13 Fevereiro 2025
Pilhagem, violência, assassinatos: a insegurança e a tensão não param de aumentar no leste da República Democrática do Congo (RDC). Com o movimento rebelde tutsi conhecido como M23 – apoiado pelas forças ruandesas – a continuar a avançar rumo à capital, Kinshasa, “a população está a sofrer, sem ter para onde fugir e com muito medo do que ainda irá acontecer”, conta ao 7Margens o missionário comboniano Lwanga Kakule, a partir daquela cidade. Mas no meio deste cenário aterrador, há algo positivo, revela o religioso: “a Igreja Católica uniu-se à Igreja Protestante para procurar soluções e apresentar propostas aos políticos para que não haja mais sangue”. E essa união parece estar a dar frutos.
A reportagem é de Clara Raimundo, publicada por 7 Margens, 11-02-2025.
“Têm sido organizadas orações conjuntas, tem-se rezado muito, em todas as paróquias… mas o papel da Igreja não é só chorar com os que sofrem, ou rezar e rezar… A Igreja tem tomado iniciativas concretas. Ainda na semana que passou, alguns membros da Conferência Episcopal do Congo foram encontrar-se com o Presidente [Félix Tshisekedi] para apresentar algumas propostas. Não sabemos detalhes sobre estas propostas, mas sabemos que o objetivo é buscar uma solução pacífica, conseguir estabelecer diálogo entre os congoleses e aqueles que são considerados inimigos. Esperamos que as negociações que estão a acontecer, também com o apoio das Igrejas, tragam a paz ao nosso país”, sublinha o missionário.
Em declarações aos jornalistas no final dessa reunião, que incluiu também líderes protestantes, o cardeal Fridolin Ambongo Besungu assegurou à população que não está sozinha: “Nós, como pastores, ao assumirmos a nossa responsabilidade de irmos em busca de soluções, queremos primeiro expressar a nossa compaixão, a nossa proximidade e também a nossa solidariedade com os nossos irmãos e irmãs afetados por esta situação”, disse o arcebispo de Kinshasa e presidente do Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagascar (Secam), citado pelo jornal The Tablet. “Vocês estão sempre no centro das nossas orações, das nossas preocupações. (…) Assumimos a nossa responsabilidade de ver como encontrar uma solução juntos”, afirmou.
Paralelamente, numa declaração de 3 de fevereiro, assinada pelo presidente da Conferência Episcopal do Congo (CENCO), arcebispo Fulgence Muteba Mugalu, os bispos congoleses expressaram “grande tristeza” pela deterioração da situação de segurança nas províncias orientais de Kivu do Norte e Kivu do Sul e sublinharam o seu apoio ao “Pacto Social pela Paz e Convivência na RDC e nos Grandes Lagos”, criado em colaboração com a Igreja de Cristo no Congo (ECC), uma união de 62 denominações protestantes. O pacto apresenta um possível caminho para a paz na região dos Grandes Lagos de África.
Já neste sábado, 8 de fevereiro, uma cimeira de emergência reuniu os líderes da Comunidade da África Oriental (EAC), e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) em Dar es Salam (Tanzânia), e terminou com um apelo unânime a um “cessar-fogo imediato e incondicional” e ao fim das hostilidades no leste congolês, com os líderes políticos dos diferentes países a pedir concretamente a reabertura do Aeroporto de Goma e das principais rotas de abastecimento para permitir a entrega de ajuda humanitária, bem como a repatriação de soldados falecidos e a evacuação dos feridos.
No entanto, “ainda estamos à espera que tudo isto se realize”, afirma ao 7Margens o irmão Lwanda Kakule, para quem “o fim das hostilidades será certamente um processo lento”.
Nascido na RDC, na cidade de Butembo (região do Kivu do Norte), o missionário comboniano de 42 anos vive há cinco em Kinshasa, onde trabalha como jornalista para a revista Afriquespoir. E considera que os média têm também um papel relevante a desempenhar na resolução do conflito: “É muito importante dar informações exatas e mostrar que este é mais um caso em que os confrontos acontecem entre africanos, mas em que se trata de uma realidade criada a partir do Ocidente”.
“É preciso perceber quem está por trás do M23”, insiste o missionário. “Creio que é desde o Ocidente que se estão a ‘puxar todos os cordéis’ e o Ruanda é apenas o país que dá a cara”. Lembrando que “as províncias do Kivu do Norte e do Sul são províncias muito ricas, com muitos minerais estratégicos”, o jornalista não duvida de que “há uma rede internacional em torno dos conflitos” que ali decorrem. Uma das substâncias mais valorizadas é o coltan, um minério do qual são extraídos o tântalo e o nióbio, os quais, por sua vez, são componentes essenciais dos smartphones e outros dispositivos de alta tecnologia.
Assim, “os média precisam de mostrar que África não é um continente pobre, é um continente empobrecido, o que é diferente. Ou seja, a pobreza de África deve-se ao facto de ter sido saqueada ao longo de décadas… e continuar a ser saqueada”, defende. E recorda que “o Papa, quando veio ao Congo, disse isso mesmo, dirigindo-se ao Ocidente em geral: ‘Tirem as mãos de África!’. Foi isto que ele denunciou”.
Atualmente, “teme-se o pior” porque os rebeldes tomaram Goma, a capital do Kivu do Norte, “onde há dois anos, devido a este mesmo conflito, já se haviam refugiado muitas pessoas”. E agora estas pessoas “não têm para onde fugir, com as estradas bloqueadas e o aeroporto encerrado”, assinala o missionário.
Com uma população estimada em cerca de dois milhões de pessoas, incluindo cerca de um milhão de deslocados pelo conflito, Goma tem neste momento centenas de milhares de pessoas a precisar de assistência urgente, alerta por seu lado Bernard Balibuno, diretor nacional da CAFOD, a agência humanitária da Igreja Católica em Inglaterra e no País de Gales.
Balibuno confirmou ao Vatican News que a cidade é atualmente administrada pelos rebeldes e enfatizou a necessidade de uma maior atenção da comunidade internacional. “Esta guerra foi ofuscada por conflitos no Oriente Médio e na Ucrânia, mas perdemos mais de dez milhões de pessoas em anos de violência”, sublinhou, acrescentando que “3.000 pessoas foram mortas só nos últimos dias”.
“Precisamos de orações, apoio e consciencialização. A comunidade internacional não deve esquecer o povo do leste da RDC. Esta foi uma crise esquecida, mas o sofrimento aqui é imenso”, insistiu Balibuno. “Os dez milhões de vidas perdidas não são apenas números. São almas humanas, famílias despedaçadas. É hora de o mundo tomar nota e agir”, apelou.
Na homilia que proferiu este domingo, o arcebispo de Kinshasa insistiu por seu lado na importância de implementar as conclusões da cimeira de Dar es Salam o mais rapidamente possível. Caso contrário, alertou, a RDC corre o risco de se desintegrar. “Todos devem concordar em sentar-se à mesma mesa e resolver as suas diferenças por meio do diálogo, seguindo a tradição africana de discussão”, Para o cardeal Ambongo, não restam dúvidas: “Diálogo é a palavra sagrada, o termo-chave que pode ajudar-nos a sair da nossa situação atual. Encontraremos soluções para nossas crises de décadas por meio do diálogo, mesmo com aqueles que consideramos nossos inimigos. (…) Se queremos salvar o nosso país, não percamos mais tempo”.