19 Setembro 2024
Os líderes em torno da mesa aparentam não ter senso de urgência e de nem de responsabilidade sobre o papel do Estado numa situação crítica.
O artigo é de Gilberto Maringoni, publicado por Jornal GGN, 18-09-2024.
Gilberto Maringoni de Oliveira é jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.
1- Foram pífios os resultados da aguardada reunião dos poderes de Estado – Executivo, Legislativo e Judiciário – comandada pelo presidente Lula nesta quarta, 18. O objetivo era tratar das queimadas. Saíram dali poucas iniciativas e pouco dinheiro. Os líderes em torno da mesa aparentam não ter senso de urgência e de nem de responsabilidade sobre o papel do Estado numa situação crítica. O encontro acontece após quase 45 dias de intensa catástrofe ambiental, com 10,2 milhões de pessoas afetadas diretamente pelos incêndios e 538 municípios em emergência. Os dados são da Confederação Nacional dos Municípios.
2- Escrevi em Maio que a recuperação da tragédia climática no Rio Grande do Sul exigiria uma espécie de new deal, um novo pacto de desenvolvimento, com a quebra do arcabouço para liberar recursos em volume suficiente para um socorro real. No estado, foram mais de 400 municípios atingidos e centenas de milhares de pessoas que perderam tudo. Na época, de Nova York, Roberto Campos Neto afirmou que a meta fiscal estaria em risco, num recado direto para que não se abrissem os cofres para socorrer a região. Houve terrorismo do mundo financeiro e o governo recuou. Até agora não há recuperação real das enchentes. As pessoas seguem em abrigos ou em situações muito precárias e a economia retrocedeu.
3- Quatro meses depois, temos outra face da crise ambiental. Há queimadas criminosas? Sim. Mas elas não explicam tudo. Há destruição de biomas no cerrado e na Amazônia, causando danos estruturais à Natureza. Há o agronegócio e o extrativismo exportador, que formam a espinha dorsal da economia brasileira desde pelo menos o início dos anos 1990. É impossível resolver qualquer coisa sem uma alteração profunda nesse padrão de desenvolvimento predador. E isso só se faz com fortes investimentos do Estado na reindustrialização do país (aliás, mais uma promessa de campanha não cumprida pelo atual governo).
4- Durante a reunião no palácio, Lula falou o seguinte: “Muitas [das queimadas] parecem ser criminosas”. Mais adiante assegurou: “Uma pessoa importante na convocação do 7 de setembro na Avenida Paulista afirmou que o Brasil ‘vai pegar fogo’”.
5- Como? Um chefe de Estado não pode propagar oficialmente, como se estivesse numa conversa informal, que algo “parece” ou que “uma pessoa importante” disse isso ou aquilo. O Executivo comanda a Abin, as Forças Armadas, a Polícia Federal, a Guarda Nacional e tem o Inpe, centros de pesquisa, Universidades etc. para investigar, descobrir e determinar o que houve. Não pode falar em “parece ser”! (Uma das poucas exceções na reunião foi o denso e alarmante informe de dois minutos de João Paulo Capobianco, secretário Executivo do ministério do Meio Ambiente).
6- Em 2020, Lula cobrou de Bolsonaro o uso das FFAA para mitigar uma parte do problema dos incêndios, que já se manifestava. Em entrevista ao canal DCM, ele afirmou: “Por que o governo não usa as Forças Armadas? Por que não estão lá nossos 50, 60 mil soldados, sabe, no Pantanal, na Amazônia?” Tal sugestão sequer foi ventilada na reunião, apesar de o governo contar com “o mais hábil ministro da Defesa que já tivemos”, segundo as palavras do chefe do Executivo, em 7 de setembro.
7- De concreto, foram anunciadas após a reunião ações pontuais e um crédito extraordinário de R$ 514 milhões. O montante é quase nada. É o preço de um dos 12 helicópteros Black Hawk que o ministério da Defesa anunciou comprar dos EUA, em julho, num negócio de R$ 5,5 bilhões. O montante é mil vezes menor do total destinado à recuperação da economia em 2020, durante a pandemia, pelo governo Bolsonaro. Não, você não leu errado: o fascista Jair Bolsonaro (!!!) investiu R$ 524 bilhões acima do teto de gastos apenas naquele ano para evitar um desastre econômico. Os dados estão aqui.
8- Cadê ousadia semelhante hoje? Vamos manter a meta fiscal enquanto o país arde? Vamos perseguir o grau de investimento enquanto o fogo se alastra? Vamos abaixar a cabeça para editoriais e alertas de terrorismo econômico da grande mídia? Vamos tratar tudo como caso de polícia e repetir a atuação das autoridades diante dos criminosos do 8 de janeiro: bagrinhos em cana e graúdos na sombra? Vamos seguir no “parecem ser”? A reunião serviu apenas para fazer uma foto e boa figura às vésperas da reunião da Assembleia Geral da ONU, na qual o Brasil terá pouco a mostrar em termos de política ambiental?
9- Um governo democrático poderia ir muito além. Lula já agiu de forma oposta na crise de 2008, aumentando o gasto público para transformar o tsunami econômico numa marolinha. Inverter o leme dos dogmas neoliberais emanados do ministério da Fazenda e quebrar as regras fiscais a essa altura do campeonato são iniciativas que contariam com apoio da maioria da população. É possível fazer diferente. É possível não ser medíocre.
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A pífia reunião sobre a crise climática em Palácio. Artigo de Gilberto Maringoni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU