A ameaça da guerra total. Destaques da semana

Arte: Mateus Dias | IHU

Por: Cristina Guerini | 05 Outubro 2024

A menor partícula do universo nos coloca em suspenso com a proximidade da guerra total. “Uma loucura furiosa” que nos leva a trilhar o caminho da ebulição definitiva. Acelerados, somos engolidos pela avareza capitalista e já não somos capazes de sair do “eu” para partilhar a vida. O Líbano e o Irã agora são atraídos para a guerra sem fim no Oriente Médio com Israel, que segue com os massacres em Gaza. Europa cede e abandona a lei antidesmatamento. Em Roma, começa o Sínodo. Esses e outros assuntos nos Destaques da Semana do IHU.

Confira os destaques na versão em áudio.

Cheiro de pele queimada

A guerra nuclear faz exalar o cheiro de pele queimada, a luz fluorescente traz a morte do céu para terra. O relato é da sobrevivente da bomba de Hiroshima. Ignorando esse passado sombrio, estamos à porta de mais uma explosão atômica. A fissão do átomo leva o mundo a uma guerra sem precedentes. Somos nós, os humanos, os irracionais: forjamos as catástrofes que agora nos aniquilam. É a degradação humana.  

Golias desorientado

Prestes a completar um ano de guerra contra os palestinos, Israel agora expandiu o conflito no Oriente Médio e age, nas palavras de Ramos Tolosa, como um “Golias desorientado”. Ao manter o genocídio em Gaza e atacar os seus vizinhos, ameaça a sua própria sobrevivência e aprofunda o descrédito do Ocidente no Sul Global. Os ataques no Líbano já deixaram centenas de mortos e mais de um milhão de deslocados. Sem abrigos, eles dormem nas ruas. O Irã responde aos ataques israelenses, mas ainda não se sabe ao acerto a proporção de tudo isso. Estamos cansados, mas não conseguimos conter os horrores dos confrontos.

Desmoronando

O desmoronamento da ordem mundial baseada em regras se aproxima à medida em que não somos capazes de responder ao tipo de geopolítica, de noções de soberania, de direitos humanos e legalidade que são necessários para superar os desafios atuais. Sem uma solução, “deslizaremos cada vez mais para o abismo de um mundo mais violento, niilista e sem alma, no qual os fracos são esmagados em benefício de uns poucos poderosos", assinalou Chelsea Ngoc Minh Nguyen.

Misericórdia ambígua

“O Papa Francisco que fala tanto em misericórdia e acolhimento dos excluídos, poderia cuidar igualmente de sua linguagem ao abordar um tema tão delicado, complexo e doloroso, incluindo sua fala pejorativa com respeito aos médicos envolvidos no procedimento [...] há que proceder a dinâmica de uma purificação da linguagem teológica”, ponderou o teólogo Faustino Teixeira ao se posicionar sobre os comentários “infelizes” do papa Francisco a respeito de temas sensíveis à igreja na sua recente viagem à Bélgica. Assuntos esses que voltaram a ser discutidos essa semana, com o começo da segunda sessão do Sínodo sobre a Sinodalidade.

Penitência

Antes dos trabalhos do Sínodo, ocorreu um retiro sinodal comandado pelo teólogo Timothy Radcliffe. Além de convidar os membros sinodais a ouvir com o coração aberto, Radcliffe conclamou a igreja a aprender com os católicos LGBTQIA+. Igreja esta que fez penitência e pediu perdão em uma celebração em que o clero e os participantes da assembleia puderam ouvir diferentes testemunhos: Laurence Gien, barítono sul-africano que sofreu abuso sexual de um padre na infância; Sara, diretora regional toscana da Fundação Migrantes, envolvida na recuperação de migrantes náufragos no Mediterrâneo; e Deema, freira do mosteiro Deir Mar Musa fundado pelo jesuíta Paolo Dall'Oglio, que foi sequestrado na Síria em 2013.

A pauta caiu

O jargão usado no jornalismo bem serve para definir as propostas que foram retiradas das discussões do Sínodo: a inclusão das mulheres ao diaconato, o acolhimento dos católicos LGBTQIA+ e o fim do celibato obrigatório. O papa Francisco chegou a receber, no dia 30 de setembro, uma delegação de mulheres defensoras dos ministérios femininos. Já na assembleia, o cardeal Víctor Manuel Fernández proferiu a sentença elaborada por um grupo de estudos secreto: não há espaço para uma decisão positiva sobre a ordenação de diaconisas. Um banho de água fria em que esperava por maiores transformações estruturais na Igreja. Há quem mantenha a esperança nos grupos de trabalho que seguirão recebendo propostas até 2025, da mesma forma que Austen Ivereigh, da arquibancada dos especialistas que acompanham os debates, enxerga que há uma mudança em curso onde a igreja está viva e aprendendo, em caminhada.

Recuo vergonhoso

A União Europeia cedeu e renunciou à Lei Antidesmatamento. O lobby do agronegócio falou mais alto do que a fumaça dos 85 mil focos de incêndio do mês de setembro no Brasil. Essa decisão vai colocar no prato dos europeus a carne oriunda das pastagens de áreas desmatadas. Isso acontece poucos dias depois de 193 países aderirem ao Pacto para Futuro da ONU, que visa acelerar o cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável

Monstruosidade

Com esse termo, há muitos anos, um bispo já sentenciava sobre o desastre que seriam hidrelétricas na Amazônia. Uma década de estudos comprova: mudanças na produção, redução da floresta, alterações no solo, migrações e morte de peixes, aumento de violência em assentamentos dos removidos, ou seja, amplificação da miséria social e da degradação ambiental. Um nó górdio dos governos petistas que levaram a fábula desenvolvimentista à Amazônia, que agora carece de uma liderança que coloque em prática o fim da destruição do bioma e a restauração de tudo o que for possível.  Os povos indígenas continuam aguardando uma alvorada para saírem de vez do breu em que Bolsonaro os colocou.

Pleito

Chegamos no final de semana das eleições municipais. A vitória da extrema-direita já está garantida em muitas cidades. Nem mesmo a proporção da inundação em Porto Alegre, ocasionada por omissão da prefeitura, fará o atual prefeito perder o pleito. Para o professor da UFRGS, Marcelo Kunrath, “o desastre da enchente não está produzindo efeito no processo eleitoral”. A ultradireita é um fenômeno mundial que trouxe consigo um ódio que saiu do armário, uma ode a um passado glorioso que nunca existiu e agora, no Brasil, faz uma metamorfose em que emerge a figura do coach fascista. “O coach funcionando como líder fascista é pura identificação, função de espelho do rosto da mercadoria, fórmula cultural do capital financeiro”. A jornalista Eliane Brum é enfática ao falar sobre nossas escolhas políticas: “entre a mentira que dá o conforto da esperança, mesmo que falsa, e a verdade que exige sacrifícios e perdas, quem vota num político que diz a verdade? A resposta é: tem que ser nós”.

Francisco de Assis

Nesta sexta-feira celebramos São Francisco de Assis e neste ano os 800 anos dos estigmas do Pobrezinho de Assis. Ele é o Santo escolha de pobreza evangélica e da oração, o homem que despojou-se dos bens materiais e viveu segundo o evangelho de Jesus Cristo. Ao fazer memória à data, lembramos que São Francisco já clamava pela conversão ecológica, afirmando igualdade e fraternidade entre todas as criaturas. Oxalá permita que São Francisco de Assis ilumine o caminho da humanidade rumo a uma peregrinação de um tempo de paz.

Desejamos uma boa semana e um voto consciente na verdade a todos e todas!