05 Abril 2024
Estudo da Fiocruz mostra que cerca de 300 indígenas examinados em nove aldeias localizadas em Roraima, próximas de garimpos ilegais, apresentaram contaminação por mercúrio.
A reportagem é de César Fraga, publicada por Extra Classe, 04-04-2024.
Uma pesquisa da Fiocruz realizada com cerca de 300 indígenas do povo Yanomami, do subgrupo Ninam, de nove aldeias localizadas em Roraima, mostrou que todos os participantes estão contaminados por mercúrio.
Os níveis mais altos de mercúrio foram detectados em yanomami que vivem nas aldeias localizadas mais próximas aos garimpos ilegais de ouro. Os pesquisadores identificaram a presença do metal pesado em amostras de cabelo da totalidade das pessoas analisadas, incluindo crianças e idosos.
A contaminação por mercúrio pode causar diferentes problemas. A forma orgânica desse metal atinge principalmente o sistema nervoso central. Ou seja, a toxina que entrou no corpo a partir do consumo de pescado contaminado vai se acumulando no cérebro do ser humano, onde provoca lesões.
Nos Yanomami adultos, as lesões cerebrais podem levar à perda de coordenação motora, a problemas de visão e alterações de audição, por exemplo.
Nas mulheres indígenas grávidas os danos podem ser ainda mais graves, com lesões tanto no cérebro da mãe quanto no do bebê. Como o cérebro do feto ainda está em formação, ele é muito mais sensível ao efeito do metilmercúrio do que o cérebro do adulto. Então, as lesões em crianças costumam ser numerosas e mais graves. E, afetam principalmente a parte cognitiva. Como a cognição é justamente a capacidade que temos de processar informações a partir dos estímulos que recebemos. Ou seja, danos que ocorrem nessa área muito cedo, durante o período pré-natal ou nos cinco primeiros anos, podem levar à diminuição do desempenho intelectual ao longo da vida.
E o mercúrio metálico que é inalado pelos próprios garimpeiros também afetam a parte neurológica, em geral, causando problemas sérios nos rins, pois tende a se acumular nesses órgãos. Estudos anteriores da Fiocruz mostraram altos índices de insuficiência renal também nos garimpeiros.
O estudo Impacto do mercúrio em áreas protegidas e povos da floresta na Amazônia: uma abordagem integrada saúde-ambiente, divulgado nesta quarta-feira, foi conduzido pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), em parceria com a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), que contou com o apoio do Instituto Socioambiental (ISA). Os pesquisadores identificaram a presença do metal pesado em amostras de cabelo de cerca de 300 pessoas analisadas, incluindo crianças e idosos.
As coletas foram feitas na região do Alto Rio Mucajaí, em outubro de 2022. O local é alvo do garimpo ilegal há décadas, o que vem causando destruição ambiental, insegurança, violência e prejuízos à saúde dos yanomami. “O garimpo é o maior mal que temos hoje na Terra Yanomami. É necessário e urgente a desintrusão, a saída desses invasores. Se o garimpo permanece, permanece também a contaminação, devastação, doenças como malária e desnutrição e isso é o resultado dessa pesquisa, é a prova concreta!”, enfatiza o vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), Dário Vitório Kopenawa.
“Esse cenário de vulnerabilidade aumenta exponencialmente o risco de adoecimento das crianças que vivem na região e, potencialmente, pode favorecer o surgimento de manifestações clínicas mais severas relacionadas à exposição crônica ao mercúrio, principalmente nos menores de 5 anos”, explica o coordenador do estudo, Paulo Basta, médico e pesquisador da Ensp/Fiocruz.
Das 287 amostras de cabelo examinadas, 84% registraram níveis de contaminação por mercúrio acima de 2,0 µg/g. Já 10,8% ficaram acima de 6,0 µg/g, índice considerado alto, que requer atenção especial e investigação complementar. Nas duas faixas de contaminação, é necessário notificar os casos ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), a fim de se produzir estatísticas oficiais sobre o problema na região.
Os pesquisadores destacam que indígenas com níveis mais elevados de mercúrio apresentaram déficits cognitivos e danos em nervos nas extremidades, como mãos, braços, pés e pernas, com mais frequência. Conforme orienta a Organização Mundial da Saúde (OMS), níveis acima de 6 microgramas de mercúrio por grama de cabelo (μg.g-1 ) podem trazer sérias consequências à saúde, principalmente a grupos vulneráveis. Assim, não há limite seguro para exposição ao Hg.
Além da detecção do mercúrio, a pesquisa fez exames clínicos nos yanomamis para identificar doenças crônicas não transmissíveis, como transtornos nutricionais, anemia, diabetes e hipertensão. Ao cruzar os dados, foi observado que, nos indígenas com pressão alta, os níveis de mercúrio acima de 2,0 µg/g são mais frequentes do que nos indígenas com pressão arterial normal. Também foram realizados testes para estimar a prevalência de doenças infecciosas e parasitárias, incluindo malária e infecções sexualmente transmissíveis (IST) como HIV/Aids, sífilis, e hepatites B e C.
Mais de 80% dos yanomamis que fizeram parte do estudo relataram ter tido malária ao menos uma vez na vida, com uma média de três episódios da doença por indivíduo. Em 11,7% dos indivíduos testados, foi possível identificar casos de malária vivax e falciparum sem manifestações clínicas evidentes, características comuns em áreas de alta transmissão da doença.
Mais de 25% das crianças menores de 11 anos tinham anemia e quase metade apresentaram desnutrição aguda. Além disso, 80% apresentaram déficits de estatura para idade, o que sugere, de acordo com os parâmetros da OMS, um estado de desnutrição crônica.
Outro dado alarmante é referente à cobertura vacinal: na região do estudo, apenas 15,5% das crianças estavam com as vacinas do calendário nacional de imunização em dia.
O estudo também analisou 47 amostras de peixes, 14 de água e sedimentos do rio Mucajaí e afluentes. Todas as amostras de peixes apresentaram algum grau de contaminação por mercúrio, sendo as maiores concentrações detectadas em peixes carnívoros, em espécies muito apreciadas na Amazônia, tais como o mandubé e piranha.
A análise do risco atribuível ao consumo de pescado revelou que a ingestão diária de mercúrio excede em três vezes a dose de referência preconizada pela Agência de Proteção Ambiental do governo estadunidense (U.S.EPA). A análise das amostras de água não revelou contaminação por mercúrio. Por outro lado, duas amostras de sedimentos apresentaram níveis de mercúrio acima do nível 1 da resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que trata do tema.
Os pesquisadores fazem uma série de recomendações com base no cenário encontrado durante os estudos. Como ações emergenciais, mencionam interrupção imediata do garimpo e do uso do mercúrio, desintrusão de invasores e a construção de unidades de saúde em pontos estratégicos da Terra Indígena Yanomami. “Não é a primeira vez que a Fiocruz faz uma pesquisa na Terra Yanomami e que comprova que os nossos parentes estão contaminados pelo mercúrio. Isso é muito grave! As nossas crianças estão nascendo doentes. As mulheres estão doentes, os nossos velhos estão doentes! O nosso povo está morrendo por causa do garimpo”, analisa Dário Kopenawa.
Como ações estruturais, propõem que haja atualização da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (Pnaspi), que seja assegurada a presença regular de profissionais de saúde e que se invista na formação continuada de agentes indígenas de saúde.
Além disso, o estudo também indica como necessárias ações específicas para as populações yanomami expostas e potencialmente expostas ao mercúrio, tais como: rastreamento de comunidades cronicamente expostas ao mercúrio, para a realização de diagnósticos laboratoriais tempestivos a fim de avaliar pessoas com quadros sugestivos de intoxicação por mercúrio já instalados, elaboração de protocolos e rotinas apropriadas para diagnóstico e tratamento de pacientes com quadro de intoxicação por mercúrio estabelecido e criação de um centro de referência para acompanhamento de casos crônicos e/ou com sequelas reconhecidas.
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Yanomami estão contaminados por mercúrio em áreas de garimpo ilegal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU