12 Agosto 2024
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva lidera iniciativa de Brasil, Colômbia e México de mediação entre o governo de Nicolás Maduro e a oposição.
A reportagem é de Bernardo Gutiérrez, publicada por El Diario, 12-08-2024.
No dia 1º de agosto, a bandeira brasileira foi hasteada na Embaixada da Argentina em Caracas. Após a expulsão de diplomatas de sete países latino-americanos que questionavam a suposta vitória de Nicolás Maduro nas eleições de 28 de julho, o Brasil concordou com o Governo venezuelano em assumir a proteção das Embaixadas da Argentina e do Peru. O presidente argentino, Javier Milei, agradeceu o gesto. Dois dias antes, o presidente dos EUA, Joe Biden, telefonou ao presidente brasileiro Lula da Silva para solicitar a sua mediação na Venezuela.
Mas antes do pedido de Biden, o Brasil já operava no terreno. Foi o único país que enviou políticos de alto escalão para acompanhar a disputa eleitoral. Um dia depois das eleições, Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores durante os dois primeiros mandatos de Lula e atual chefe da Assessoria Especial da Presidência brasileira, reuniu-se com Maduro. Posteriormente, o Brasil recebeu o candidato da oposição Edmundo González Urrutia na residência privada de seu embaixador em Caracas, conforme confirmam fontes diplomáticas ao elDiario.es.
No início de agosto, o Brasil já contava com a confiança do governo venezuelano, da oposição e dos Estados Unidos. O espírito negocial do Brasil exigiu então que Nicolás Maduro fornecesse a ata eleitoral e que a oposição respeitasse os canais institucionais. Enquanto isso, o Governo brasileiro garantiu a segurança dos seis venezuelanos asilados na Embaixada da Argentina , colaboradores da líder da oposição, María Corina Machado, que foi impedida pela Justiça de ser candidata presidencial.
O choque frontal de resultados eleitorais – o Governo afirma ter vencido com 51,11% dos votos. A oposição, por sua vez, afirma ter obtido 67% com 83,50% dos votos – provocou um cenário de caos e protestos: pelo menos 24 mortos (segundo a ONG Provea) e milhares de detidos acusados de terrorismo pelas autoridades venezuelanas . Embora alguns países tenham sido rápidos em conceder a vitória de Edmundo González Urrutia, o Brasil não reconheceu a vitória de nenhum dos partidos. E no meio da tensão na Venezuela e da crescente pressão internacional, o Executivo de Lula tenta promover uma terceira via: a iniciativa de mediação conjunta da Colômbia, do México e do Brasil.
Na noite de 1º de agosto, com a bandeira brasileira já hasteada na embaixada argentina, os governos desses três países divulgaram um primeiro comunicado conjunto destacando que “as polêmicas sobre o processo eleitoral devem ser resolvidas por meios institucionais”. O texto, que pedia “verificação imparcial dos resultados”, chegou um dia depois que o Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA), com sede em Washington e historicamente antichavista, tentou aprovar um documento que exigia a publicação de a ata eleitoral. O Itamaraty explicou que, além de a Venezuela não ser membro da OEA, o Brasil se absteve por considerar que “é a própria Venezuela e suas leis que definem como os resultados são verificados”.
A segunda declaração conjunta, que chegou na última quinta-feira após a reunião virtual dos presidentes brasileiro, colombiano e mexicano, continha um detalhe crucial: os chanceleres dos três países afirmaram que consideram “a apresentação do Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela (CNE) como fundamental nos resultados das eleições presidenciais discriminados por estação de voto” – algo que deveria ter acontecido nas 48 horas seguintes às eleições, segundo a Lei Orgânica dos Processos Eleitorais da Venezuela. O Governo justifica a não publicação com um alegado hacker. A petição visa desmantelar a estratégia de Nicolás Maduro, que tenta transferir a verificação das atas para o Superior Tribunal de Justiça (TSJ), que a oposição acusa de ser controlado pelo Governo.
Ao mesmo tempo, a declaração insiste na “verificação imparcial dos resultados”. Uma fonte diplomática brasileira envolvida na mediação sustenta que a auditoria dos resultados não precisa necessariamente ser realizada por atores internacionais, uma vez que a Venezuela possui profissionais conceituados nesta área, algo não partilhado pelo Governo da Colômbia.
Filipe Reis, professor de Relações Internacionais da Universidade Estadual de Pernambuco (UEPB), diz ao elDiario.es que é preciso esperar que a justiça eleitoral venezuelana julgue as denúncias apresentadas pela oposição. “Depois desse julgamento, os partidos devem aceitar o veredicto, se estiverem dispostos a regressar à normalidade democrática”, afirma. Contudo, fontes diplomáticas brasileiras reconhecem que a cada dia que passa a possibilidade de a ata ser tornada pública fica mais fria. A própria Cristina Krichner , ex-presidente argentina, solicitou a publicação da ata, “não só para o povo venezuelano, para a oposição e para a democracia”, mas também “para o próprio legado de Hugo Chávez”.
Todos os olhos estão voltados para Lula da Silva. Contudo, o grande articulador da diplomacia brasileira é o seu conselheiro Celso Amorim, um poderoso ministro sombra. Amorim, interlocutor histórico do Brasil com os governos de Hugo Chávez, continua pressionando pela publicação das atas porque desconfia dos dados oficiais. Porém, em entrevista à Globo News ele garantiu que também “não confia nas atas da oposição”, que se vangloria de sua suposta vitória em um site . “Os dados da oposição não são confiáveis. Não podemos reconhecê-los e fazê-lo significaria um precedente perigoso para a região, porque abriria a porta a qualquer corrida eleitoral paralela”, afirma a fonte diplomática brasileira consultada por este jornal. A posição brasileira colide com a expressa pelo chefe da missão de observação eleitoral do Carter Center, com sede na cidade americana de Atlanta, que aceita como aceitáveis as atas publicadas pela oposição.
A grande aposta de Celso Amorim é o estabelecimento de uma espécie de “anistia recíproca” para que quem perdeu “as eleições possa continuar a viver normalmente e continuar candidato”. A amnistia recíproca viria de mãos dadas com o fim das sanções económicas contra a Venezuela.
“É muito difícil para um país que depende do petróleo não conseguir vender petróleo”, disse Amorim à Globo News. As sanções econômicas contra a Venezuela, segundo fonte do Itamaraty, não só vão contra o direito internacional, mas também atingem a população civil e aprofundam a crise migratória.
Apesar das diferenças ideológicas com Lula, a maioria das forças conservadoras na América Latina também se comprometeu com o seu papel negociador. Na segunda-feira passada, trinta ex-chefes de Estado de Espanha e da América Latina, membros da Iniciativa Democrática de Espanha e das Américas (IDEA), enviaram uma carta aberta a Lula pedindo-lhe o mesmo “compromisso com a democracia e a liberdade de que goza o seu país”. “povo” para a Venezuela.
A mensagem da organização conservadora IDEA, que denunciou o “sequestro da soberania popular” e uma “violação sistemática dos direitos humanos dos venezuelanos”, pretendia forçar críticas do Brasil ao Governo de Nicolás Maduro.
Ao contrário da esfera internacional, a maioria dos atores conservadores no Brasil suspeita do papel de mediador de Lula na Venezuela devido à sua histórica relação cordial com o chavismo. O facto de o Partido dos Trabalhadores (PT) de Lula ter reconhecido a vitória de Nicolás Maduro num dia “pacífico, democrático e soberano” – algo que obrigou o Governo brasileiro a distanciar-se dessa posição – aprofundou a desconfiança das forças conservadoras.
O jornal Estado de São Paulo decretou na última sexta-feira que a “dificuldade de negociação da crise na Venezuela mostra o fracasso da agenda de Lula para a região”. “Liderança não se conquista, se exerce. O Governo deveria ter entendido o cenário e proposto um novo projeto de integração para a América do Sul liderado pelo Brasil”, afirma Hussein Kalout, que foi secretário especial do ex-presidente Michel Temer (2016-18), aliado intelectual de um destacado de Jair Bolsonaro.
Apesar da desconfiança dos atores conservadores brasileiros, a oposição venezuelana legitima a mediação de Lula. A própria María Corina Machado, que continua acusando o Governo de seu país de fraude eleitoral e denunciando a violação dos direitos humanos, apoiou a via diplomática brasileira.
“Reconheço o esforço [do Brasil] e acredito que é necessário que haja um espaço de mediação entre as partes para que a solução do conflito seja pacífica”, afirmou em entrevista ao meio de comunicação brasileiro O Globo. “As posições mais equilibradas têm maior probabilidade de contribuir para a paz do que as posições mais extremas ou aquelas que procuram interferir na soberania de outros países. A posição do Brasil é um exemplo disso, pois mantém um diálogo aberto com os Estados Unidos, com a União Europeia e com a Venezuela”, afirma o professor de Relações Internacionais Filipe Reis.
A solução para a encruzilhada venezuelana ainda não está à vista. Por enquanto, os apelos à moderação do eixo Brasil-Colômbia-México e da própria oposição ajudaram a travar uma escalada de violência nas ruas da Venezuela. “O Brasil está tentando evitar que a situação piore, tirando a ansiedade das negociações. Não há solução imediata ou simples”, confessa fonte do Itamaraty.
Após se reunir com o presidente chileno, Gabriel Boric, em Santiago do Chile no início da semana, Lula se manteve fiel à sua receita. Boric, muito crítico do governo de Nicolás Maduro, denunciou a perseguição à oposição. Lula, ao retornar ao território brasileiro após sua visita, exigiu “respeito à soberania popular” da Venezuela e pediu “defender a transparência dos resultados”.
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Os meandros da mediação do Brasil na crise da Venezuela: “Não há solução imediata ou simples” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU