10 Fevereiro 2017
O Papa Francisco declarou que "o diabo está em ação" em casos de abuso sexual clerical, que a imagem de Nossa Senhora como "superstar" não é católica e que, apesar do declínio das vocações religiosas no Ocidente, ele se preocupa quando ouve que novas congregações "restauracionistas" têm muitas vocações.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 09-02-2017. A tradução é de Luíza Flores Somavilla.
O Papa Francisco disse que o abuso sexual clerical é obra do diabo e que existe corrupção no Vaticano, alertou a respeito de novas ordens religiosas "restauracionistas" e até fez um leve gracejo com aparições marianas famosas, como Medjugorje, dizendo que a verdadeira Nossa Senhora não é "um Correio que envia uma mensagem diferente por dia".
Estes são apenas alguns pontos em que o Papa Francisco tocou durante uma reunião com 140 superiores gerais de congregações e ordens religiosas masculinas em novembro passado, em um encontro informal a portas fechadas.
A transcrição do encontro foi publicada na sexta-feira pela revista jesuíta La Civiltà Cattolica, que está comemorando sua publicação de número 4.000.
Quanto aos abusos sexuais por parte do clero e de religiosos e religiosas, o Papa Francisco afirmou que "é possível que metade das pessoas que cometem abusos também foram vítimas de abuso", o que é "devastador", porque os semeia no futuro.
"Se os padres ou religiosos estão envolvidos, é evidente que o diabo está em ação, arruinando a obra de Jesus através daqueles que deveriam expressar Jesus", disse Francisco.
O pontífice acrescentou que enquanto "não nos convencermos" de que isso é uma doença, o problema não será resolvido. Por isso, ele pediu uma seleção mais criteriosa dos candidatos ao sacerdócio e que os que foram recusados por outros seminários ou instituições sem razões claras que justifiquem a rejeição não sejam prontamente acolhidos.
A reunião entre Francisco e os religiosos durou quase três horas e aconteceu no dia 25 de novembro.
Falando especificamente sobre os membros de ordens religiosas, Francisco disse que dentro das dioceses eles "não devem ter medo de dizer as coisas".
"Uma atmosfera mundana e principesca adentrou nas estruturas da Igreja, e as comunidades religiosas podem contribuir para destruir essa influência nefasta", disse ele.
De acordo com Francisco, um homem não precisa ser cardeal para acreditar que é um príncipe: "Ser parte do clero já é o suficiente. Esta é a pior parte da organização da Igreja. Monges e frades podem contribuir com o testemunho de uma fraternidade mais humilde."
Ele também pediu que as ordens religiosas mantenham-se na pobreza, porque é isso que "o Senhor quer". E quando não se mantêm, acrescentou, Deus envia um "ecônomo que leva o instituto à falência!"
O ecônomo, disse o Papa, não deve se apegar ao dinheiro, e é importante ter certeza dos investimentos feitos pelos bancos onde as ordens religiosas deixam seu dinheiro. "Nunca devem haver investimentos em armas, por exemplo. Nunca."
O Papa também admitiu preocupação com o declínio das vocações religiosas no Ocidente. Ele ainda afirma esperar que o próximo Sínodo dos Bispos, que discutirá sobre os jovens e o discernimento vocacional, possa abordar e pensar em soluções para esta questão.
No entanto, ele também está preocupado com o surgimento de novos institutos religiosos, que atraem muitas vocações religiosas, mas acabam fracassando por vezes em decorrência de escândalos de seus fundadores. Estes, segundo ele, não se inspiram no Espírito Santo, mas em uma pessoa carismática.
Algumas destas novas ordens, acrescentou Francisco, são "restauracionistas", e proporcionam uma aparente segurança, quando é, na verdade, uma forma de "rigidez".
"Quando eles dizem que uma congregação atrai tantas vocações, devo confessar que fico preocupado", disse ele. "O Espírito Santo não segue a lógica do sucesso humano."
Algumas dessas novas congregações religiosas, denunciou Francisco, são instituições "pelagianas" que querem um retorno à ascese e à penitência, "soldados que parecem prontos para qualquer coisa em prol da fé e da moral, e depois aparece algum escândalo envolvendo o fundador [ou fundadora]".
Não criem esperanças no florescimento súbito e massivo destes institutos, disse o Papa aos Superiores Gerais de congregações e ordens religiosas masculinas.
"Em vez disso, prefiram o caminho humilde de Jesus, o caminho do testemunho da Palavra", que "se expressou perfeitamente ao dizer que a Igreja não cresce por proselitismo, mas por atração", disse ele.
O Papa também repetiu algumas de suas ideias habituais, como a necessidade de uma Igreja que "se expanda", segundo ele, em direção à periferia, tanto existencial quanto socialmente.
"Pensemos na pobreza ligada à questão dos migrantes e dos refugiados: mais importante do que os acordos internacionais é a vida dessas pessoas!" disse ele. A caridade, acrescentou, também é uma forma de ecumenismo, pois "os pobres é que uniram os cristãos divididos!"
Ele também falou sobre a necessidade de que os seminaristas aprendam sobre discernimento, pois "estamos acostumados a lidar com fórmulas de 'oito ou oitenta' na educação, e não com o meio-termo da vida. E o que importa é a vida, não as fórmulas".
Discernir, apontou Francisco, "significa caminhar pelo meio-termo da vida de acordo com a vontade de Deus".
Uma das perguntas para Francisco tinha a ver com os três temas para a Jornada Mundial da Juventude de logo mais, referindo-se às que acontecem anualmente em todos os países e, em seguida, a de 2019 no Panamá. Todos têm relação com a Virgem Maria.
O Papa disse que eles foram os únicos temas sugeridos para ele, mas afirmou estar "contente" com as propostas, porque há uma forte devoção mariana na América Latina.
"Mas a verdadeira Nossa Senhora! Não a que é um Correio que envia uma mensagem diferente por dia, dizendo: 'Meus filhos, façam isso, façam aquilo'. Não, não é esta Nossa Senhora. A verdadeira Nossa Senhora é a que gera Jesus em nossos corações, uma Mãe."
A Nossa Senhora enquanto astro, que quer estar no centro das atenções, "não é católica", insistiu o Papa.
Embora ele não tenha exemplificado ao que estava se referindo, sempre que Francisco traz a imagem da Virgem como chefe dos correios, muitos pensam em Medjugorje, na Bósnia-Herzegovina, onde alguns acreditam que ela aparece diariamente desde 1981.
Questionado sobre a fonte de sua serenidade, Francisco disse que está em paz desde que foi nomeado papa e que não precisa de "tranquilizantes".
Ele reconheceu que entre os problemas que a Igreja enfrenta há a corrupção dentro do Vaticano, mas que está em paz mesmo com isso: "Se estou com algum problema, escrevo um bilhete para São José e coloco debaixo de uma imagem que tenho dele no meu quarto [...] agora ele dorme em um colchão de bilhetes!"
Para viver em paz, ele também disse, é preciso um "posicionamento saudável de não estar nem aí", o qual ele afirma ter aprendido com os italianos.
Antes de fechar o encontro, Francisco também pediu que os religiosos "sigam adiante com coragem e sem medo de errar", pois não erra quem não faz nada.
"Precisamos ir adiante! Vamos errar às vezes, sim, mas a misericórdia de Deus está sempre ao nosso lado!", disse ele.
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Papa denuncia ordens 'restauracionistas' e faz gracejo com Medjugorje - Instituto Humanitas Unisinos - IHU