26 Abril 2025
"Mas o Papa Francisco propôs uma abordagem diferente. Sem deixar de lado a lei natural, ele lembrou que ela está inscrita, na doutrina católica, dentro de uma hierarquia", escreve Daniele Menozzi, historiador do cristianismo e professor emérito da Normale di Pisa, em artigo publicado por Qn, 24-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Com o falecimento do Papa Francisco, após os primeiros momentos marcados pelo luto por uma figura tão popular, surge inevitavelmente a questão do futuro conclave. Não há dúvida de que dentro da comunidade eclesial coexistem diferentes tendências que, de uma forma muito esquemática e simplificada, podem ser qualificadas como “progressistas” e “conservadoras”. Para exemplificar, a maioria da hierarquia alemã pode ser colocada na primeira tipologia, e uma grande parte da hierarquia estadunidense na segunda. Entretanto, para entender o que está em jogo, é preciso deixar claro que alguns elementos são compartilhados.
Ninguém mais deixa de lado a questão central posta pelo Concílio Vaticano II: para recuperar a capacidade de comunicar o Evangelho às pessoas de hoje, a Igreja deve se atualizar. Não se trata apenas de modernizar estruturas nascidas em uma época passada, mas, acima de tudo, de reformular sua mensagem. Sem alterar a substância, deve se tornar compreensível e atrativa para os contemporâneos. O problema surge quando se trata de escolher a modalidade de atualização. Os dois antecessores imediatos de Francisco apostaram na ideia de que era necessário incorporar alguns valores do mundo moderno (por exemplo, o direito à liberdade religiosa), mas, ao mesmo tempo, era necessário pôr um freio às reivindicações de autonomia do sujeito. A lei natural - da qual a autoridade eclesiástica era guardiã e intérprete - representava o ponto de referência, válido para todos, sempre e em qualquer lugar. Todo ordenamento público tinha de estar em conformidade com ela. Os “valores não negociáveis” constituíam a tradução dessa linha no plano político. A Igreja Italiana, na chamada era de Ruini, foi sua rigorosa executora.
Mas o Papa Francisco propôs uma abordagem diferente. Sem deixar de lado a lei natural, ele lembrou que ela está inscrita, na doutrina católica, dentro de uma hierarquia. Em seu topo está o Evangelho. Identificando seu núcleo na misericórdia - da qual a figura do Bom Samaritano é a representação ideal - indicou o cuidado às feridas humanas, onde quer que a dignidade seja violada, como a maneira pela qual a Igreja mostra sua capacidade de transmitir seu anúncio ao mundo moderno.
Pode-se, portanto, presumir que a eleição de um papa orientado para dar continuidade à direção de Bergoglio continuará e provavelmente aprofundará o processo que ele iniciou. Nesse caso, perfila-se uma Igreja cada vez mais “hospital de campanha”, cujos membros mergulham na dolorosa história do tempo presente, confiando à força de um testemunho de fraternidade, esperança e paz a possibilidade de recuperar o diálogo entre o cristianismo e o mundo.
Por outro lado, se o conclave convergir em uma figura determinada a retornar à modalidade anterior de implementação do Concílio Vaticano II, a Igreja assumiria uma face diferente. Ela indicaria no retorno a um regime modernizado de cristandade - ou seja, um arranjo de convivência civil no qual a autoridade eclesiástica quer ditar algumas normas fundamentais de convivência civil (em questões sexuais, matrimoniais e bioéticas) - como o caminho para um apostolado eficaz entre as pessoas de hoje. É claro que também se pode supor uma terceira via: um papa que, com cautela, continue a implementar os processos iniciados por Francisco, deixando para seu sucessor a tarefa de ver até onde ir.