21 Agosto 2024
"Tudo parece cada vez mais difícil e talvez explique por que ainda não se fala da nova autoridade palestina que deveria governar Gaza com o cessar-fogo".
O artigo é de Riccardo Cristiano, jornalista, publicado por Settimana News, 19-08-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Tudo vacila. Ao chegar à região, o chefe da diplomacia estadunidense, Antony Blinken, falou de uma possível última chance.
Depois de dez meses de guerra feroz e devastações contínuas, uma emergência humanitária absoluta, a chegada da certificação da presença do vírus da poliomielite depois de 25 anos de ausência, uma população que vive como nômade, mudando-se para áreas definidas como seguras e que depois precisa sair porque tais áreas não são mais seguras, o drama dos reféns que continua, a escalada da violência na Cisjordânia e o retorno do Hamas aos atentados suicidas em Israel, as esperanças de um cessar-fogo em Gaza parecem poucas, embora com as negociações nunca se possa ter certeza. No entanto, muita coisa está mudando. Vamos em ordem.
O principal obstáculo é conhecido desde os dias das negociações de Doha: a proposta básica para chegar a um cessar-fogo apresentada pelo presidente Biden há 80 dias fala expressamente de uma retirada militar israelense completa de Gaza desde o início, mas, nas conversas de Doha, Israel pediu para manter uma sua presença militar na passagem de Netzarim, no centro de Gaza, onde deve passar qualquer um que vá do sul para o norte, ao longo da fronteira entre Gaza e o Egito na passagem de Rafah e ao longo do corredor que os acordos de paz entre Israel e o Egito definem como desmilitarizado (o corredor Filadélfia, uma fina faixa de terra que separa os dois territórios).
Assim, começou-se a busca um mecanismo que possa viabilizar o acordo. Para Israel, as duas modificações são essenciais para a segurança: a presença israelense em Netzarim serviria para evitar que milicianos armados, que poderiam atacar Israel, se escondam entre a população que retorna do sul, de onde fugiu para o norte de Gaza; a presença na fronteira com o Egito e no cruzamento serviria para garantir que a fronteira não seja porosa e se permitam entradas de armas.
Temores que provavelmente poderiam ter sido expressos talvez mais cedo, já que as negociações sobre a proposta de Biden, por ele definida como vinda do governo israelense, duram já há bastante tempo. É bem sabido que Netanyahu está sob pressão de parte dos ministros que são contrários à ideia de um acordo e que, ameaçando derrubar o governo, o levam a contínuos endurecimentos. O primeiro-ministro, após a cúpula de Doha, teria criticado seus negociadores por serem demasiado complacentes.
Há também outros nós espinhosos e o trabalho diplomático é intenso. A impressão, no entanto, é que o ponto principal gira em torno desta palavra: “mecanismo”. Um mecanismo que satisfaça Israel e que permita ao Hamas não dizer não, embora já tenha rejeitado a nova resposta estadunidense, reiterando que a base de partida para qualquer acordo possível é aquela indicado por Biden - a retirada israelense deve ser total. É possível encontrar um mecanismo?
Nesse quadro, Netanyahu se reuniu com Blinken e recebeu bem a nova proposta estadunidense, mas pediu para ter o direito de retomar sua campanha para destruir o Hamas. Portanto, talvez nem mesmo o mecanismo poderia ser suficiente. De fato, isso teria deixado nervosos os mediadores, ou seja, o Egito e o Qatar, enquanto o Hamas reiterou que recusa qualquer tipo de mudança e que a retirada deve ser total. Tudo parece cada vez mais difícil e talvez explique por que ainda não se fala sobre a nova autoridade palestina que deveria governar Gaza com o cessar-fogo.
Como também é bem sabido, a questão de Gaza se entrelaça com a questão do Irã e seus aliados, ou seja, as milícias pró-iranianas no Líbano, Iraque, Iêmen e Síria. Nelas está em andamento uma peregrinação de milhões de iranianos para o Iraque, um festival religioso concebido nos últimos anos que parece querer formalizar a influência iraniana sobre o Iraque.
O Irã quer ter seu papel e peso regional. Enquanto isso, a ameaçada retaliação pelos assassinatos direcionados do líder do Hamas, durante uma visita oficial a Teerã, e do número dois do Hezbollah em Beirute, está em compasso de espera. Por um lado, os iranianos deixaram claro que, se um acordo fosse alcançado em Gaza, eles poderiam adiar sua reação, o que abriria totalmente a caixa de Pandora do Oriente Médio.
Mas o que o Hezbollah faria no Líbano? Aceitaria os termos de uma negociação após aquela sobre Gaza, até mesmo para ficar com parte do mérito e justificar uma guerra de atrito muito longa que não fez nada em favor dos palestinos?
Esses são os pontos de interrogação relacionados e que deixam no horizonte tanto a situação parcialmente serena quanto a tempestade. Mas, enquanto isso, pode-se reiterar que a ameaça que contínua desde o assassinato de Hanyeh em 31 de julho passado tem estressado Israel e os Estados Unidos, que mantêm uma enorme armada naval em alerta máximo desde então. E justamente as relações entre os EUA e o Irã parecem ser o ponto mais opaco, mas decisivo.
As negociações entre Washington e Teerã, via Omã, estão em andamento, e todos mencionam uma possível flexibilização das sanções econômicas. Portanto, torna-se tão importante observar que finalmente foi escolhido o novo ministro iraniano das Relações Exteriores, que será votado pelo parlamento daqui a dois dias. Trata-se do vice-ministro das Relações Exteriores na época do famoso acordo nuclear com o Ocidente, que mais tarde foi desfeito devido à retirada dos EUA decidida por Trump, Abbas Araghchi; uma indicação importante. Os protagonistas desse acordo são mal vistos pelos falcões de Teerã.
Em seu discurso programático no Parlamento iraniano, Araghci disse três coisas: a prioridade será melhorar as relações com os novos amigos, ou seja, Rússia e China e todo o grupo que podemos chamar de terceiro-mundista, os BRICS, do qual o Irã participa há tempo. Em vez disso, a escolha estratégica será o fortalecimento do “eixo da resistência”, ou seja, o apoio às milícias khomeinistas no Líbano, Iêmen, Irã e Síria. Um ato devido, dadas as posições do Guia Supremo, o aiatolá Ali Khamenei.
Portanto, não há mudança de caminho: a construção desse “eixo da resistência” é a base sobre a qual se assenta a escolha da milícia de fazer desses países algo semelhante ao que eram os países do Leste Europeu na época da URSS.
A terceira indicação relevante diz respeito ao Ocidente, com o qual se buscará uma “gestão das hostilidades”: palavras não difíceis de interpretar, mas abertas a diferentes cenários. A Casa Branca sabe que a linha dura de Trump levou o Irã a estar em posição de conseguir, como disse Blinken, a bomba atômica em uma ou duas semanas. O Irã está exaurido economicamente, mas também tem novas relações militares com a Rússia e a China. As sanções evidentemente empobrecem o Irã, mas não a alma miliciana e integralista do regime, os Pasdaran, que, com as sanções, lucram com o enorme comércio ilícito, enriquecendo ainda mais seus líderes e estruturas.
É aqui que entra em cena uma indicação política básica fornecida em seu discurso de posse pelo recém-empossado presidente Pezeskhian. Seu discurso, repleto de citações do Alcorão, oscila entre dois polos: de um lado, a condenação khomeinista do imperialismo ocidental, um “sistema de dominação global”; de outro, a denúncia da ineficiência, da corrupção e da discriminação interna do Irã.
Assim, Pezeshkian tenta um caminho que é, no mínimo, acidentado, porque aqueles que querem a rigidez khomeinista não querem combater a ineficiência com a qual enriquecem; e aqueles que querem combater a ineficiência pedem para arquivar a rigidez khomeinista.
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Oriente Médio: horas cruciais. Artigo de Riccardo Cristiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU