07 Janeiro 2025
"Esta é apenas uma lista parcial de contratempos. Muitos atraíram um pouco de cobertura quando ocorreram, outros não, mas poucos observadores ligaram os pontos para apresentar o quadro geral", escreve John L. Allen Jr, editor do Crux, especializado na cobertura do Vaticano e da Igreja Católica, em artigo publicado por Crux, 29-12-2024.
Roma – No final do ano, é prática jornalística padrão relembrar as histórias mais importantes dos últimos 12 meses. Como muitas pessoas já fazem isso no Vaticano, decidi há muito tempo ir em outra direção, oferecendo uma lista das histórias do Vaticano menos cobertas do ano.
Com isso, quero dizer histórias que eram importantes, mas que, por uma razão ou outra, não geraram muito buzz, nem na grande mídia nem na imprensa católica especializada. Não é que elas não tenham sido cobertas, simplesmente que o volume de cobertura não foi proporcional aos méritos inerentes da história.
Então, vamos começar.
Um julgamento do Vaticano sobre suposto abuso sexual no Pré-Seminário de São Pio X, então localizado em terrenos do Vaticano, teve o infortúnio de se desenrolar quase na mesma época do "Julgamento do Século", que girava em torno de acusações de crime financeiro contra um Príncipe da Igreja, o Cardeal italiano Angelo Becciu, e outros nove réus.
Há um limite no tempo de transmissão ou colunas que os meios de comunicação vão dedicar aos julgamentos do Vaticano, e aquele envolvendo um cardeal no banco dos réus estava destinado a ser o claro vencedor.
No entanto, o fato de que em janeiro de 2024, em apelação, o padre Gabriele Martinelli, um padre de 32 anos da cidade de Como, no norte da Itália, se tornou o primeiro clérigo condenado por um tribunal papal por abuso sexual cometido em terras do Vaticano é significativo por si só. Que a condenação envolveu abuso cometido quando o próprio Martinelli era seminarista, contra um colega seminarista (embora mais jovem), faz com que seja um precedente.
Para pontos de bônus, também levanta questões sobre o papel do cardeal Oscar Cantoni, o bispo de Como, a diocese que patrocinou o pré-seminário. Cantoni ordenou Martinelli em 2016, apesar do fato de que as alegações contra ele já estavam no ar.
A primeira vez em 2024 que o Papa Francisco usou o termo frociaggine, uma gíria italiana que significa aproximadamente "bicha", certamente não foi pouco divulgado: criou uma sensação global, com a conclusão básica de que um pontífice envelhecido e falante não nativo de italiano simplesmente cometeu um deslize da língua. A conclusão da mídia pareceu ser que o papa de "Quem sou eu para julgar?" certamente não usaria um termo visto como pejorativo para gays de propósito.
A segunda vez que o Papa Francisco usou o termo, apenas um mês depois, não gerou a mesma atenção, pela simples razão de que contradizia a narrativa da primeira vez: obviamente, Francisco sabia muito bem o que o termo significava, e empregá-lo pela segunda vez em público prova que não foi um acidente.
Resumindo: este papa claramente acredita que há um elemento gay prejudicial à cultura clerical, por mais que essa afirmação possa contradizer sua reputação geralmente liberal (e, portanto, atrair menos cobertura do que merece).
A lei do Vaticano não permite greves de trabalhadores, e entende-se o porquê. Os italianos amam suas scioperi, ou “greves”, tanto que os jornais realmente publicam colunas notando quem está em greve hoje. No entanto, se greves fossem permitidas no quintal do papa, 2024 poderia ter estabelecido um novo recorde.
A Associazione Dipendenti Laici Vaticano, ou "Associação dos Empregados Leigos do Vaticano", que é o mais próximo de um sindicato que o local tem, emitiu uma série de comunicados cada vez mais lamentosos e alarmistas ao longo do ano, alertando que "reforma financeira" é um código para tentar equilibrar orçamentos às custas de trabalhadores que já suportaram congelamentos de contratações que significam que todos têm que trabalhar mais e por mais tempo, suspensões de aumentos salariais com base na antiguidade, suspensão de pagamento de horas extras, aumentos no aluguel de seus apartamentos no Vaticano e avisos de que suas pensões podem não estar lá quando se aposentarem.
Numa grande ironia, enquanto os participantes do Sínodo dos Bispos sobre Sinodalidade exaltavam o diálogo e a inclusão, os trabalhadores que arrumavam suas mesas, fotocopiavam seus documentos, faziam seu café e pãezinhos e varriam a sujeira deles, não conseguiam nem mesmo que os superiores do Vaticano reconhecessem sua existência, muito menos tivessem uma conversa séria.
Se o papa quer que a reforma funcione, abrir um diálogo com sua própria força de trabalho provavelmente é uma boa ideia.
Em 2024, uma acusação criminal foi apresentada em um tribunal peruano contra o monsenhor espanhol Jordi Bertomeu por dois indivíduos que foram testemunhas em uma investigação do Vaticano sobre o Sodalitium Christianae Vitae, um inquérito que Bertomeu estava no país para ajudar a liderar.
Os dois indivíduos também entraram com uma queixa canônica contra Bertomeu em um tribunal do Vaticano, o que é um assunto diferente. Em ambos os casos, a acusação é de que ele violou a confidencialidade deles ao vazar suas identidades e detalhes de seus testemunhos, alegações que foram contestadas por vários outros observadores.
O fato de a acusação criminal no Peru não ter sido imediatamente rejeitada, mas em vez disso estar aparentemente sob consideração do Procurador Geral peruano, é surpreendente e sem precedentes. (Francamente, também é surpreendente que cidadãos comuns no Peru possam apresentar acusações criminais, mas esse é um tópico para outro dia.)
O Vaticano é uma entidade soberana sob lei intencional, então seus oficiais merecem proteção diplomática – seja pessoal, no caso de funcionários da embaixada, ou baseada em conduta, para outros funcionários em um país estrangeiro em negócios oficiais. Além disso, a Igreja Católica também é uma organização religiosa, então interferir na maneira como sua liderança conduz os assuntos internos da igreja é uma violação óbvia da liberdade religiosa.
Além dessas preocupações, permitir que cidadãos particulares apresentem queixas criminais contra investigadores do Vaticano também prejudicaria a capacidade da Santa Sé de investigar queixas de abuso ao redor do mundo, em um momento em que praticamente todo mundo exige que o Vaticano aja de forma decisiva para entregar justiça rápida e segura.
Seja qual for a decisão deste caso, ele criará um precedente de enormes consequências, e o fato de ter atraído tão pouca atenção é, francamente, surpreendente.
O ano de 2024 começou com o rabino-chefe de Roma, Riccardo Di Segni, usando um discurso de 17 de janeiro na Universidade Gregoriana administrada pelos jesuítas para denunciar o que ele chamou de "teologia regressiva e substancial incompreensão da situação" pelo Vaticano desde a invasão de Gaza pelo Hamas em 7 de outubro de 2023, reclamando de "uma confusão de declarações políticas e religiosas que nos deixaram confusos e ofendidos". Di Segni disse que tudo isso resultou em "muitos passos para trás" no diálogo judaico-católico.
O ano terminou com três vinhetas distintas.
Primeiro, em 7 de dezembro, imagens circularam do Papa Francisco olhando para um presépio no Salão de Audiências Paulo VI com o menino Jesus descansando em um keffiyeh xadrez preto e branco, um símbolo-chave da resistência palestina. Naturalmente, o quadro irritou os círculos israelenses e judeus.
Segundo, em 22 de dezembro, o Papa Francisco abriu seu discurso anual à Cúria Romana com comentários improvisados sobre Gaza, alegando que o Patriarca de Rito Latino de Jerusalém, Cardeal Pierbattista Pizzaballa, havia sido impedido de entrar pelas autoridades israelenses. A Embaixada de Israel na Santa Sé emitiu uma negação imediata, e no dia seguinte a delegação de Pizzaballa entrou em Gaza conforme planejado.
Terceiro, também naqueles comentários de 22 de dezembro, Francisco se referiu aos ataques aéreos israelenses que atingiram crianças como "cruéis". O Ministério das Relações Exteriores de Israel respondeu imediatamente: "Crueldade é terroristas se escondendo atrás de crianças enquanto tentam assassinar crianças israelenses; crueldade é manter 100 reféns por 442 dias, incluindo um bebê e crianças, por terroristas e abusar deles", acrescentando: "Chega de padrões duplos e de destacar o estado judeu e seu povo".
Relatos na mídia israelense também sugerem que o governo convocou o embaixador papal para um protesto formal.
Entre esses suportes, 2024 viu um grupo de acadêmicos judeus escreverem ao pontífice para pedir que ele fizesse mais para mostrar simpatia pelo sofrimento de Israel como resultado do dia 7 de outubro; um cardeal italiano elogiando um rapper ítalo-tunisino que gritou "Parem o Genocídio!" durante o festival anual de música mais popular da Itália; o principal diplomata do papa chamando a resposta militar israelense ao dia 7 de outubro de "desproporcional"; e um ensaio no L'Osservatore Romano argumentando que o antissemitismo tem sido uma maldição não apenas para os judeus, mas também para os palestinos, porque foi o legado do Holocausto que preparou o cenário para a partição, a guerra de 1948 e o exílio palestino.
Essa, a propósito, é apenas uma lista parcial de contratempos. Muitos atraíram um pouco de cobertura quando ocorreram, outros não, mas poucos observadores ligaram os pontos para apresentar o quadro geral: no geral, 2024 foi provavelmente o ano mais difícil para as relações católico-judaicas desde que o Vaticano e Israel lançaram relações diplomáticas plenas em 1993.
Depois de Nostrae Aetate em 1965, juntamente com a visita decisiva de São João Paulo II ao Muro das Lamentações em Jerusalém em 2000, foi dado como certo que a amizade judaico-católica é para sempre. Este é talvez o primeiro ano no último quarto de século que fez com que especialistas de ambos os lados questionassem essa suposição.
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As cinco principais histórias pouco divulgadas do Vaticano em 2024. Artigo de John L. Allen Jr - Instituto Humanitas Unisinos - IHU