venezuela do Brasil.
Quando dá assim mais ou menos sete horas [da noite], oito horas, eles [garimpeiros] começam a trabalhar escondidos à noite e atravessam para o Brasil. Eu estou mais preocupado. Eles estão nas cabeceiras das grandes cachoeiras. E os garimpeiros estão acostumados, onde eles acham ouro, eles voltam. Fogem e depois voltam.
Davi, sei que o povo Yanomami tem uma relação muito poderosa com os sonhos. Eu gostaria de saber: hoje, existe algo que te impede de dormir?
Meu povo não dorme direito. Só fica pensando em escutar a zoada de avião, e todo dia tem avião que passa lá e pousa lá na terra Yanomami. E helicóptero também, são muitos helicópteros voando em cima da nossa comunidade, e as zoadas também das máquinas de garimpo, [usadas] para cavar buraco no rio.
Isso aí é preocupante, ninguém dorme direito. Ficamos assustados, pensando que os garimpeiros vão atacar, e é assim que eu estou sentindo há bastante tempo.
Também é preocupante que as nossas famílias pegam doenças como a malária e estão morrendo. Nós choramos. Choramos porque a nossa mulher morreu, e o marido também morreu, a criança morreu. É muito triste o nosso choro Yanomami, quando nossos parentes morrem.
Davi, existe uma grande questão hoje na Amazônia, que é a exploração de Petróleo na Foz do Amazonas. O presidente Lula deseja pesquisar petróleo nessa região. Grandes lideranças indígenas e organizações estão pedindo que ele desista. O senhor quer falar com o presidente sobre isso?
Então, eu sou um sonhador, como o Lula sonha, como exploradores sonham com dinheiro. No meu sonho, a natureza fala para mim, e Lula agora está sim pressionado. Muitas pessoas, muitos grandes empresários, grandes exploradores no Brasil e de fora, e na Alemanha, Estados Unidos, e Canadá, eles são muito fortes, e eles estão pressionando para ele abrir a porta para a exploração.
Então, gente, eu sou contra, eu não vou mudar, eu não vou mudar meu pensamento. Eu vou sempre ficar negando, sempre ficar ao lado do meu povo Yanomami, sempre ficar ao lado da natureza, da terra mãe, não pode, não pode destruir.
Eu sou contra a fala do presidente Lula. Ele é bom, mas, do outro lado, ele só fica pensando na exploração, para pegar mais dinheiro, para destruir mais a nossa floresta amazônica.
Ele não está amando a floresta, ele só ama o dinheiro. Eu, meu povo Yanomami e Ye’kwana, e outros parentes, Kayapó, Munduruku, Waiwai, Wapichana, Makuxi, Taurepang, e outros parentes, nós estamos juntos, pensando juntos, em não aceitar, não aceitar nada.
Essa exploração é fazer um crime contra nosso país, contra o nosso Brasil. Eles estão falando isso, mas nós, nosso povo Yanomami, que já faz muitos anos, milhares e milhares de anos, o povo originário já viveu aqui, muitos anos, eu, os outros, nós somos contra, ninguém aceita.
A exploração não vai trazer benefício bom de nada, só vai dar problema. Traz poluição do rio, mata peixe, mata nossos parentes, mata nossas florestas, mata nossos alimentos e traz mais doenças para matar o meu povo brasileiro originário.
Eu não aceito.
Agora, falando de mudanças climáticas. O senhor já disse algumas vezes que não há remédio para o aquecimento global. Hoje, a Amazônia se prepara para receber um evento global, que é a COP30, como o senhor vê esse espaço de discussão?
Vamos aprender juntos. Ninguém nasceu sabendo. Você aprende e nós aprendemos. A sociedade não indígena sempre vem fazer isso.
A mudança climática não nasceu por si. A mudança climática foi criada através da destruição da Terra. Muitas máquinas estragando a beleza da nossa terra-mãe. A mudança climática não é culpa minha, não é culpa do meu povo, não é culpa do povo indígena brasileiro. É culpa dos estrangeiros, americanos, que vêm fazendo isso.
Então, a poluição é como um vento. Falamos assim, bonitinho, para achar o rastro [do vento], o que que ele vai fazer, onde que ele vai passar, e para trazer benefício bom para o povo originário. Isso aí não vai conseguir, não. O homem branco fala “mudanças climáticas”, eu, Yanomami, falo “vingança da Terra”. [A Terra] está guerreando.
É possível fazer algo?
Vai ter muito problema para a sociedade não indígena que mora na capital, que mora no estado, nas cidades pequenas. Eles vão sofrer lá também.
Muita chuva e muito calor, muita seca e enchente. Eu chamo de vingança da nossa terra-mãe. Eu não posso guerrear mais. A natureza pode guerrear contra a violação do garimpo ilegal, mineração ilegal e a marco temporal ilegal. Então, isso aí os brancos podem resolver. Eu não vou resolver nada porque não é minha culpa e da natureza Yanomami. Nós estamos lutando para proteger.
Agora, o homem branco que está sempre fazendo isso para pegar mais dinheiro, para pegar mais da Terra, pegar mais da floresta. Isso é o que estamos chamando de mudança climática. Isso aí não tem cura, não tem remédio, não tem homem que vai curar, não tem dinheiro para curar a doença que já estragou o nosso pulmão da Terra.