01 Junho 2024
"Um certo estetismo sagrado, para mim, afasta alguns e impede uma Igreja aberta a todos", escreve Riccardo Cristiano, jornalista, em artigo publicado por Settimana News, 29-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ele, "num certo estetismo, (que se expressa) no apaixonar-se pela estética do sagrado: pela vestimenta, por tudo o que nesse âmbito pode agradar, atrair, mas que, na minha opinião, distancia muitos homens e mulheres de hoje, porque tudo isso, na verdade, está muito distante dos problemas reais das pessoas comuns, como eu, dos homens das tantas “periferias”, mesmo na Itália. Afinal, está distante dos lugares da pobreza onde se vive espontaneamente o Deus que encanta, aquele nascido no estábulo"
Eis o artigo.
Quero ser honesto comigo mesmo e claro com quem lê: sempre apreciei muito o Papa Francisco, mas agora, depois do que certamente parece um infortúnio, ou seja, o uso da palavra “viadagem”, continuo a apreciá-lo ! E, portanto, para mim é importante dizer de que tipo de infortúnio se trata.
Pouco fraterno, pouco episcopal
O primeiro infortúnio é que teria usado aquela expressão tão pouco correta e, sem dúvida nenhuma, perigosa, num contexto reservado, a portas fechadas. Mas é importante dizer, desde já, que não falou de pessoas!
No entanto, alguém hoje se disse “pasmo” com a nota entregue à imprensa.
Mas alguém disse - ou escreveu – ter ficado “pasmo”: por isso só se falou de outra coisa, ou seja, do escândalo linguístico? Durante aquele encontro, alguém por acaso disse: “Santo Padre, o que está fazendo, veja como fala com os seus coirmãos no episcopado”?
É bem pouco fraterno – além de pouco episcopal – atirar pedras e esconder a mão. “Algum dos irmãos apostólicos certamente lhe terá dito: ‘O que lhe deu na cabeça para usar palavras como esta!’”. Ou não?
Sobre o que estamos falando
Bergoglio – o papa que alguns hoje querem apresentar como homofóbico, parece justamente que usou aquela palavra – conhecendo, aliás, bastante bem o significado em italiano.
Em primeiro lugar, há o que teria dito na ocasião, ou seja, que os jovens (homossexuais) podem ser expostos ao risco de “cair”. Tudo bem. Mas eu considero necessário falar, a respeito, também em outros termos.
Porque - mesmo não frequentando os seminários e bem pouco as igrejas, exceto por motivos ligados ao meu trabalho jornalístico - percebo que a “viadagem” não diz respeito às tendências sexuais, mas poder-se-ia manifestar em outra coisa. O que quero dizer?
Penso num certo estetismo, no apaixonar-se pela estética do sagrado: pela vestimenta, por tudo o que nesse âmbito pode agradar, atrair, mas que, na minha opinião, distancia muitos homens e mulheres de hoje, porque tudo isso, na verdade, está muito distante dos problemas reais das pessoas comuns, como eu, dos homens das tantas “periferias”, mesmo na Itália. Afinal, está distante dos lugares da pobreza onde se vive espontaneamente o Deus que encanta, aquele nascido no estábulo.
Na minha opinião, muitos sentem a necessidade de “uma Igreja pobre, e para os pobres”, dentro e fora da Igreja, naquele terrível mundo secularizado que pede para ser novamente encantado, enquanto há quem se deslumbra com a maravilha de um sagrado imaginário e distante; e pensa – ou acaba por pensar – em um modelo que tem na distância inatingível a sua força.
Na nota do Vaticano, divulgada posteriormente, Francisco reitera que “a Igreja está aberta a todos, ninguém está excluído”. E isso certamente diz respeito aos heterossexuais, aos homossexuais, aos amantes da Igreja pobre e não-pobre. Mas este é o ponto para mim: um certo estetismo sagrado, para mim, afasta alguns e impede uma Igreja aberta a todos.
Um deslize
Parece-me que é isso que legitimamente preocupa o Papa: mais do que a tendência sexual de um seminarista, a preferência litúrgica ou o tipo de vestimenta, ou seja, a possibilidade de que um tipo de visão possa afastar a sua Igreja dos lugares dos últimos.
Isso certamente tem a ver com um pontificado que admiro pelos velhos sapatos pretos, pelo hábito de carregar a bolsa no avião, por usar uma simples batina branca, sem muitos adereços e ouros: isto é, sem tudo aquilo que, no passado, me fez sentir como um estranho.
A Igreja de Francisco não me afasta, pelo contrário a sinto muito próxima. Que eu seja homossexual ou não, não importa. Os homossexuais são homens e mulheres como eu. Mas uma Igreja que quer encantar com os seus cantos monumentais, os incensos, a aura de uma sacralidade inacessível, é uma Igreja que a mim pouco diz.
Só neste ponto posso escrever que aquela palavra na boca de Francisco não agradou, nem mesmo a mim: se pudesse, teria lhe sugerido: “Por favor, Santidade, não use aquela palavra”.
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A palavra ofensiva. Artigo de Riccardo Cristiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU