30 Outubro 2024
Em 27 de outubro de 2023, depois de semanas de intensos bombardeios, o exército israelense iniciava uma incursão terrestre na Faixa de Gaza que se mantém, um ano depois, sem fim à vista. Estima-se que haja mais de 40 mil mortos, mais de 10 mil desaparecidos, 90% da população foi forçada a deslocar-se inúmeras vezes pelo enclave, há problemas generalizados de desnutrição (as Nações Unidas falam mesmo em fome extrema) e faltam cuidados básicos de saúde. A ofensiva em larga escala seguiu-se aos ataques do Hamas, a 7 de outubro de 2023, que mataram cerca de 1200 pessoas em Israel e fizeram cerca de 250 reféns.
A entrevista é de Catarina Santos, publicada por Renascença, 27-10-2024.
Os números não têm precedentes no conflito israelo-palestino, mas somam-se a ciclos de violência constantes naquele território e que o israelense Neve Gordon tem condenado há anos. Não por ser pacifista, esclarece, mas por puro pragmatismo: “a violência não nos tem levado a lado nenhum”, afirmava em março ao National Catholic Reporter.
Defensor de um único estado “do rio até ao mar, em que todas as pessoas tenham direitos iguais, em que haja algum tipo de partilha do poder e respeito pela cultura do outro, pela religião e pela língua”, o professor de Direito Internacional e Direitos Humanos olha para o último ano de guerra com pessimismo e apela a cada cidadão que exerça “pressão massiva e ininterrupta sobre as elites políticas e financeiras, para que elas invoquem a lei de acordo com o espírito com que foi criada”.
O acadêmico acusa o governo israelense de usar as exceções previstas no direito internacional para “enquadrar toda a Faixa de Gaza como um grande escudo”, usando "acrobacias" para "vergar a lei, de maneira a permitir-lhes levar a cabo a violência” que quiserem. Teme que, “se Israel conseguir sair impune com este argumento”, a lei se torne "justificação para a violência genocida" e, por conseguinte, "a ordem legal internacional se desmorone".
Como jovem israelense, cumpriu o serviço militar obrigatório nas Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês). Aos 21 anos, foi ferido em uma missão no Líbano e conta que foi aí que começou a se convencer da inutilidade de alimentar sucessivos ciclos de violência. Desde então, foi se envolvendo cada vez mais em movimentos de solidariedade com palestinos, focando-se em soluções que fomentassem a convivência pacífica.
Até 2009, vivia em Israel e dava aulas na Universidade Ben-Gurion. Há muito tempo já era uma voz crítica da repressão exercida sobre os territórios palestinos, mas foi quando descreveu o país como um estado de apartheid e defendeu boicotes internacionais, em um artigo para o Los Angeles Times, que as suas posições lhe valeram um convite para deixar a instituição. Mudou-se com a mulher e os dois filhos para o Reino Unido, onde reside desde então.
É autor do livros Israel's Occupation e escreveu também, em parceria com o antropólogo político Nicola Perugini, The Human Right to Dominate e Human Shields: A History of People in the Line of Fire.
No último ano, houve uma série de ataques israelenses a escolas, hospitais e acampamentos considerados zonas seguras, repletos de palestinos deslocados. Acredita que alguma destas ações terá um dia consequências judiciais para Israel?
Creio que essa é a pergunta de 64 milhões de dólares. É muito difícil saber exatamente como as instituições legais internacionais vão responder à violência crescente na Faixa de Gaza. O que está em jogo hoje não é só se Israel será responsabilizado pelos alegados crimes de guerra, crimes contra a Humanidade e mesmo pelo genocídio que está levando a cabo na Faixa de Gaza, mas também se as instituições legais internacionais criadas depois da Segunda Guerra Mundial continuarão existindo.
Porque o que vemos hoje é, basicamente, um genocídio acontecendo pelas telas de nossos celulares. Vemos os elevados níveis de destruição, elevados níveis de mortes, elevados níveis de feridos na Faixa de Gaza, particularmente junto da população civil, mulheres, crianças, idosos e homens. Sim, há homens civis na Faixa de Gaza – podemos ter de recordar isto aos ouvintes, porque de acordo com os meios de comunicação, não há.
Por isso, se Israel sair impune, não está claro para mim o que acontecerá à ordem jurídica internacional.
Pode estar em causa a moral que o mundo ocidental terá no futuro para impor o direito internacional e as convenções sobre direitos humanos em outras regiões do mundo?
Sim. Temos de entender o que está acontecendo de fato. As leis da guerra são diferentes das leis de direitos humanos. Uma das maiores diferenças é que, de acordo com as convenções de direitos humanos, não podes matar. E, de acordo com as leis da guerra, você pode matar.
As leis da guerra distinguem entre civis e combatentes militares, infraestruturas civis e infraestruturas militares. Dizem que é legal matar combatentes e atacar instalações militares. E que, no geral, é ilegal matar civis e atacar infraestruturas civis.
A fundação do direito internacional assenta nesta distinção entre civil e militar.
Agora, o que vemos na Faixa de Gaza é uma tentativa de Israel justificar a destruição massiva, a morte de civis e a destruição de infraestruturas civis – incluindo, como referiu, hospitais, escolas, universidades, mesquitas, edifícios municipais etc.
O que Israel diz é que o Hamas construiu centenas de quilômetros de túneis debaixo da Faixa de Gaza. E os túneis são um alvo militar legítimo. E que tudo o que está acima dos túneis está sendo usado como escudo para os túneis.
Usar como escudo, de acordo com o direito internacional, é ilegal. E se alguém usa escudos humanos ou hospitais como escudos, isso não torna esses locais imunes a um ataque. Aliás, se uma das partes quiser atacar um alvo militar legítimo pode fazê-lo, mesmo que esteja sendo defendido por escudos humanos.
A lei prevê exceções. Diz, por exemplo, de forma categórica, que não se pode atacar hospitais. Contudo, a mesma cláusula prevê uma série de exceções para situações em que se pode atacar estes locais. A principal é quando o hospital não está realizando a sua função humanitária. Isso aconteceria quando protege combatentes, armas ou algo desse gênero.
Basicamente, Israel está usando esta exceção para enquadrar toda a Faixa de Gaza como um grande escudo.
Isto é muito importante, porque se Israel conseguir sair impune com este argumento, está usando as leis da guerra – que foram consolidadas depois da Segunda Guerra Mundial, juntamente com a exigência de “nunca mais” – para levar a cabo a violência genocida.
Ou seja, a lei torna-se justificação para a violência genocida. Se isso acontecer, a ordem legal internacional desmorona-se.
Que formas existem, na sua opinião, para provar essa alegada distorção? Como diz, Israel está usando um argumento que está previsto na lei. Como se consegue construir um caso contra isso?
Acho que a maioria dos advogados de direito internacional discorda do argumento de Israel. Mas temos de perceber quais são as forças que concordam e quais as que discordam. Temos de perceber as relações de poder.
Creio que a maioria dos advogados de direito internacional dirá que isto é uma interpretação errada da lei. Mas o direito é um campo sujeito a interpretação. É o que os advogados fazem.
Israel, na minha opinião, está usando acrobacias ou uma espécie de jiu-jitsu para vergar a lei, de maneira a permitir-lhes levar a cabo esta violência. Creio que é uma interpretação falaciosa e acredito que a maioria dos advogados – incluindo o procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI) e o Tribunal Internacional de Justiça [órgão jurisdicional da Organização das Nações Unidas], que considerou plausível que esteja sendo cometido genocídio – discordaria da leitura feita por Israel.
Mas perceber quem concorda é também muito interessante.
Quando as leis da guerra foram desenvolvidas, a maioria das batalhas travava-se entre tanques e infantaria, em campo aberto. Hoje, a maioria das batalhas, sobretudo depois da guerra contra o terrorismo no início dos anos 2000, acontece em territórios urbanos – o que cria um contexto muito difícil de navegar para a alta tecnologia militar, para as forças de defesa dos estados, mantendo a distinção entre civis e combatentes.
Eles compreendem que não podem travar estas guerras sem violar a lei e, por isso, estão esticando as cláusulas legais até ao limite, de forma a justificar as suas ações.
Por isso, acho que muitos advogados que trabalham para organismos de defesa apoiariam algumas interpretações israelenses.
É nesse momento crítico que estamos. Como disse, se Israel sair vitorioso na sua interpretação do direito internacional, podemos dizer adeus à lei como a conhecemos. E isso seria uma realidade assustadora.
Comentou em uma entrevista ao Democracy Now, em abril, a forma como Israel está usando a Inteligência Artificial (IA) para selecionar alvos. Em que medida é que isto muda a forma como as guerras são travadas hoje?
É um outro lado desta questão a que penso que os departamentos de alta tecnologia militar estão atentos. Veja-se os ataques com pagers no Líbano. Estão dizendo para si próprios: “Queremos fazer isto, OK?”
Ao mesmo tempo, ambos são uma violação flagrante do direito internacional no que diz respeito aos princípios da distinção, da proporcionalidade etc.
Em muitos aspectos, as leis da guerra não têm ainda sequer as ferramentas para lidar com a IA. As leis da guerra estão sempre um passo atrás da evolução das armas. Estamos no meio de uma lacuna temporal, com Israel introduzindo a IA na guerra de uma forma que não tem precedentes, que levou à morte de milhares de civis, incluindo provavelmente milhares de crianças. Mas as leis da guerra dizem muito pouco sobre estes mecanismos.
O que é claro, dos artigos que li, a partir de testemunhos de denunciantes que estiveram envolvidos nestas ações, é que o próprio estado de Israel não regulamentou a introdução do sistema de IA, de maneira a assegurar que não comete erros grosseiros. Por isso é que vemos tamanho grau de destruição civil.
Israel fala de uma margem de erro de 10%.
Essa é a margem de erro que eles admitem! Não é a margem de erro [real]. O equipamento de IA funciona sobretudo através de assinaturas digitais. A IA não segue você, segue o os celulares. E os segue devido aos tipos de chamadas que se faz, à localização GPS e mais alguns dados. Por isso, segue o cartão SIM, mas para te matar. Eu já dei o meu celular para o meu filho. Portanto, podem estar seguindo o meu celular e talvez nem esteja comigo, pode estar com outra pessoa.
O problema com estes sistemas de IA é que eles analisam milhares de milhões de pontos para avaliar se você é ou não um terrorista. E não tem como voltar atrás para verificar se essa avaliação era precisa ou não. Porque são milhares de milhões de pontos, demoraria semanas, anos, para verificar a confiabilidade.
Os militares dizem que há uma margem de erro de 10%, mas pode ser de 40%. Ninguém sabe.
E o que é definido como alvo? Nunca nos disseram. São apenas comandantes de altas patentes? É qualquer pessoa que seja considerada combatente do Hamas? Ou são contabilistas do Hamas, alunos e professores do Hamas, políticos, funcionários municipais? Quem são os alvos? Não está claro. Se for a partir de relações interligadas, quem garante que são combatentes?
Mas, mais uma vez, esta será uma área bastante difícil de investigar, certo?
Certo, mas parece-me que devemos querer que seja investigada antes de ser usada e não depois.
Outro possível crime, denunciado pela Human Rights Watch e mencionado em um artigo seu para a New York Review of Books [juntamente com a advogada de direitos humanos palestina Muna Haddad], é o fato de a fome poder estar sendo usada como arma de guerra. Considera que este é um aspecto mais fácil de provar ou está também sujeito a interpretação legal?
Na verdade, acho que é bastante fácil de provar. Há um longo histórico de uso da comida como um instrumento de controle e dominação do povo palestino por Israel – e dos palestinos de Gaza em particular.
Há provas abundantes de que Israel não deixou entrar ajuda humanitária na Faixa de Gaza durante meses a fio. Neste momento em que conversamos, não está deixando entrar ajuda humanitária no Norte de Gaza, porque acredito que quer esvaziar aquela zona de população palestina.
Neste campo, ao contrário de outros, acho que é relativamente fácil provar, porque sabemos quantos caminhões são necessários para suprir as necessidades dos palestinos. E sabemos exatamente quantos caminhões Israel permite que entrem.
Além disso, sabemos que foram destruídos estufas, campos agrícolas, embarcações de pesca. Israel destruiu toda a capacidade de produção de alimentos na Faixa de Gaza. Provavelmente, neste momento, apenas 1 ou 2% dos alimentos que existem em Gaza são produzidos lá.
Sabemos que Israel implementa estas restrições. Há vários documentos para comprovar que Israel restringe a entrada de comida.
E sabemos também que há intenção. Temos de nos lembrar que, para a direito internacional, a intenção é quase tudo. Sem provar a intenção, não se consegue provar um crime. E o que temos aqui, ao contrário de outras guerras, são abundantes provas de intenção, porque os líderes israelenses disseram diversas vezes que iriam privar os palestinos de comida. Por isso, não será um problema demonstrar e provar que houve intenção.
Essas declarações aconteceram sobretudo nos primeiros dias de guerra. Depois o que vimos foi a narrativa de que iriam controlar a entrada de combustível, por exemplo, porque acabaria servindo às intenções do Hamas. E quanto à ajuda humanitária e aos caminhões de alimentos, o argumento era que a falta de distribuição era culpa do Hamas.
Em primeiro lugar, há incidentes ou declarações de intenção que foram acontecendo até há poucas semanas, sobretudo por ministros de extrema-direita como [o ministro da Segurança Nacional Itamar] Ben-Gvir.
O argumento de que o Hamas usa o combustível ou que se apropria dos alimentos ou dos medicamentos é insuficiente em termos da lei, porque significaria que, para travar isso, estou disposto a levar a cabo uma punição coletiva – o que não é permitido. É ilegal.
Não se pode castigar uma população inteira com o propósito de impedir o Hamas de ficar com parte do combustível. Não se pode inutilizar todos os hospitais em Gaza porque o Hamas está ficando com combustível. É ilegal.
Estas justificativas não são satisfatórias perante a lei.
Mas devo acrescentar que, na minha opinião, a lei não vai resolver o problema. A lei não vai libertar os palestinos. O que interessa é a vontade política e os interesses geopolíticos. E o que vemos hoje é a lei ser usada pelos poderes quando lhes interessa e, quando não interessa, esquecerem a lei.
Por exemplo, os Estados Unidos da América têm inscrito no seu memorando de comércio de armas, muito claramente, que não podem fornecer armas a países ou partes em guerra que violem o direito internacional. Ninguém com olhos na cara pode afirmar que Israel não violou o direito internacional. E, contudo, o Departamento de Estado e o Pentágono conseguem ter advogados que desenvolvem acrobacias e conseguem afirmar que o fornecimento é legal. Isto acontece porque é do interesse geopolítico dos EUA continuar apoiando Israel.
Por isso, pensar que a lei pode resolver o problema é enganador. O que pode resolver o problema é a pressão. Pressão massiva e ininterrupta sobre as elites políticas e financeiras, para que elas invoquem a lei de acordo com o espírito com que foi criada.
Até lá, até que essa pressão aconteça, vão usar a lei como quiserem.
Para isso seria necessária alguma pressão da opinião pública...
Alguma não: pressão pública massiva.
Mas o que temos visto, como já vimos em outros conflitos, é que um grande choque inicial vai dando lugar a alguma normalização. Acredita que é o que está acontecendo? A opinião pública está adormecida?
Esse é o desafio. Todo o tipo de violência à nossa volta pode ser normalizado. Da violência doméstica à guerra, passando pela ocupação colonial, pela tortura... Tudo pode ser normalizado se for mantido por tempo suficiente.
O desafio é não permitir que seja normalizado, que a matança em Gaza se torne rotineira.
E esse é o papel de cada pessoa que se preocupe: não se calar, não fechar os olhos, não olhar para o outro lado. Escrever cartas aos editores dos jornais, ligar aos seus representantes no governo, ir para a rua protestar, organizar vendas de bolos para angariar dinheiro para os feridos de Gaza etc.
Todas as pessoas podem fazer algo. E se todas as pessoas fizerem algo, parece-me claro que esta guerra acabará. O problema é: como mobilizamos o grande público para resistir?
Como antecipa que será o futuro de Gaza, tendo em conta a evolução do conflito? O que poderá ser Gaza quando o conflito acabar?
É muito difícil ver uma luz neste momento. Não está claro para mim que vai haver um fim em um curto prazo. Eu consigo imaginar uma forma de existência diferente entre Israel e a Palestina, uma existência de que eu gostaria de fazer parte.
Não é uma impossibilidade. Podemos pensar em um país, do rio até ao mar, em que todas as pessoas tenham direitos iguais, em que haja algum tipo de partilha do poder e respeito pela cultura do outro, pela religião e pela língua. Podemos imaginar um futuro melhor para as pessoas que ali vivem e para a diáspora palestina, à qual foi negado o direito a regressar àquela zona. Podemos imaginar judeus israelenses e palestinos vivendo lado a lado em paz. Eu consigo imaginar isso.
Mas chegar lá a partir das ruínas de Gaza é extremamente difícil. Não só por causa do conflito local entre o projeto colonizador e tudo o resto. É difícil imaginar por causa dos líderes mundiais, por causa de pessoas como [Joe] Biden, [Donald] Trump, [Kamala] Harris, Keir Stammer, [Emmanuel] Macron e [Olaf] Scholz.
Os líderes deste mundo não estão batendo o pé e dizendo: “basta, não apoiamos isto e daqui para a frente será assim”. Não agem assim porque têm certos interesses geopolíticos no Oriente Médio, nos quais Israel tem um papel a desempenhar.
Se a situação não se alterar e os líderes políticos não mudarem a narrativa, acredita que será possível assistirmos, no futuro, a uma recolonização da Faixa de Gaza por Israel, como defendem alguns líderes israelenses de extrema-direita?
Sim. Quer dizer... Esta semana, houve uma conferência às portas da Faixa de Gaza, a um quilômetro de Be’eri, onde aconteceu um dos massacres do Hamas; a um quilômetro do festival de música Nova onde houve outro massacre. Foi uma espécie de conferência de celebração. Havia festejos. E o motivo da celebração era que, de certa forma, neste tipo de pensamento distorcido e cruel, o 7 de Outubro é uma oportunidade para nós. É uma oportunidade de voltar a colonizar Gaza.
Estavam lá cinco ministros e 15 membros do Likud [partido do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu] que fazem parte do Knesset [parlamento israelense]. Um terço dos deputados do partido que está no governo estava lá dizendo que é preciso esvaziar o Norte da Faixa de Gaza – que é o que Israel está fazendo neste preciso momento. Defendendo que temos de voltar a colonizar o norte e empurrar todos os palestinos para o sul.
Em seu entendimento, vão continuar policiando os palestinos no Sul de Gaza durante anos, enquanto constroem um colonato no Norte.
Outro aspecto que não tem recebido atenção midiática é o Monte do Templo, a mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém. Por um lado, o norte de Gaza é um elemento importante para os judeus messiânicos, que acreditam que temos de recapturar a terra bíblica de Israel. Por outro lado, entre esses judeus messiânicos, há quem queira destruir a mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém, no Monte do Templo. E deduzo que Ben-Gvir, que é ministro da Segurança Nacional, esteja nessa fação. Para estes tipos, é um assunto sério. E se fizerem isso, será o descontrole total. Vai começar uma guerra religiosa no Oriente Médio, que não se sabe como acabará, quantos anos durará e quantas centenas de milhares, se não milhões, vão morrer.
São aspectos para os quais algumas pessoas estão começando a olhar e não sabemos o que está sendo feito por baixo da mesa. É o mesmo espírito messiânico que está levando adiante uma limpeza étnica na Cisjordânia, que quer uma recolonização do Norte de Gaza e que quer fazer desaparecer a mesquita no Monte do Templo.
Tudo isto está ligado e é o poder messiânico entranhado na política israelense que está segurando Netanyahu no poder. Ele precisa deles e está permitindo que façam o que quiserem, sem entraves, devido à constelação política em torno do próprio Netanyahu.
Mas, conhecendo a sociedade israelense como você conhece, acredita que isso seria possível? A forma de pensar de Ben-Gvir nesta matéria não é a da maioria da sociedade israelense, certo?
Acho que a forma de pensar de Ben-Gvir colonizou o Likud. Se antes havia uma distinção entre a ideologia de Ben-Gvir e a do Likud, não tenho a certeza se ainda existe.
Mas tem razão ao afirmar que o Likud e Ben-Gvir não representam toda a sociedade israelense. Talvez haja uma maioria, ou pelo menos metade da população israelense, que é contra isto. O que não significa que consigam... Uma maioria de judeus israelenses queria que Netanyahu fizesse um acordo para libertar os reféns e ele não o fez, porque queria que a guerra continuasse, não queria um cessar-fogo.
Portanto, não significa que a maioria consiga o que defende. E o que vemos hoje é Netanyahu a subir nas pesquisas. Portanto, não está claro o que acontecerá. Netanyahu precisa desta situação.
Espero estar enganado. Deixe-me enquadrar assim: rezo mesmo para estar enganado e para que algo melhor aconteça no futuro. Mas tenho de considerar o que vejo à minha frente. E esta é uma clara possibilidade.
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“Se Israel sair impune, a lei serve à violência genocida e a ordem internacional desmorona-se”. Entrevista com Neve Gordon - Instituto Humanitas Unisinos - IHU