15 Abril 2025
“Em momentos críticos como o atual, podemos nos perguntar o que devemos proteger em meio ao caos sistêmico, à violência e aos desastres naturais. A questão não é puramente especulativa, pois vimos que em naufrágios ou quedas de avião, as pessoas muitas vezes tentam salvar objetos de prestígio ou valores, como dinheiro ou coisas semelhantes que consideram essenciais. É o modo capitalista de pensar e agir, de estabelecer prioridades e hierarquias”. A reflexão é de Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por Desinformémonos, 14-04-2025. A tradução é do Cepat.
A onda de tarifas impostas pelo governo de Donald Trump nos mergulha em um mundo que se desconhecia há pelo menos um século, mas, acima de tudo, acelera a tempestade sistêmica contra os povos do mundo, apagando as fronteiras nacionais e mantendo as de classe, cor da pele, gênero e geração. Em suma, a guerra dos de cima contra os de baixo.
O EZLN vem falando da tempestade há mais de uma década, explicando o que ela é e quem afetará, mas também destacando a necessidade de organizar e construir espaços e territórios “arcas” para sobreviver coletivamente. Portanto, não devemos nos surpreender que a tempestade já esteja sobre nós, e menos ainda pensar que ela afetará os outros, mas não os nossos.
É evidente que para aqueles que estão em baixo não há salvação individual, como há para aqueles que estão no topo, que têm recursos suficientes e construíram seus outros mundos em ilhas remotas ou montanhas inacessíveis, refúgios dourados com água abundante, comida de qualidade e pessoal armado para cuidar deles. Falamos sobre tudo isso na década que nos separa do seminário “Pensamento Crítico diante da Hidra Capitalista”, realizado em maio de 2015, há dez anos.
Em momentos críticos como o atual, podemos nos perguntar o que devemos proteger em meio ao caos sistêmico, à violência e aos desastres naturais. A questão não é puramente especulativa, pois vimos que em naufrágios ou quedas de avião, as pessoas muitas vezes tentam salvar objetos de prestígio ou valores, como dinheiro ou coisas semelhantes que consideram essenciais. É o modo capitalista de pensar e agir, de estabelecer prioridades e hierarquias.
Como comunidades e coletivos, corremos o risco de perder a terra e os espaços que recuperamos, tudo o que construímos com tanto esforço – nossas casas, escolas e clínicas –, seja porque os governos, seus paramilitares e traficantes de drogas os destroem e ocupam, ou porque a Mãe Terra, em sua furiosa reação à agressão, desencadeia furacões e inundações devastadores. É por isso que a história dos vários submundos é repleta de êxodos, marchas coletivas em busca de novas terras para evitar monstros e tempestades.
Não podemos perder os seres humanos, as comunidades e os grupos que formamos, o vínculo coletivo, porque as coisas materiais podem ser reparadas ou reconstruídas se continuarmos a viver juntos. Não é a propriedade da terra que a torna comum, mas os trabalhos coletivos (mingas, tequios) realizados por pessoas organizadas em um determinado espaço/território. Acredito que essa seja a chave para o bem comum e que sua essência seja o trabalho comunitário compartilhado, que pode salvar vidas mesmo durante uma tempestade.
Porque o que está se desintegrando, mesmo em nossos corpos, é muito mais do que um governo, um líder ou uma nação. Se o sistema-mundo está colapsando, toda uma civilização capitalista, patriarcal e colonial está se desintegrando, incapaz de suportar a combinação de pressões vindas de baixo e a ganância impaciente e sem fim dos de cima. A tempestade, como o EZLN sugere repetidamente, não é o desaparecimento do planeta Terra ou dos seres humanos que o habitam, mas uma mutação profunda que provocará o fim do mundo como o conhecemos.
Os poderosos estão destruindo tudo para preservar seu poder e suas riquezas, abrindo caminho para um sistema que pode ser diferente do capitalismo, mas certamente mais hierárquico e despótico, onde os povos serão escravizados pelos poderosos. Este futuro em desenvolvimento é muito mais do que a guerra comercial ou material entre os EUA e a China; é outra coisa que às vezes temos dificuldade de entender, porque estamos no fim de um longo período da história em que havia um certo equilíbrio entre os seres humanos e a natureza, certos direitos que o Estado-nação respeitava, mesmo que apenas para domesticar as rebeliões.
Eles vêm por causa das nossas terras, querem nos eliminar como povos e como setores sociais, transformar-nos em meros consumidores para continuar acumulando. Nossa resistência é evitar isso de maneira coletiva. Para isso, precisamos salvar o coletivo, muito antes das coisas materiais que nos cercam.
E mais uma coisa: salvar-nos, para os de baixo, só é possível juntos, com os outros, para que, quando nada mais estiver de pé, possamos seguir em frente, seguindo os passos dos nossos antepassados para reconstruir um planeta para todos e todas.