16 Agosto 2024
"O verdadeiro nó teológico são as afirmações dogmáticas do Vaticano I sobre a infalibilidade e a jurisdição universal do papa. Ortodoxos e protestantes consideram tais dogmas incompatíveis com a fé da tradição, com o texto das Escrituras e com sua própria eclesiologia", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 13-08-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
"Em uma época em que os resultados do empenho ecumênico são frequentemente considerados escassos ou insignificantes, os resultados dos diálogos teológicos - internacionais e nacionais, oficiais e não oficiais - demonstram o valor de sua metodologia, ou seja, de uma reflexão feita 'evidentemente juntos'."
No atual "inverno ecumênico", mercê particular atenção um documento de estudo do Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos, apresentado em Roma em 13 de junho passado pelos cardeais Kurt Koch e Mario Grech, juntamente com K. Barsamian e I. Ernest. Diz respeito ao serviço petrino e à prática sinodal. O título é: O Bispo de Roma. Primado e sinodalidade em diálogos ecumênicos e nas respostas à encíclica Ut unum sint.
O possível desenvolvimento do primado petrino se cruza com a prática e a demanda de sinodalidade, às vésperas da segunda assembleia sinodal dedicada ao tema. Uma das dificuldades mais relevantes nas relações entre as confissões cristãs – o primado do bispo de Roma - abre possibilidades novas e sem precedentes em conexão com o impulso sinodal.
O estudo se estende por 148 páginas e 180 números. É dividido em quatro capítulos, além de um resumo, das propostas da assembleia plenária do Dicastério e das fontes.
De onde nasce o texto? João Paulo II escreve, em 1995, a encíclica Ut unum sint para confirmar o impulso ecumênico e encontrar, junto com as outras confissões cristãs, as formas do ministério do Bispo de Roma, que é útil e necessário para as Igrejas cristãs como um todo. Convida as outras confissões e todas as realidades interessadas (grupos, universidades, teólogos) a lhe responder. Em 2001, o Pontifício Conselho reuniu as primeiras respostas.
Este segundo estudo, de 2024, amplia a recepção para cerca de trinta respostas das várias confissões e cinquenta contribuições de grupos, experiências e debates sobre o tema.
Desde o início, é reconhecida a necessidade de encontrar uma forma de exercício do primado que, "sem renunciar de modo algum ao essencial de sua missão, esteja aberta a uma nova situação" (3). O fundamente dessa abertura é a distinção entre a natureza do primado e as formas temporais em que é exercido. Uma distinção motivada por um evento e uma orientação eclesial.
O evento é a renúncia de Bento XVI, que, em 2013, reconhece sua incapacidade de administrar bem o ministério em vista de sua idade e das doenças que o estão incapacitando.
A orientação eclesial, por outro lado, é constituída pela decidida aceleração da sinodalidade trazida pelo Papa Francisco. "Ao fazer da sinodalidade um tema chave de seu pontificado, o Papa Francisco enfatiza a importância de uma sinodalidade fundamentada no sensus fidei do povo de Deus ‘infallible in credendo’, que é essencial para uma renovada compreensão do ministério petrino" (5).
As respostas vieram de muitos diálogos nacionais e internacionais, de muitas pesquisas acadêmicas e de alguns lugares específicos que alimentam o diálogo ecumênico há décadas.
No diálogo com as Igrejas Ortodoxas, o tema do primado ocupa os dois últimos dos sete documentos aprovados pelas recíprocas comissões. Deve-se observar, no entanto, que a Igreja Ortodoxa Russa foi uma notável exceção ao debate, cujo resultado dramático também pode ser visto na infundada adesão à linha imperial de Putin na agressão contra a Ucrânia.
Também participaram do diálogo as Igrejas Ortodoxas Orientais (as não eslavas e helênicas), a Comissão Conjunta Anglicano-Católica, a ARCIC, a Comissão Internacional Luterano-Católica, a Comissão Metodista-Católica, as Igrejas Reformadas, os Católicos Veteranos, várias famílias evangélicas e pentecostais, a Comissão de Fé e Constituição do CEC, o Grupo Dombes e outros.
O tema do primado esteve presente, direta ou indiretamente, em quase todos os diálogos ecumênicos.
Mas eu gostaria de enfatizar, em particular, alguns eventos, mencionados sem maior desenvolvimento no texto, que me parecem indicativos para um seu exercício no futuro, capazes de envolver e representar também as outras confissões cristãs.
Poder-se-ia recordar os muitos encontros diretos dos papas com os responsáveis das outras Igrejas, a começar pelo de Paulo VI com Atenágoras em 1964, mas mencionarei os mais recentes.
Em 2016, em Lund (Suécia), o início da comemoração do 700º aniversário da Reforma. O Papa Francisco a celebra junto com a bispa local e os responsáveis internacionais. Na declaração conjunta, está escrito: "Ao mesmo tempo em somos profundamente gratos pelos dons espirituais e teológicos recebidos por meio da Reforma, confessamos e deploramos diante de Cristo o fato de que luteranos e católicos feriram a unidade visível da Igreja. As diferenças teológicas foram acompanhadas por preconceitos e conflitos, e a religião foi instrumentalizada para fins políticos. Nossa fé comum em Jesus Cristo e nosso batismo exigem de nós uma conversão diária, graça à qual repudiamos os dissensos e os conflitos históricos que impedem o ministério da reconciliação".
Em 2016, o papa visita Lesbos, emblema da passagem dos migrantes para a Europa, juntamente com o Patriarca Ecumênico Bartolomeu e o Arcebispo de Atenas. A declaração conjunta afirma: "Nós, Papa Francisco, Patriarca Ecumênico Bartolomeu e Arcebispo Ieronymos de Atenas e de toda a Grécia, nos encontramos na ilha grega de Lesbos para expressar nossa profunda preocupação pela trágica situação dos numerosos refugiados, migrantes e pessoas que buscam asilo que chegaram à Europa fugindo de situações de conflito e, em muitos casos, de ameaças diárias à sua sobrevivência.
A opinião mundial não pode ignorar a colossal crise humanitária, que se originou devido à disseminação da violência e do conflito armado, da perseguição e do deslocamento de minorias religiosas e étnicas e do desenraizamento de famílias de suas casas, em violação à dignidade humana, aos direitos e às liberdades fundamentais humanas."
Em 2018, em Bari, os chefes das Igrejas cristãs que têm fronteira com o Mediterrâneo se reúnem para um testemunho mútuo sobre a necessidade de paz e diálogo inter-religioso. Na conclusão, o Papa declara: "Encorajados uns pelos outros, dialogamos fraternalmente. Foi um sinal de que o encontro e a unidade devem ser sempre buscados, sem medo das diversidades. Assim também a paz: deve ser cultivada mesmo nos solos áridos das contraposições, porque hoje, apesar de tudo, não há alternativa possível à paz. Não serão as tréguas garantidas por muros e provas de força que trarão a paz, mas a real vontade de escuta e diálogo".
Em 2019, acontece o encontro espiritual dos líderes sul-sudaneses no Vaticano, com a presença do arcebispo anglicano Justin Welby.
Em 2023, a viagem ecumênica pela paz com Welby e o reverendo Greenshields. Também em 2023, a reunião ecumênica antes da celebração da assembleia sinodal em Roma com a presença de todas as igrejas cristãs.
Restam a ser enfrentadas as questões teológicas. Em primeiro lugar, os fundamentos escriturísticos do primado petrino (Mc 16,17-19 e Jo 21,15ss). Sabe-se que esses textos são lidos de forma diferente pelas Igrejas, mas há hoje um amplo consenso sobre o reconhecimento da autoridade de Pedro e de Paulo com relação à fé da Igreja e, consequentemente, à autoridade difundida entre os pastores e o povo de Deus com relação à fé e à sua permanência.
A afirmação de fé de Pedro evidencia três dimensões complementares: a comunitária, a colegial e a pessoal. "Os católicos foram desafiados a reconhecer e evitar uma projeção anacrônica de todos os desenvolvimentos doutrinários e institucionais relativos ao ministério papal nos textos petrinos e a redescobrir uma diversidade de imagens, interpretações e modelos no Novo Testamento" (n. 36).
De modo mais geral, o exercício da autoridade episcopal é comum a todas as confissões. Dele pode tirar inspiração um exercício específico da episcopé a serviço de toda a Igreja. Uma e outra estão sob o signo do serviço e o mistério da cruz. A compreensão do ministério de Pedro teve um desenvolvimento importante e diversificado na tradição patrística.
Outra questão é definir se o papado seria de jure divino ou de jure umano. As muitas discussões tendem a reconhecer as duas dimensões juntas, a divina e a humana. "As categorias do direito divino e direito humano devem ser reexaminadas e colocadas no contexto do ministério como serviço da comunhão da salvação" (49). "O ius divinum nunca pode ser adequadamente distinguido do ius humanum. O ius divinum é sempre e somente mediado por formas históricas particulares" (52). A superação da contraposição está ligada à distinção entre essência teológica e contingência histórica do primado. "Os conteúdos concretos de seu exercício caracterizam o ministério petrino na medida em que expressam fielmente a aplicação às circunstâncias de lugar e tempo das exigências da finalidade última que lhe é própria (a unidade da Igreja). A maior ou menor extensão desses conteúdos concretos dependerá de cada época histórica da necessitas Ecclesiae" (55). O mesmo que dizer que é possível explicitar diversamente o ministério petrino não apenas nos diferentes momentos da história, mas também dentro da Igreja do Ocidente em relação a outras igrejas e confissões.
O verdadeiro nó teológico são as afirmações dogmáticas do Vaticano I sobre a infalibilidade e a jurisdição universal do papa. Ortodoxos e protestantes consideram tais dogmas incompatíveis com a fé da tradição, com o texto das Escrituras e com sua própria eclesiologia.
Os diálogos explicaram extensivamente o contexto histórico específico daquelas afirmações, a distinção entre intenção e formulação, entre formulação e recepção, a necessária conexão com as doutrinas do Vaticano II (colegialidade e depois sinodalidade), o vínculo ininterrupto com o primeiro milênio.
As formulações da assembleia de 1868-1870 eram historicamente condicionadas por desafios culturais e históricos que colocavam em questão a Igreja: do galicanismo ao "regalismo", do liberalismo anticlerical ao racionalismo. Para o movimento externo a Roma, isso exigia uma autoridade centralizada no modelo nas soberanias da época.
Ao distinguir entre "enunciado" (enuntiabile) e "coisa" (res), infalibilidade e jurisdição universal podem ser apresentadas como uma garantia da unidade da Igreja e uma reivindicação da liberdade da proclamação. A infalibilidade não é uma qualidade pessoal e requer condições precisas: não é independente da Igreja, não é superior à Palavra, não é absoluta, porque o papa não cria um novo ensinamento.
"A infalibilidade atribuída ao bispo de Roma é um dom para ser, em determinadas circunstâncias e sob precisas condições, um órgão da infalibilidade da Igreja" (70). "A jurisdição do bispo de Roma como primado universal é chamada de ordinária e imediata (isto é, não mediada) porque é inerente ao seu ofício; é chamada de universal simplesmente porque deve permitir-lhe servir a unidade e a harmonia da koinonia como um todo e em cada uma de suas partes" (67).
Interpretações que encontram legitimidade desde a origem, como mostra a resposta sobre o primado jurisdicional dado pelos bispos alemães ao despacho de Bismarck em 1875.
Há questões que ainda precisam ser esclarecidas: o primado do Evangelho, a infalibilidade ao serviço da indefectibilidade da Igreja, o exercício da colegialidade episcopal, a necessidade da recepção.
Há um tendencial reconhecimento sobre o "quanto seja vital para as Igrejas falar, quando as circunstâncias o exigirem, com uma só voz no mundo e como um ofício de ensinamento universal, como o do papa, possa exercer um ministério de unidade em vez de um ministério restritivo ou repressivo" (71). Em muitos textos dos diálogos teológicos, perpassa a atestação da oportunidade-necessidade de um primado para toda a Igreja.
Além dos argumentos escriturísticos tradicionalmente apresentados pela Igreja Católica, os documentos propõem outras justificativas: o argumento da tradição apostólica, o argumento eclesiológico e o argumento pragmático.
Para os ortodoxos, para além das muitas diferenças, é reconhecida a necessidade de um primado. Menos convencidos os ortodoxos russos e as Igrejas Ortodoxas Orientais.
As Igrejas ocidentais estão menos interessadas na tradição apostólica e na proeminência das sedes patriarcais, mas não recusam a sugestão do primado. De um ponto de vista eclesiológico, os luteranos reconhecem que o ministério petrino, em linha de princípio, não é contrário às Escrituras e tem uma função para com todas as Igrejas particulares. Para os ortodoxos, a dimensão primacial e sinodal juntas é reconhecível em nível local e regional. Também deveria poder existir em nível universal. Menos conhecida é a motivação pragmática. "Em um mundo cada vez mais globalizado, muitas comunidades cristãs que por muito tempo privilegiam a dimensão local sentem cada vez mais a necessidade de uma expressão visível da comunhão em nível mundial. A maioria das comunhões, federações e alianças mundiais, bem como os órgãos ecumênicos, foram estabelecidos no último século para manter e fortalecer os laços de unidade em nível regional e mundial" (84).
A Igreja Anglicana, por exemplo, refletindo sobre as experiências recentes, aprecia cada vez mais, além dos ministérios colegiais, um serviço pessoal de unidade da fé. E isso também para exigências missionárias e de diálogo inter-religioso, como afinal mostra o documento de Abu Dhabi sobre a Fraternidade Humana (2019).
Desse ponto de vista, também a tradição protestante não exclui mais por princípio a possibilidade de um serviço de unidade pessoalmente representado.
A memória do primeiro milênio é decisiva, em que as expressões de comunhão, mesmo desprovidas de uma estrutura legal, demonstravam uma deferência decisiva às sedes patriarcais e à de Roma e Constantinopla em especial. "Mesmo que não houvesse um ponto de referência central claro, Roma era de toda forma reconhecida como a primeira sede. A carta de Clemente aos Coríntios, as afirmações de Inácio de Antioquia e de Irineu de Lyon convergem em reconhecer a autoridade preeminente de Roma. Na sensibilidade oriental, essa memória permaneceu na forma de "precedência", do "protos". "O primado reconhecido à Igreja de Roma implicava uma autoridade na Igreja, não o governo da Igreja" (88).
Há um texto particular, o Cânon Apostólico 34, que, combinando primado com conciliaridade, expressa o modelo de referência.
"Os bispos do povo de uma província ou região [ethnos] devem reconhecer aquele que é o primeiro [protos] entre eles e considerá-lo seu chefe [kephale], e não fazer nada de importante sem seu consentimento [gnome]; cada bispo pode fazer apenas o que diz respeito à sua própria diocese [paroikia] e seus territórios dependentes. Mas o primeiro [protos] não pode fazer nada sem o consenso de todos. Pois dessa forma a concórdia [homonoia] prevalecerá e Deus será louvado por meio do Senhor no Espírito Santo". Outro elemento importante do primado exercido no primeiro milênio é o direito de recorrer ao patriarca e a Roma. "Os cânones de Sardica estabeleciam que um bispo condenado podia fazer recurso ao bispo de Roma e que este, se considerasse apropriado, podia ordenar um novo julgamento, que deveria ser conduzido pelos bispos de uma província próxima à do bispo apelante" (101).
O caso específico da recepção de um concílio ajuda a entender o primado do primeiro milênio. O reconhecimento de um concílio como ecumênico implicava a concordância dos chefes das Igrejas, a cooperação do bispo de Roma e o acordo dos outros patriarcas. Fica a evidente diversidade dos modelos eclesiais em vigor no primeiro milênio, por exemplo, entre Alexandria e Roma. E isso leva a se questionar a possibilidade de modelos eclesiais diferentes também no presente, mesmo que contidos na mesma comunhão universal.
"Em uma Igreja reunificada, o papel do bispo de Roma deve ser cuidadosamente definido, tanto em continuidade com os antigos princípios estruturais do cristianismo quanto em resposta às necessidades do mundo de hoje" (109).
Duas estruturas recorrentes emergem dos diálogos, que ajudam a imaginar um exercício do primado de Pedro no século atual. A combinação, isto é, de uma estrutura comunitária-colegial-pessoal com a articulação entre nível local-regional-universal. Não haverá primado sem sinodalidade e conciliaridade: “primado e conciliaridade são mutuamente interdependentes. Por essa razão, o primado nos diferentes níveis da vida da Igreja (local, regional e universal) deve ser sempre considerado no contexto da conciliaridade, e a conciliaridade, da mesma forma, no contexto do primado" (112). Como disse o Papa Francisco: "Nessa visão, o ministério primacial é intrínseco à dinâmica sinodal, assim como o aspecto comunitário que inclui todo o povo de Deus e a dimensão colegial relativa ao exercício do ministério episcopal" (118). Em outras palavras, em muitos diálogos ecumênicos, a dimensão comunitária-colegial-pessoal é operativa em todos os níveis. Na comunidade local, que reconhece seus ministros e seus protos; na diocese, que tem seu bispo, presbitério e responsáveis das comunidades; no ministério petrino, que une a sinodalidade universal com a colegialidade episcopal e o exercício do primado.
As diversas tradições confessionais enfatizam um ou outro elemento (os protestantes a comunidade local, os ortodoxos o bispo e os católicos o papa), mas é importante para um futuro comum que se encontre um equilíbrio tolerável entre os diversos níveis e tradições. Em particular, "a unidade pressupõe que as nossas Igrejas continuem a ter o direito e o poder de se governar de acordo com suas próprias tradições e disciplinas" (129).
Entre as sugestões para nós, católicos: o distinto papel do clero no contexto local, a distinta autoridade das conferências episcopais e a prática sinodal em todos os níveis. Trata-se de aplicar a subsidiariedade, inventada pela Igreja em prol da sua doutrina social, mas que deve ser aplicada também dentro dela mesma: cada instância (local, diocesana, colegial, universal) é chamada a resolver responsavelmente seus problemas, a menos que eles só possam ser enfrentados junto com todos.
Voltando ao primado papal, há aqueles que pediram um tipo de limitação voluntária no exercício do primado. Ou seja, o poder do bispo de Roma não deveria ser mais amplo do que o necessário para o exercício de sua função, isto é, um ministro eficaz da unidade. Mas, ao mesmo tempo, percebe-se que Roma precisará de um grau suficiente de autoridade para lidar com os muitos desafios e obrigações complexas ligados ao seu ministério. O ministério petrino deve continuar sendo uma força de iniciativa, de proposta e de sustentação para todas as igrejas.
O texto se encerra com quatro sugestões práticas ou solicitações dirigidas à Igreja Católica.
Primeiro, uma interpretação renovada do Vaticano I e de seus dogmas com relação à jurisdição universal e à infalibilidade do papa. Espera-se um comentário oficial e atualizado, uma mudança de vocabulário no contexto de uma eclesiologia de comunhão. Também está incluída uma reformulação do dogma da infalibilidade pontifícia.
Uma segunda solicitação diz respeito ao exercício diferenciado do primado do bispo de Roma. Nem em todas as latitudes e em todos os contextos as práticas atuais do primado são toleráveis. "Uma melhor compreensão do conceito católico de primado em nível universal poderia ser alcançado por meio de uma distinção mais clara entre a posição única do papa na Igreja Católica e sua possível função como primaz dentro da mais ampla comunidade cristã" (150). Uma distinção mais clara entre primado-jurisdição universal e primado-jurisdição sobre o Patriarcado do Ocidente.
Uma terceira demanda diz respeito a um exercício mais amplo da sinodalidade ad intra da Igreja Católica. O primado do Papa de Roma em nível de Igrejas Cristãs dificilmente terá credibilidade se sua praxe interna não for informada e moldada pela sinodalidade. Se a participação dos leigos nos processos de tomada de decisão não crescer, se o papel das conferências episcopais não alcançar os temas doutrinários, se a escolha dos bispos não prever o envolvimento da Igreja interessada, se a cúria romana continuar exercendo uma autoridade superior..., então - dizem as outras denominações cristãs - como podemos considerar crível a oferta do primado petrino também para nós?
Um quarto pedido é o exercício de uma sinodalidade ad extra, como, por exemplo, encontros regulares entre o CEC e Roma ou assembleias onde os representantes das diferentes Igrejas se encontrem, ou, para alguns, a convocação de um concílio ecumênico de todas as confissões cristãs. Pode-se pensar em testemunhos conjuntos na esfera pública ou em formas regulares de consulta entre os primazes das distintas confissões cristãs.
Assembleia Plenária do Dicastério (3 de maio de 2022) formalizou algumas páginas adicionais como sua própria contribuição ao documento.
Nelas se relembra a preciosidade dos diálogos teológicos também com relação ao enriquecimento da teologia e da eclesiologia católicas. Entre as sugestões, enfatiza-se a oportunidade de uma melhor conexão entre os muitos diálogos para evitar repetições. É também graças à pesquisa ecumênica que a estreita conexão entre o primado e a sinodalidade foi consolidada, a evidente oportunidade que nutrir a segunda significa fortalecer e remodelar o primeiro. "A dinâmica sinodal também lança nova luz sobre o ministério do bispo de Roma. A sinodalidade, de fato, articula de forma sinfônica as dimensões comunitárias ('todos'), colegial ('alguns') e pessoal ('um') da Igreja nos níveis local, regional e universal" (No. 6, Apêndice).
Há, além disso, um problema de recepção dos textos finais dos diálogos, uma urgente necessidade de que eles alimentem a consciência eclesial. Não seria sensato diminuir seu valor para apreciar apenas as atividades comuns. Diálogos sobre a verdade e diálogos da caridade devem ser elaborados juntos.
A plenária do Dicastério confirma a conveniência de um comentário e reinterpretação dos dogmas do Vaticano I e uma distinção mais clara entre as diversas responsabilidades do papa: Igreja Católica, Patriarcado Latino, primado na comunhão das igrejas.
Além disso, deve ser mais enfatizado o papel do bispo de Roma, a sua responsabilidade direta sobre a diocese de Roma.
Seria oportuno buscar ajuda no direito canônico para adotar tanto a dimensão colegial (conferências episcopais) quanto a sinodalidade, bem como o papel das relações com outras Igrejas. Em particular, alguma autoridade doutrinária para as conferências episcopais.
A cúria do Vaticano não se coloca entre papa e bispos, mas está a serviço de ambos.
Há muita insistência na valorização de todas as formas sinodais já em ato ou de possíveis concílios provinciais.
A sinodalidade ad intra deve andar de mãos dadas com a sinodalidade ad extra (por exemplo, convidar as outras confissões para os sínodos diocesanos).
A renovação do primado, entendido como serviço de amor, não deve pedir às Igrejas do Oriente nada mais do que o que viveu no primeiro milênio. Igual sabedoria também em relação às Igrejas do Ocidente, apesar da persistência de problemas em aberto.
O estudo não tem autoridade magisterial específica, mas é recomendado como fruto maduro e promissor de um longo trabalho de diálogo e de pesquisa.
Relembra o excelente trabalho proposto na época pelo Card. Walter Kasper sobre os resultados dos diálogos ecumênicos entre Igreja Católica e Igrejas Protestantes históricas em 2009 (Recolher os frutos).
Representa um ponto de referência para o futuro do serviço petrino e a estreita conexão entre o crescimento da consciência sinodal da Igreja, o caminho ecumênico e a redefinição dos serviços de autoridade.
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O futuro do primado petrino. Artigo de Lorenzo Prezzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU