26 Outubro 2024
"A consequência disso – que se desenha na ansiosa possibilidade de um golpe de Estado – é que o futuro da prometida mudança social e política não está garantido", escreve Francisco Cortés Rodas, professor do Instituto de Filosofia da Universidad de Antioquia, em artigo publicado por La Silla Vacía, 21-10-2024.
Estávamos em Valparaíso, cidade cheia de simbolismo no imaginário social e político chileno, para a qual Pablo Neruda e Violeta Parra compuseram e cantaram tantas vezes. Lá, mais de 100 filósofos e cientistas sociais participaram do XVIII Simpósio da Associação Ibero-Americana de Filosofia Política (AIFP) sobre o tema: "O desenvolvimento de políticas antidemocráticas na Ibero-América".
O problema central que emergiu das discussões foi o do cerco à democracia como consequência da ascensão progressiva de novos autoritarismos. Trata-se de um problema global que tem um elemento comum nas diferentes democracias nacionais: a emergência de uma "direita que se posiciona à direita da direita convencional".
Natascha Strobl fala de um conservadorismo radicalizado para mostrar como na Alemanha, Áustria, Itália, Espanha, Estados Unidos, etc., a reação fascista do início do século XX contra a esquerda e o liberalismo se repete, em novas formas. Os fascistas queriam destruir o mundo burguês e liberal que odiavam, entre outras coisas porque detestavam a emancipação social e a criação de condições de bem-estar social para todos – simbolizadas pela República de Weimar – que afetavam os interesses dos mais ricos.
Eles agiram, então, como Carl Schmitt, Oswald Spengler e Ernst Jünger propuseram, contra a democracia e o parlamentarismo. "Eles não se viam como perdedores da modernização, mas como protetores espirituais dos interesses das classes proprietárias que queriam manter as massas privadas de propriedade e poder à distância" (Strobl).
Na América Latina, também é uma virada hoje que podemos chamar de neofascista, como propõe Enzo Traverso. A nova direita (Javier Milei, Jair Bolsonaro, José Antonio Kast, Nayib Bukele, José Raúl Mulino, Daniel Noboa e Álvaro Uribe & Associados) que se posiciona no âmbito da ultradireita, propõe a maquinação de uma sociedade diferente. Uma sociedade mais autoritária, mais crua e fria, que toma emprestadas as ideias e estratégias da direita neofascista em nível global.
No caso do Chile, a figura destacada dessa nova direita é José Antonio Kast, que não apenas difere da direita convencional, mas baseia sua ideologia política na destruição do mundo da centro-esquerda. Ele é o herdeiro direto da tradição militarista representada por Pinochet. O Partido Republicano de Kast tem três atributos ideológicos do populismo de direita: autoritarismo, nativismo e populismo. (Rovira Kaltwasser, 2023).
Sob o autoritarismo, ele defende políticas de "mão de ferro" para enfrentar a questão social, mobilizações e explosões sociais. Com o nativismo, ele propõe uma espécie de nacionalismo xenófobo por meio do qual propôs a construção de uma vala no norte do país para impedir a imigração: ele também rejeitou a ideia de um conceito plurinacional que permitiria a existência do povo mapuche como sua própria comunidade. E usa a própria oposição do populismo entre "pessoas puras" versus "elite corrupta" para atacar o governo de Gabriel Boric por seu suposto desvio de fundos no nível do governo e por adotar posições que são vistas como moralmente indecentes.
Na Argentina, Milei colocou em prática medidas semelhantes para reativar as lógicas fascistas sob as quais as ditaduras agiram, e que agora estão misturadas com as formas modernas de autoritarismo. Milei, com base em sua visão complicada da liberdade "libertária", busca um estado com muito pouca intervenção estatal, que favorece alguns em detrimento da maioria. Ele se concentrou na destruição da educação pública. Capitalizou o descontentamento social gerado pelo fracasso econômico dos governos anteriores, mas suas políticas tendem a reforçar dinâmicas de exclusão e concentração de poder para os mais ricos.
Na Colômbia, a explosão social de 2021, em resposta a uma proposta de reforma tributária promovida pelo governo do presidente Iván Duque, levou a uma grande mobilização política e social que abrangeu uma ampla gama de demandas sociais e econômicas, incluindo descontentamento com a desigualdade, violência policial, corrupção e falta de acesso a serviços essenciais como saúde e educação.
Os protestos foram em grande parte pacíficos, mas foram marcados por confrontos com a polícia. Organizações de direitos humanos apontaram o uso excessivo da força pelo Esquadrão Móvel Antimotim (ESMAD) e outras forças policiais. Aproximadamente 80 pessoas morreram durante os protestos, a grande maioria das quais eram civis, e 28 pessoas tiveram perda ocular e perda total da visão.
Essas e outras lutas sociais e as respostas excessivamente violentas do Estado foram decisivas para produzir o enfraquecimento do uribismo, dos partidos conservadores e liberais, e para possibilitar a virada para um governo de esquerda que conseguiu assim vencer as eleições com Gustavo Petro em 2022.
Semelhante aos governos progressistas e de esquerda do México, Chile e Brasil, Petro procurou desenvolver reformas nos sistemas de saúde, previdência, trabalho, impostos, ensino superior e agrário, com os quais procurou fazer uma série de mudanças sistemáticas em algumas instituições estatais para transformar os direitos sociais em direitos que devem ser garantidos para mulheres e homens, em uma democracia social e liberal.
O governo de Gustavo Petro é o primeiro na história da Colômbia que, por meio de um projeto de reforma agrária, concedeu, sem processos de desapropriação, terras a camponeses. Em outubro de 2024, entregou 166.178 hectares de terra, 1,2 milhão de hectares foram formalizados para garantir os direitos de propriedade de agricultores e comunidades rurais e 77.350 hectares foram adquiridos para comunidades étnicas.
Mas o cerco da democracia social e popular também está cobrando seu preço na Colômbia. A ambiciosa proposta de mudanças na política social está sendo fortemente impedida por uma oposição de centro-direita e uma "direita que se posiciona à direita da direita convencional" – pela mídia e pelas redes sociais a serviço da banalização e banalização – que se sente fortalecida pelos ares inspiradores dessa direita global representada por Trump, Bolsonaro, Kast, Milei, VOX e AfD.
A consequência disso – que se desenha na ansiosa possibilidade de um golpe de Estado – é que o futuro da prometida mudança social e política não está garantido. Soma-se a isso a incerteza gerada por um aparente desvio das preferências dos cidadãos, um certo cansaço com o confronto polarizador nas redes sociais e um contexto econômico global cada vez mais complicado. Tudo isso não significa que o progresso das reformas esteja fadado ao fracasso. Petro tem atrás de si a força da mobilização social que se manifestou no desabafo social de 2021, tem a rua, tem ideias importantes sobre a crise ecológica e pode ter a possibilidade de moderar seu discurso e suas iniciativas legislativas para garantir que possam ser realizadas.
Como seria possível, então, que a política emergisse da lógica do ódio e da guerra – que nos foi imposta pela extrema direita na América Latina, das ditaduras, das respostas policiais sangrentas ao protesto social, às soluções paramilitares – e que o confronto fosse tratado com os instrumentos deliberativos e participativos da democracia? Este é o tema do próximo simpósio do AIFP.
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Da direita convencional à direita populista radical. Artigo de Francisco Cortés Rodas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU