19 Agosto 2024
"Mas mesmo a não assinatura comporta riscos, especialmente por causa do empenho assumido com os estadunidenses. Se o Hamas dissesse não, as coisas mudariam, e talvez seja por isso que o Hamas vem repetindo há tempo que para ele valem os princípios oficialmente estabelecidos por Biden. O claro otimismo do qual falaram os porta-vozes estadunidenses não está claro em que se baseia, nenhum comunicado o esclareceu, como era de se esperar.", escreve Riccardo Cristiano, jornalista, em artigo publicado por Settimana News, 17-08-2024. Tradução de Luisa Rabolini.
É difícil acreditar que seja uma coincidência que, no Líbano, a verdadeira notícia do dia de ontem tenha sido a incrível demonstração de força que o Hezbollah quis dar; em Jerusalém, a investigação sobre o pogrom realizado justamente na noite de sexta-feira, nas horas do início da negociação, por alguns colonos israelenses que atacaram a aldeia palestina de Jit, levando à indignação o Chefe de Estado Isaac Herzog; em Gaza, o anúncio oficial pelas autoridades de saúde locais do primeiro caso documentado de poliomielite.
Tudo isso acontecia enquanto a grande negociação de Doha estava em pleno andamento. Que não levou a um acordo, mas que de fato ainda não estaria concluída. Os principais negociadores foram embora, mas seus colaboradores estão definindo os novos termos das mudanças discutidas no plano de paz anunciado por Biden em 31 de maio, especificado com mais detalhes por israelenses e pelo Hamas nos meses seguintes e que agora passa por novos ajustes.
O produto final será apresentado em uma nova reunião plenária no Cairo na próxima semana. O Hamas não enviou seu próprio delegado para a negociação, mas na cidade há um representante permanente do Hamas que esteve em contato constante com a equipe dos mediadores.
Pelo que se pode reconstruir, parece que Israel teria pedido, acima de tudo, mudanças para a segurança: para evitar que entre os palestinos que poderão retornar ao norte da Faixa de Gaza tenham armas, gostaria de manter uma presença militar no cruzamento estratégico de Netzarim, no centro da faixa, e depois pediria para ter o controle do corredor Filadélfia, uma fina faixa ao longo da fronteira com o Egito, considerada indispensável para evitar a entrada de armas do Egito.
O Hamas já informou que a retirada militar deve ser total, conforme indicado por Biden em seu discurso de 31 de maio. Os mediadores, Estados Unidos, Catar e Egito, asseguram que existe uma proposta de ponte entre as posições opostas sobre os pontos ainda não resolvidos e que é amplamente compartilhada pelas partes.
Também haveria problemas com relação aos nomes dos prisioneiros palestinos a serem libertados conforme acordado: o número não estaria em discussão, mas Israel não aceitaria libertar nenhum dos prisioneiros pedidos, enquanto que, no que diz respeito ao número de reféns vivos a serem libertados imediatamente após o acordo, nada ficou claro: até mesmo sobre isso foi dito nos últimos dias que não haveria entendimento.
Para muitos comentaristas, Israel ganhou tempo ao fazer novas exigências. Um acordo poderia colocar em crise o governo de Netanyahu, já que os ministros da extrema direita disseram de todas as formas que se trataria de um erro capital.
Mas mesmo a não assinatura comporta riscos, especialmente por causa do empenho assumido com os estadunidenses. Se o Hamas dissesse não, as coisas mudariam, e talvez seja por isso que o Hamas vem repetindo há tempo que para ele valem os princípios oficialmente estabelecidos por Biden. O claro otimismo do qual falaram os porta-vozes estadunidenses não está claro em que se baseia, nenhum comunicado o esclareceu, como era de se esperar.
Washington obviamente quer evitar também um ataque iraniano a Israel, a retaliação há tempo anunciada pelo assassinato do líder do Hamas, Hanyeh, em Teerã. O cessar-fogo parece ser a “virada” que daria aos aiatolás uma saída sem embarcar em novas aventuras.
É assim que deve ser entendido o telefonema do emir do Qatar para Teerã, que teria explicado aos iranianos os progressos realizados, informando-os sobre tudo (de forma crível, dadas as boas relações bilaterais) e pedindo que não tomassem ações que prejudicariam Gaza.
Juntamente com tudo isso e muito mais, merece ser mencionada a incrível escolha feita ontem pelo Hezbollah. Os estadunidenses estão confiantes de que o cessar-fogo em Gaza criará as condições para um cessar-fogo também entre o Hezbollah e Israel. O Hezbollah divulgou, por meio de sua estação de televisão, al Manar, um vídeo no qual é possível ver um de seus túneis. Dura quatro minutos e meio e revela algo dificilmente imaginável. Naquele que de certa forma indica uma cidade subterrânea, pode-se ver um espaço pelo qual passam facilmente caminhões com reboques: o túnel mostrado claramente tem ramificações de dimensões semelhantes e vários cruzamentos.
Considerado por muitos uma mensagem para Israel, já que Nasrallah diz que o Hezbollah está pronto para a aguardada vingança pelo assassinato de seu comandante Shukr, para muitos libaneses pareceu ser uma mensagem dirigida principalmente a eles: o Líbano somos nós, que ninguém tente nos limitar ou mesmo nos desafiar.
Isso é o que, com razões evidentes, muitos líderes da oposição argumentaram. Certamente não é coincidência que essa demonstração de força tenha sido feita no dia da negociação de Doha, mas ontem também foi a véspera do primeiro apagão nacional. O Líbano ainda não encontrou os suprimentos de energia necessários para evitá-lo, enquanto o Hezbollah mostrou toda a sua eficiência.
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Negociações de Doha: pequenos passos. Artigo de Riccardo Cristiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU