04 Novembro 2024
"O curso da guerra em andamento no Oriente Médio não permite imaginar uma mudança rápida. Nunca se deve fazer previsões, especialmente no Oriente Médio, sobretudo na véspera de uma eleição americana com um Presidente que não está concorrendo à reeleição", escreve Riccardo Cristiano, jornalista italiano, em artigo publicado por Settimana News, 01-11-2024.
Fala-se em tantas partes do mundo todos os dias, a cada hora, de guerra, de vingança, de ataque e contra-ataque, de represália; raramente se usa a palavra violência. Talvez porque o grande antropólogo francês René Girard estivesse certo ao defini-la como “mimética”, já que, para ele, as relações humanas são essencialmente relações de imitação.
Se este é o discurso teórico evocado por alguns nos últimos dias, na realidade se percebe uma desconfiança tão grande em relação a muitos governantes e à política mundial, que faz surgir um novo fatalismo, com o desejo prioritário de acabar com tudo.
Esses observadores, ampliando o olhar no espaço e no tempo, nestas horas lembraram dos dias da vitória do Brexit; enquanto todos sabiam que seria fatal para quem a promovia, eles decidiram fazer, com um voto que chamam de fatalista.
Seguindo o mesmo raciocínio, consideram que o extremismo populista de hoje segue impulsos semelhantes, desejando acabar com tudo, talvez para sempre, na plena desconfiança em relação à política. E a desconfiança na política se manifesta em diferentes partes do mundo de formas diversas. Explicam-se assim, no mundo árabe, as partes opostas que aplaudem as bombas contra o Hezbollah, odiado por alguns, ou aquelas contra Israel, odiado por muitos outros? É a urgência impossível de pôr fim a tudo?
Observemos por um momento os últimos acontecimentos, que parecem indicar a guerra como uma pulsão que nasce da desconfiança definitiva na política e que leva à identificação com o único objetivo admissível: pôr fim a tudo.
Já anos atrás, o acadêmico libanês Antoine Courban alertava que o risco global é profundo: “seria a batalha noturna perpétua entre Jacó e o Anjo no Livro do Gênesis, uma batalha entre representações mentais de Deus e do homem. É uma guerra infinita de imagens e virtualidades, uma guerra infinitamente moderna. Nosso mundo colocou no sótão os corpos intermediários que, em outros tempos, eram capazes de amortecer o choque de um confronto desse tipo. Agora que não há mais terceiros, as energias insuspeitadas da psique humana podem finalmente ter livre curso. Paz perpétua ou horror metafísico?”
Um exemplo. O curso da guerra em andamento no Oriente Médio não permite imaginar uma mudança rápida. Nunca se deve fazer previsões, especialmente no Oriente Médio, sobretudo na véspera de uma eleição americana com um Presidente que não está concorrendo à reeleição. Mas a impressão, que talvez será desmentida nas próximas horas, é que a diplomacia americana salta como uma bolinha que não sabe parar entre um cessar-fogo e outro, em Gaza ou no Líbano, sem determinar nem um nem outro. Depois virá, como última palavra, o “time out”?
Enquanto se fala de uma orientação iraniana para que as milícias ataquem Israel, Netanyahu, escrevem alguns, veria na possível eleição de Donald Trump a esperança de um aval para o ataque contra as centrais nucleares iranianas.
O candidato Trump, dias atrás, disse ser favorável. Como presidente eleito, ainda o seria? Enquanto isso, ele teria alertado que, para a sua posse, se eleito, espera que a palavra final sobre a guerra de Gaza já tenha sido pronunciada. Talvez, coerentemente com a possibilidade de uma data limite, os dolorosos eventos que se acumulam na faixa de Gaza aparecem a alguns como ocorridos antes do “time out”.
Mas, enquanto isso, o “time out” se deslocaria das eleições para a posse: poderia se recuperar a confiança na política?
Quem opta claramente pelo fatalismo é o jornalista anglo-libanês Mohammad Chebbaro, que, em seu mundo, vê essa postura emergir do sentimento de impotência diante de Gaza, Líbano, Síria, Iêmen, Iraque, Sudão, intermináveis cenários de destruição.
“Isso também reflete uma tendência mundial de mal-estar geral que beira uma pulsão fatalista, que pede o fim de tudo. Os líderes e as instituições confiam cada vez menos, enquanto a confiança das pessoas em seus sistemas de governo despenca ainda mais. Isso está até mesmo levando a uma perda de confiança na ética compartilhada da santidade da vida humana e nas conquistas históricas comuns, ancoradas na busca pela paz e felicidade”.
A espera de que o árbitro declare o “time out” torna-se então uma não espera, porque não se tem confiança no árbitro? Não há árbitro, não haverá verdadeiro “time out”, há apenas uma reprodução infinita da guerra, um drama insuportável que gera uma mistura de desconfiança e de entrega à última violência.
Essa violência aparece então como a palavra realmente removida, por todos. E, de fato, fala-se de guerra, de vingança, de ataque e contra-ataque, mas não se usa a palavra violência.
O exemplo que Girard deu foi justamente o 11 de setembro: “Quando li os primeiros documentos de Bin Laden e encontrei suas referências às bombas americanas lançadas no Japão, de repente percebi que o nível de referência é o planeta inteiro, muito além do Islã. Sob o rótulo do Islã, há uma vontade de conectar e mobilizar todo um terceiro mundo de frustrados e de vítimas em suas relações de rivalidade mimética com o Ocidente. Mas nas Torres destruídas trabalhavam tanto estrangeiros quanto americanos. E pela eficiência, pela sofisticação dos meios empregados, pelo conhecimento que tinham dos Estados Unidos, os autores dos atentados não eram também um pouco americanos? Estamos em pleno mimetismo”.
Portanto, a palavra violência poderia impor a consideração da necessidade de uma não violência radical. Mas o que é a não violência na realidade? Deixar o agredido ser massacrado? Talvez a reflexão correta seja aquela proposta pelo papa Francisco sobre a “não violência ativa”, que deveria considerar sobretudo — ou também — a forma como se olha para o outro, o inimigo. Esse talvez seja um ponto a ser considerado com maior atenção.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Violência, a palavra removida. Artigo de Riccardo Cristiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU