24 Agosto 2023
"A acusação não é de natureza circunstancial, não surge da suspeita ou relata com leveza casual rumores que podem ser interessados e caluniosos. Existem as provas. Um volumoso e minuciosos Relatório do Human Rights Watch com 350 vídeos, imagens de satélite e não, de pelo menos vinte massacres, testemunhos confirmados de sobreviventes, fotos de feridas horríveis infligidas a migrantes e examinadas por médicos patologistas. Os relatores das Nações Unidas já haviam soado o alarme no ano passado quando falaram de centenas de vítimas nessa fronteira", escreve Domenico Quirico, jornalista italiano, em artigo publicado por La Stampa, 22-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Al Thabit e Al Raqw: anotem esses nomes, repitam-nos até se lembrar deles. Caso contrário seremos, mais uma vez, cúmplices, e de resignação em resignação só aprenderemos uma coisa: a nossa radical impotência. Esses nomes são dois campos para migrantes, para fugitivos, para ilegais, especialmente etíopes, a um passo da fronteira entre o Iémen e a Arábia Saudita, uma encruzilhada de desespero e esperança sob um céu aberto, indecifrável e infinito. São lugares onde se cometem delitos, onde o mal não é apenas uma noção metafísica ou religiosa. É uma realidade tangível biológica, psicológica e histórica. Ali o mal pode ser tocado, o mal provoca dor. O mal tem culpados.
Quantas vítimas, quantos homens, mulheres, crianças foram assassinados a golpes de morteiro, granadas e rajadas de metralhadoras pelos guardas de fronteira sauditas, depois de uma hora ou cem anos de vida, ninguém sabe. Centenas, com certeza. A vida por um instante, em mar aberto, com todas as velas levantadas, sob o ímpeto do vento ... e de repente tudo desaba, afunda, a pique. Como uma pedra. É verdade: os migrantes possuem apenas a sua própria morte, a experiência da sua morte, para mostrar a realidade da vida, para expressá-la, para levá-la adiante, não têm outra maneira senão perdê-la.
Vamos recapitular a acusação: abandonados do Chifre de África, vindos especialmente da Etiópia, muitos em fuga da guerra civil no Tigré, do Djibuti passam para o Iêmen, sobem novamente e tentam passar pela fronteira com a Arábia Saudita. Sempre histórias de partidas, sem conseguir lembrar nada de bom, uma esperança por algo que eles sabem que nunca acontecerá. Não atravessam nada que já não conhecem: porque também aqui há guerra, fome, massacres, a reconhecível dor de cada dia. Aqui eles encontram seus assassinos, os soldados sauditas. Estamos, portanto, perante um crime, não culposo, como o para o barco-patrulha que chega atrasado para resgatar o barco no Mediterrâneo. Aqui estamos diante de assassinatos voluntários, planejados, decididos em cúpulas reais e governamentais, realizados com aquele algo a mais que o algoz executor, os guardas de fronteira sauditas, acrescenta como violência fria, pensada, ciente de usufruir de impunidade. Jurídica e até teológica dada a natureza do regime do qual ainda é profeta o setecentista Abdul Wahab, o Lutero do Islã que os outros sacerdotes expulsaram da Meca por seu irritante fanatismo puritano.
A acusação não é de natureza circunstancial, não surge da suspeita ou relata com leveza casual rumores que podem ser interessados e caluniosos. Existem as provas. Um volumoso e minuciosos Relatório do Human Rights Watch com 350 vídeos, imagens de satélite e não, de pelo menos vinte massacres, testemunhos confirmados de sobreviventes, fotos de feridas horríveis infligidas a migrantes e examinadas por médicos patologistas. Os relatores das Nações Unidas já haviam soado o alarme no ano passado quando falaram de centenas de vítimas nessa fronteira.
Sabemos quem é o culpado: nome, sobrenome, títulos, fotografias recentes nas quais ele é perfeitamente reconhecível, domicílio confirmado em Riad, de forma que não poderá negar que nada sabe da acusação como outros criminosos de países infelizmente altamente respeitados. Ele tem precedentes pesados e graves, estes também comprovados, que intensificam a tendência para cometer crimes e confirmam a confiabilidade das novas acusações. Mandou matar e cortar em pedaços por alguns de seus capangas, como era costume na corte de Atreu, um opositor, alguém que criticava de maneira branda e educada as suas mentiras modernistas. E, além disso, há a guerra ilegítima e criminosa desencadeada contra o Iêmen, o Iêmen dos hereges Huthi, combatida com bombardeios indiscriminados de escolas, cidades, hospitais e o plano deliberado de matar de fome com um bloqueio implacável, a população privando-a de alimentos e remédios.
Aqui está: o massacre de migrantes na fronteira parece ser o aperfeiçoamento criminoso, a sequência homicida que nosso assassino real perpetra depois de outro crime. Como se a impunidade que lhe asseguramos, fingindo não saber, aliás, renovando-lhe reverências e bons negócios, só pudesse encontrar absolvição definitiva em outro crime perfeito. Ele sabe que não nos faltam provas, o Magnífico de Riad, falta-nos firmeza. Sabe, como outros de sua laia de quem somos obscenamente amigos, que não costumamos sentir simpatia pelas vítimas que não nos pertencem, simpatia no sentido que os estoicos davam a essa palavra, ou seja, aquela força emotiva que une as coisas e os espíritos e lhes confere consistência. Que faz com que os elementos separados, ou seja, as vítimas, se tornem universo. O assassino é, portanto, o príncipe Bin Salman. Sabemos que com esses nome e sobrenome nos adentramos em águas perigosas. Porque o príncipe e as outras criminosas petro-satrapias da região estão entre os Nossos, são o pilar da “estabilidade do Médio Oriente”. Ou seja, nos servem. Os ingleses passaram para os Sauditas, os Emirados, etc. aos estadunidenses, como se passa a licença de uma tabacaria ou de um táxi. O príncipe gasta, compra, investe, financia, promete a copa do mundo de futebol, até concede carteira de motorista para as mulheres. O que mais vocês querem? Moderniza! Ele é a própria Renascença, alguém garante.
O importante é que nos traga dinheiro no bolso e gasolina no posto. Que chato, esse negócio de petróleo!
No entanto, quando queremos, estamos prontos a fazer qualquer coisa para fechar a torneira daqueles que definimos como maus e encontrar outros fornecedores.
Riad nega que os seus soldados tenham matado migrantes. Mas basta um simples não diante das acusações de massacres de dezenas de pessoas que os contrabandistas do deserto do Iêmen iniciaram nas trilhas dos contrabandistas que de Sadah, no Iêmen, levam a Al Jawt? À evidência do uso de morteiros e armas leves contra eles depois de tê-los trazido de volta à fronteira? Em alguns casos há testemunhos que nos fazem gemer: perguntou-se às vítimas com atroz escárnio em que membros preferiam ser atingidas. Contentamo-nos com essa negação desdenhosa e precipitada? Não gostaríamos que a resposta estivesse no anúncio do governo britânico de que o primeiro-ministro Sunak receberá “o quanto antes” o caro príncipe em Londres.
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Bin Salman e o massacre de refugiados em meio às reverências do Ocidente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU