28 Mai 2024
"Sobre os reféns, é melhor jogar um véu de compaixão: com as negociações, 54 foram trazidos para casa, com a ação militar dois. O que foi escolhido para libertar os restantes? A ação militar. Se forem adicionados os milhares de pessoas deslocadas no norte, onde continua firme o lançamento de mísseis mútuos com o Hezbollah e os danos infligidos pelos Houthis ao porto de Eilat, além das dificuldades econômicas de uma guerra sem precedentes por duração na história do país, resulta um quadro completo do desastre estratégico em que se enfiou o governo Netanyahu, cada vez mais refém da visão paranoicas do líder e das pretensões messiânicas de seus aliados", escreve Davide Assael, judeu italiano, fundador e presidente da associação lech lechà, professor de filosofia e escritor, em artigo publicado por Domani, 24-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Mais nuvens estão se adensando no horizonte israelense, além do pedido do Procurador Khan. A ameaça egípcia de ficar do lado da África do Sul no contencioso aberto no Tribunal de Justiça internacional revela o fracasso total da estratégia adotada após o 7 de outubro. Queria-se erradicar o Hamas; foi fortalecido politicamente. Os mecanismos de consenso são sempre delicados, nunca são automáticos e, sobretudo, não redutíveis a levantamentos, especialmente em zonas tão delicadas.
Pode ser que os habitantes de Gaza acabem por culpá-lo pelo que estão sofrendo agora, sendo claro para qualquer um que a reação israelense ao massacre que sofreu não teria precedentes. Sem falar da gestão cotidiana da Faixa, bem revelada por uma matéria do NYT, que descreve em detalhes o sistema mafioso de governo do grupo fundamentalista.
No entanto, é evidente, mesmo para quem tem os olhos vendados, que, se antes da guerra estava em crise e sofria a concorrência das várias siglas que orbitam a galáxia da jihad islâmica, hoje o Hamas se repropôs como sujeito hegemônico, a ponto de impor a sua presença nas negociações para o período pós-conflito. Israel, além disso, tinha à sua disposição um cenário inédito no Oriente Médio, com os países sunitas, já há tempo prestes a se aproximar do Estado judaico, dispostos a criar um eixo histórico de viés anti-Irã. A resposta ao ataque iraniano de abril foi mais uma prova disso, com a Jordânia e a Arábia Saudita dispostas a ceder seu espaço aéreo para facilitar a defesa orquestrada pelos EUA. Em palavras defenderam a si mesmos, nos fatos seu antigo inimigo.
Depois de ter rejeitado várias vezes a mão de Bin Salman, dispostos a levar a cumprimento o percurso dos Acordos de Abraão e depois de ter várias vezes cutucado os governos nacionalistas árabes empenhados numa campanha interna de repressão ao apoio pró-Palestina, vê agora posto em discussão também o posicionamento histórico do Egito, ao lado de Tel Aviv desde o longínquo 1979, exceto pelo breve parêntese de Morsi que levou ao rompimento das relações diplomáticas. Não vamos falar da relação com os Estados Unidos. Já em crise durante o período da contestada reforma judiciária, está se deteriorando ainda mais nestes meses de guerra, onde já vimos o governo dos EUA abster-se de pôr o veto sobre a resolução para um imediato cessar-fogo no final de março e onde, mais recentemente, o Congresso bloqueou um envio de armas. Em tudo isso, o Hamas continua a lançar os seus mísseis em direção às cidades do sul de Israel, embora o seu poder de fogo seja, obviamente, enormemente reduzido em comparação com os milhares de foguetes sobre todo o território israelense do início do conflito; Yahya Sinwar, dado ora sim ora não como morto, está vivo e bem na cidade subterrânea sob a Faixa e a ala política jacta-se como se nada tivesse acontecido a parti das suas suítes no Catar.
Sobre os reféns, é melhor jogar um véu de compaixão: com as negociações, 54 foram trazidos para casa, com a ação militar dois. O que foi escolhido para libertar os restantes? A ação militar. Se forem adicionados os milhares de pessoas deslocadas no norte, onde continua firme o lançamento de mísseis mútuos com o Hezbollah e os danos infligidos pelos Houthis ao porto de Eilat, além das dificuldades econômicas de uma guerra sem precedentes por duração na história do país, resulta um quadro completo do desastre estratégico em que se enfiou o governo Netanyahu, cada vez mais refém da visão paranoicas do líder e das pretensões messiânicas de seus aliados.
Infelizmente, até o momento, ninguém conseguiu encontrar uma alternativa de governo. Considerando a situação, que sirva de alerta para todas as democracias do mundo, que viram a substituição de partidos históricos, enraizados nos territórios, por movimentos personalistas desprovidos de qualquer base sólida e incapazes de fazer realmente política. Desde que Gantz entrou no gabinete de guerra, sua voz tornou-se mais fina do que aquela da Transcendência (referência bíblica). Veremos se manterá fé ao ultimato de 8 de junho dado nestas horas a Netanyahu. Enquanto Lapid parece totalmente incapaz de contrapor a narrativa dominante e impor o tema das fronteiras do Estado.
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Mais nuvens sobre Israel: os riscos da mudança de posição do Egito. Artigo de Davide Assael - Instituto Humanitas Unisinos - IHU