01 Junho 2024
"Creio que não é "bichice", mas "consumice" e vício de poder. Precisamos encarar a sociedade do consumo que coloca na vitrine a túnica de fios dourados, o barrete da moda, a sobrepeliz mais cara e que desvirtua o caráter litúrgico de serviço", escreve Guilherme Gutierrez Godoy Aguiar, jesuíta, estudante de Filosofia na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia - FAJE em artigo enviado ao Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Enquanto quisermos domesticar a liberdade do Espírito, continuaremos a pecar contra Ele. É criativo, cuidador, diverso em dons. Colocá-lo em moldes dificulta seu ofício santificador.
Quantos de nós somos educados a calar o Espírito de Deus que se move em nós por causa dos modelos machistas herdados? Homens e mulheres que sentem sua força, mas não conseguem expressá-la ou não são acompanhados para expressá-la da melhor forma, abortando o poder da criação que habita dentro de si.
A partir do magistério de Francisco, acredito que a preocupação não seja com expressões sensíveis chamadas pelo machismo e sua linguagem chula por "bichice". Observando a realidade concreta, acredito que o Papa esteja preocupado com a cultura da "consumice" que deturpa, desvirtua e condiciona todas as dimensões constitutivas do ser humano.
A palavra do Papa, não tem a ver com a sensibilidade humana que pode ser ordenada para a construção do Reino. Conheço bons religiosos e religiosas que dispõem sua sensibilidade homoafetiva para o cuidado, para a arte, para a educação, para o outro, tal qual Jesus, que, por amor, se antecipava.
Penso em um violão que precisa ser afinado por um bom instrumentista. Para o instrumento voltar a soar em toda a sua beleza fundamental é preciso considerar sua fabricação, idade, suas experiências de uso, os arranhões que levou, rachaduras e as condições de suas cordas que, às vezes, precisam ser trocadas por outras novas. Pode acontecer que seja necessário descobrir outra afinação porque o cavalete já não suporta a tensão almejada. Ou ainda, às vezes, só é preciso tirar o pó acumulado pelo tempo em que ficou guardado, e o violão volta a fazer todos cantarem, sentirem e viverem.
Toda criatura emana os dons do Criador, por virtude. Acompanhados, podemos afinar-nos em nossos afetos, todos nós, para sermos plenos, oferecendo-nos a nós mesmos pela edificação do Reino.
Por isso, creio que não é "bichice", mas "consumice" e vício de poder. Precisamos encarar a sociedade do consumo que coloca na vitrine a túnica de fios dourados, o barrete da moda, a sobrepeliz mais cara e que desvirtua o caráter litúrgico de serviço.
A Igreja, que é inserida no mundo e, com ele, atravessa e vive as marcas dos tempos, não está isenta de padecer das graças, mas também das mazelas provocadas por revoluções que nos colocam sempre em cheque.
Sobretudo nos jovens filhos deste tempo que se apresentam para a formação clerical e que são seduzidos por um marketing vocacional luxuoso e um portifólio de privilégios. Nossa cultura ocidental tem nos confundido, ofuscando os fundamentos da fé e suas consequências.
Não é "bichice", companheiro Francisco. É consumismo. E, sim, precisamos assumir que, dentro das nossas igrejas, ele tem corroído nossas práticas com seda e cetim. Talvez, como se revivendo uma nova marcha de contra-reforma. Só que, diferente daquela do século XVI, agora o “herege” é a própria Igreja e o Concílio Vaticano II.
Os jovens são sujeitos destes dois vetores sociais: a homoafetividade e o consumo. Como se sabe, a Igreja precisa avançar muito na integração ao mundo das juventudes, perceber seus dramas e, sobretudo, reconhecê-las como Graça de Deus no nosso tempo. A violência sofrida pelas juventudes, em formação religiosa ou não, faz deles e delas pessoas a serem acolhidas, reparadas, assessoradas, acompanhadas para que floresçam segundo o seu chamado. Sem corrupções ou ilusões. Porque todos somos colaboradores da missão de Cristo, em potência e virtude.
Obrigado, Papa Francisco, por reconhecer e acolher a todos! Como Pastor que não deixa para trás nenhuma das suas ovelhas.
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Sensibilidade e consumo, preconceito e cruz. Artigo de Guilherme Gutierrez Godoy Aguiar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU