26 Julho 2024
"É preciso lembrar que o nihil obstat dos bispos e da Santa Sé não significa o reconhecimento do caráter sobrenatural dos fenômenos, das visões e dos cultos aprovados", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 23-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Depois das novas normas do Dicastério para a Doutrina da Fé relativas a supostos fenômenos sobrenaturais, entre junho e julho se sucederam quatro decretos relativos a outras tantas aparições marianas. Duas delas foram aprovadas: a Madonna dello scoglio na Calábria (5 de julho) e as aparições em Fontanelle di Montichiari (Brescia, 8 de julho). Duas foram desaprovadas: Madonna de Trevignano (Roma, 27 de junho) e a Senhora de Todas as Nações (Amsterdã, 11 de julho).
A incomum enxurrada de decisões começa com o documento do Dicastério que inova significativamente os procedimentos e as intenções das normas anteriores que Paulo VI havia publicado em 1978 e depois se tornaram públicas em 2012. A diferença básica é que, enquanto as normas de 1978 tinham como objetivo definir a natureza sobrenatural ou não dos fenômenos em discussão, as atuais julgam a viabilidade pastoral do culto mariano. As primeiras verificavam a substância dos eventos, as atuais a conveniência do culto. Em outras palavras, as primeiras visavam os fatos, as segundas, os frutos.
As indicações atuais não excluem um julgamento básico, mas o confiam à eventual decisão do papa, ao longo tempo de recepção do culto, às necessidades pastorais sugeridas pelos eventos e à oportunidade de estudos e perícias mais aprofundados. Isso diminui a pretensão da decisão (fala-se de Nihil obstat, de permissão), facilita a decisão do bispo e a rapidez das decisões diante do surgimento repentino do culto, e vincula a decisão deste último à verificação do Dicastério. Se os frutos forem bons, nenhuma decisão imediata é tomada com relação à natureza sobrenatural dos eventos, e a devoção popular é permitida convidando o bispo a discernir os eventos à medida que eles ocorrem.
Em comparação com a forma binária das normas de 1978 (constat de supernaturalitate/ constat de non supernaturalitate), o documento atual toma nota da dificuldade de se chegar rapidamente a uma conclusão (apenas seis casos foram definidos desde 1950) e, embora não renuncie à perspectiva de um juízo definitivo, implementa, entre 2019 e 2023, uma revisão radical, aprovada pelo Papa Francisco em 4 de maio e em vigor desde 19 de maio de 2024).
Na presença de fenômenos que parecem ultrapassar os limites da experiência cotidiana (aparições, visões, locuções, fenômenos ligados a imagens religiosas, etc.), um Nihil obstat (permissão) pode ser emitido quando há sinais de uma ação divina, quando não há nada que contradiga a fé e os costumes, quando os frutos são bons (mesmo que precisem ser purificados) e a autoridade eclesiástica pretende fazer uso pastoral dos eventos.
O Nihil obstat prevê uma tríplice gradação:
a) Prae oculis habeantur, ou seja, o convite a vigiar elementos de confusão ou possíveis riscos;
b) Curatur; diante de um fenômeno de ampla difusão e na presença de frutos espirituais positivos, mas com diferentes e significativos elementos críticos, o processo não deve ser incentivado;
c) Sub mandato quando os elementos críticos estão ligados à pessoa, à família ou ao grupo de referência (interesses econômicos, comportamentos questionáveis...), em um contexto rico de elementos positivos, pode-se recorrer a um delegado episcopal ou pontifício para chegar a um acordo razoável.
Quando, entretanto, mesmo na presença de legítimas instâncias, os aspectos críticos e os riscos parecem graves, recorre-se então ao Proibetur et obstruatur. Nesse caso, o Dicastério pede ao bispo que declare que o fenômeno não é permitido. Finalmente, há o sexto e último nível, a Declaratio de non supernaturalitate, quando o interessado (o vidente) declara ter mentido ou se confirma a falsificação do fenômeno.
As normas preveem uma fase de instrução confiada ao discernimento do bispo envolvido com a ajuda de uma comissão ou de um delegado. Isso é seguido por uma fase de avaliação referente à boa reputação das pessoas, à ortodoxia da mensagem, ao caráter "não cotidiano" do fenômeno, aos frutos da vida cristã. Do lado negativo, o surgimento de erros doutrinários, espírito sectário, atos imorais, abusos de autoridade e de consciência. Finalmente, se prevê uma fase conclusiva na qual o bispo submete sua opinião, verificada com o delegado e a comissão de investigação, ao Dicastério (o votum), que pode ser colocado em uma das seis possibilidades previstas. O Dicastério do Vaticano fornece a avaliação final, indicando claramente, por meio de um decreto, a natureza da autorização.
Em 6 de março de 2024, o bispo Marco Salvi proíbe os fiéis de irem aos locais das supostas aparições para a vidente Gisella Cardia. A sentença negativa é confirmada em 27 de junho pelo Dicastério, que proíbe as peregrinações e as celebrações.
O fenômeno mariano começa em 2016, quando Gisella Cardia afirma ter visto a estátua de Nossa Senhora, comprada em Medjugorje, chorar lágrimas humanas. Depois, há rumores de milagres pessoais ou em grupo (a multiplicação de nhoques ou das pizzas). Alguns dos "ofertantes" recorrem ao Ministério Público para receber somas de destino questionável. De acordo com um investigador particular, o sangue encontrado na estátua não é sangue humano, e uma análise anterior havia identificado o sangue com o da vidente.
Trevignano Romano fica no Lago Braccano, a 40 quilômetros de Roma. Até 6.000 pessoas se reuniam ali no dia 3 de cada mês.
As aparições datam de vários anos atrás, em dois períodos (1949-1959) e depois em 1974, em Amsterdã. A vidente se chama Isje Johanna Peerdeman (1905-1996), que testemunha várias mensagens de Maria, pretendendo ter previsto a morte de Pio XII e ter intuído as emergências sociais da guerra. Difunde-se a imagem de Maria colocada no globo terrestre como a escrita "Nossa Senhora dos Povos".
O caso de Amsterdã está entre os mais complexos porque uma avaliação inicial negativa em 1956 foi seguida por um pedido para a veneração. Em 1974, veio a avaliação negativa do Dicastério do Vaticano, mas, em 1996, a questão foi reaberta e, em 2002, o bispo local fala de origem sobrenatural, enquanto seu sucessor em 2020 confirma o juízo negativo. Agora o Vaticano confirma a decisão de 1974 de Paulo VI.
O juízo negativo está ligado à pretensão de um novo dogma e a evidentes desvios de grupos que se reportam àquelas visões. O dogma que a vidente atribui ao pedido de Maria e o título de "corredentora", cujo reconhecimento está necessariamente ligado ao retorno do Espírito. A isso se somam os delírios pseudomísticos de Maria-Paule Giguère (Canadá, 1921-2015), ligada ao culto de Nossa Senhora dos Povos, que falava não em Trindade, mas de Quintindade (com Maria e ela mesma), ordenando um padre, que também foi imediatamente nomeado papa. O pedido do novo dogma se espalhou por diferentes âmbitos da vida eclesial e não desaparecerá facilmente.
Em 5 de julho, foram publicados os decretos do Dicastério Romano e do bispo local, Francesco Oliva, anunciando o nihil obstat para o culto da Virgem Maria que apareceu em maio de 1968 a Cosimo Fragomeni, de 18 anos, na colina da área de Placanica, a 10 quilômetros do Mar Jônico. O local faz parte da cidade metropolitana de Reggio Calabria. Enquanto trabalhava no campo, o frei Cosimo viu uma grande luz na qual reconheceu Maria. O fenômeno se repetiu várias vezes e o vidente, que se tornou um terciário franciscano, colocou uma estátua de mármore de Maria e depois construiu uma capela em previsão a uma igreja maior e a um centro de espiritualidade.
A pedra fundamental do edifício foi abençoada por Francisco em 2013. Desde 2016, a igreja é oficialmente considerada um santuário. O bispo disse: "O reconhecimento da devoção de Nossa Senhora ‘dello scoglio’ é para nós uma fonte de grande alegria e viva satisfação. Agora todos, mesmo os mais céticos e hesitantes, podem olhar para a 'rocha' livres de qualquer suspeita, com a consciência de estar diante de um dom precioso". Os peregrinos são chamados à busca da verdade e à conversão de seus corações a Cristo.
A vidente de Fontanelle di Montichiari (Brescia) chamava-se Pierina Gilli (1911-1991). Era empregada da paróquia e enfermeira em um hospital. Levava uma vida muito simples. Seus fenômenos místicos apareceram em 1947 e reapareceram em 1966. Nossa Senhora lhe apareceu com o título de "Rosa Mística" e "Mãe da Igreja". Desde 1966, foi iniciada a construção de um santuário em um local onde havia brotado uma fonte.
O decreto que contém o nihil obstat para o culto foi acolhido com satisfação pelo bispo Pierantonio Tremolada. Traz a data de 8 de julho. O percurso rumo ao nihil obstat foi longo e tortuoso. Uma avaliação crítica inicial remonta ao bispo Giacinto Tredici em 1947, posição confirmada pelo bispo Bruno Foresti em 1984. Seus sucessores, Giulio Sanguineti e Luciano Monari, criam uma nova comissão diocesana que concluiu reconhecendo a probidade de Pierina Gilli. Em 2019, Fontanelle tornou-se um santuário diocesano e uma comissão internacional subsequente fez uma avaliação positiva das experiências espirituais de Pierina Gilli. "Seus escritos não contêm elementos teológicos ou morais contrários à doutrina da Igreja".
Os frutos apresentados até agora, de acordo com o bispo Tremolada, "nos falam de um valor decididamente positivo da experiência espiritual de Pierina, dos textos que ela nos entregou e da devoção que surgiu em Fontanelle que se espalhou por vários países". As características especiais das aparições de Fontanelle são o símbolo da rosa, o título de "Mãe da Igreja" e a oração para evitar a corrupção dos padres e dos consagrados. Ainda há alguns elementos a serem esclarecidos, como o impedimento garantido por Maria de graves e terríveis castigos ou a insistência nas três palavras (oração, sacrifício, penitência) que não devem necessariamente ser consideradas como dirigidas a todos os crentes.
É preciso lembrar que o nihil obstat dos bispos e da Santa Sé não significa o reconhecimento do caráter sobrenatural dos fenômenos, das visões e dos cultos aprovados. Esses últimos são permitidos em função do apoio que oferecem à vida espiritual dos fiéis. O que São João da Cruz escreveu em A Subida do Monte Carmelo continua sendo válido: “Ao dar-nos, como nos deu, o seu Filho, que é a sua Palavra - e não tem outra - (Deus) disse-nos tudo ao mesmo tempo e de uma só vez nesta Palavra única e já nada mais tem para dizer.. [...] E por isso, quem agora quisesse consultar a Deus ou pedir-Lhe alguma visão ou revelação, não só cometeria um disparate, mas faria agravo a Deus, por não pôr os olhos totalmente em Cristo e buscar fora d'Ele outra realidade ou novidade."
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Aparições marianas. Artigo de Lorenzo Prezzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU