Junior Hekurari, liderança indígena Yanomami, diz que governo Bolsonaro escondeu dados e que mais de 1200 crianças de seu povo morreram por ano entre 2020 e 2022.
O jovem Junior Hekurari, presidente da Urihi – Associação Yanomami e integrante do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana, foi o palestrante da abertura da edição 2024 do Fórum Internacional do Meio Ambiente, realizada na noite desta terça-feira (12), na PUC. Ferrenho defensor da floresta amazônica e do povo Yanomami, ele fundou a organização Urihi para ajudar seu povo depois de trabalhar como agente de saúde. Ativista, percorre o Brasil denunciando o drama humanitário que assola a Terra Indígena Yanomami, localizada na fronteira do Brasil com a Venezuela, causado pelo garimpo ilegal e o desmatamento da Amazônia.
A entrevista é de Luciano Velleda, publicada por Sul21, 14-03-2024.
De norte a sul do Brasil, os territórios indígenas, de alguma forma, sofrem violência há mais de 500 anos. Se no Sul do Brasil a luta dos povos indígenas tem sido por demarcação de suas terras, no Norte do País, onde existem mais territórios indígenas já demarcados, a luta tem sido pela preservação desses territórios e dos povos indígenas que neles vivem. No caso da Terra Indígena Yanomami, uma tragédia veio à tona ainda no último ano do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Uma situação dramática, com muitas crianças morrendo por desnutrição e envenenamento causado pelo garimpo ilegal que invadiu o território indígena, reconhecido como tal em 1992. Durante seu governo, Bolsonaro nunca escondeu o desejo e a prática de pôr em execução uma política contrária aos direitos indígenas.
Nessa entrevista exclusiva ao Sul21, Hekurari disse ser importante ter falado num evento com grande presença de estudantes de jornalismo para que eles possam, em breve, divulgar à sociedade, ao poder político e público, o que acontece na Terra Indígena Yanomamis, abalada pela violência protagonizada por garimpeiros.
“O papel do jornalista é importante porque ele transmite a nossa voz para a sociedade civil, para as pessoas que estão nas grandes cidades e não sabem o que realmente está acontecendo dentro das terras indígenas, dentro da floresta, porque o Brasil é muito grande”, ponderou.
Para ele, infelizmente, é preciso que a luta, a força e o sofrimento do povo Yanomami tenha visibilidade para as autoridades cumprirem o que está escrito na Constituição Federal no que se refere a proteção da vida e da floresta.
“A floresta é importante não somente para os povos indígenas, é importante para toda sociedade e o mundo. Existem vidas dentro dentro da floresta. Se entrar invasores, crianças morrerão, a água morrerá, a floresta morrerá, então precisamos lutar juntos para proteger as vidas, as águas e a natureza”, conclama.
Júnior Hekurari, presidente da UHIRI. (Foto: Felipe Medeiros | Amazônia Real)
Qual a situação do território Yanomami nesse momento?
O governo Bolsonaro, o próprio ex-presidente, incentivou muito o ódio contra a população indígena. Ele próprio falava que não ia demarcar nenhum centímetro das terras indígenas. Ele incentivou invadir as terras que já estavam demarcadas, por isso nós estamos até agora sofrendo, estamos pagando esse incentivo que o próprio presidente fez com as pessoas que tem mais poder econômico para invadir as terras indígenas. Então esse resultado está chegando, principalmente nas comunidades. É um sofrimento muito grande, mas resistimos, lutamos e não desistimos.
O governo Bolsonaro barbarizou, cortou as instituições que protegiam os povos indígenas, ‘lavou as mãos’, principalmente a Funai, direitos humanos e outras instituições que eram importantes para defender os direitos fundamentais. Então ele infelizmente trancou essas portas para não enxergar esse problema que a gente estava enfrentando nas terras indígenas.
Em 2019, sofremos invasão. Entraram mais de 25 mil garimpeiros que envenenaram até nascentes dos rios. Hoje estamos sem água potável. A natureza trazia água potável, porque nós dependemos da floresta e a floresta foi destruída. O povo Yanomami morreu de contaminação por mercúrio, pela contaminação da água. Quanto tu toma água contaminada é questão de horas para morrer, porque a diarreia para desidratar é questão de horas.
Quem mais sofreu com a invasão do território?
Quem sofreu mais são as pessoas mais vulneráveis, como crianças e idosos. Somos muito fortes, o Yanomami foi preparado para enfrentar os problemas de natureza. Sobrevivemos, gritamos, mas as crianças não resistiram, os idosos, mulheres não resistiram. Perdemos muitas vidas, choramos por elas. A gente está lutando para não acontecer mais.
Qual o resultado das ações do governo federal até agora?
O governo atual está trabalhando muito, mas está longe de resolver porque a situação que o Bolsonaro deixou na terra Yanomami, para consertar, está longe.
Apesar da vontade política do atual governo de resolver o problema, o que é preciso fazer para que os Yanomamis tenham uma solução definitiva pra essa tragédia?
Hoje é o Ibama que atua mais, através do comando da ministra Marina Silva, é o Ibama que expulsou muitos garimpeiros, enfrentou garimpeiros armados atirando contra o pessoal do Ibama. Mas mesmo assim eles não desistiram, lutaram e expulsaram muitos garimpeiros. Só que a invasão é muito ampla, a Terra Indígena Yanomami é muito grande, de difícil acesso. São dois rios principais onde o Ibama fez a instalação de corrente, mas mesmo assim os garimpeiros atacaram a base do Ibama e cortaram todas as correntes.
Eles têm um armamento muito forte, então quem pode enfrentar esses homens armados que estão destruindo a Terra Indígena Yanomami são as forças do Exército. Eles têm mais tecnologia, mais armamentos e mais homens preparados para enfrentar aquelas pessoas. É isso que pedimos. Assim que expulsar os garimpeiros, a gente quer reestruturar o atendimento e instalar bases de proteção estratégicas nas comunidades. Nosso desejo, nosso sonho, é proteger e retomar a Terra Indígena Yanomami.
A gente quer muito voltar a fazer ritual, ver criança subindo na árvore, crianças contando histórias de pássaros. A crianças saudável pode saber mais de 300 tipos de árvores. Então isso a gente quer retomar pra comunidade e também trazer educação para as crianças, reestruturar as nossas comunidades. Hoje as comunidades estão de luto porque muitas crianças morreram.
Quantas crianças Yanomamis morreram nos últimos anos?
A gente tem certeza absoluta que o governo anterior escondeu muito as informações, por isso só foi mostrado que 500 crianças morreram por falta de socorro, por omissão do Estado brasileiro em 2020, 2021 e 2022. Na nossa opinião morreram bem mais. Acreditamos que morreram mais de 1200 crianças por ano. São mortes ainda não contabilizadas, sem certidão de óbito, é assustador porque não tem como contabilizar, não tem investigação, não teve médico para assinar (o óbito). Essas crianças morreram sem a presença do Estado brasileiro.
E entre os adultos também ainda não estão contabilizadas as mortes, mulheres que morreram por violência dos garimpeiros. Essas informações não estão ‘batendo’ com as mortes de 2020, 2021 e 2022. Hoje a força tarefa do governo está investigando, apurando na comunidade, então com esse trabalho a gente vai ter mais resultado para mostrar o que aconteceu com os próprios brasileiros, dentro do Brasil, não aconteceu em outro país da África, aconteceu dentro do território brasileiro. Os povos foram massacrados, envenenados e silenciados. Reconhecemos o trabalho do governo em querer resolver e o próprio governo reconhece que está longe de resolver.
Queremos que o governo trabalhe com transparência, não queremos mais que se esconda nenhuma informação para a sociedade. O outro governo escondeu muito e não chegou ajuda.
Qual tua avaliação sobre o atual papel do Exército no combate aos grileiros? Mudou a postura desde o fim do governo Bolsonaro?
A gente enxergava que o Exército era é uma instituição de segurança para proteger a população. Assim que entrou o governo Bolsonaro, o Exército simplesmente ‘soltou a mão’ da sociedade e, principalmente, a mão dos povos indígenas. Então o Exército não colaborou muito pra proteger a população Yanomami. Era para não deixar os garimpeiros entrarem porque a Terra Indígena Yanomami faz fronteira com a Venezuela, então é obrigação do Exército proteger a linha de fronteira.
Diante do olhar do Exército, nós morremos. Eles só riram da nossa cara. Quem pode enfrentar esse problema do garimpo, quem tem mais recurso e mais preparo, é o Exército, mas perdemos muito a confiança no Exército. Quando a gente tem uma denúncia, diz que tem garimpeiros se aproximando, eles falam que precisam de GLO (decreto de Garantia da Lei e Ordem), que precisam de decreto do presidente, mas eles têm obrigação de policiamento da linha de fronteira, têm poder de polícia para prender em razão do que está acontecendo. Garimpeiro venezuelanos também estão invadindo o território brasileiro, então tem que mostrar essa proteção.
Não só porque somos Yanomami, mas têm que proteger a fronteira. O Exército durante o governo Bolsonaro confundiu muito a política com a segurança, entrou muito na política e não fez o papel de proteção da soberania brasileira, de proteger a Amazônia e os direitos humanos dos brasileiros, como é o papel deles.