09 Abril 2024
"A possibilidade de exercer uma pressão eficaz desses dois níveis na defesa do voto e, além disso, a favor do desmantelamento do autoritarismo na Venezuela precisa, por sua vez, da articulação social de base. Uma articulação que vai além das elites partidárias e dos governos estrangeiros", escrevem Antulio Rosales e Benedicte Bull, em artigo publicado por Nueva Sociedad, 08-04-2024.
Antulio Rosales é professor assistente de Ciência Política na Universidade de New Brunswick (Canadá). Benedicte Bull é professora do Centro de Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade de Oslo e dirige a Rede Norueguesa de Pesquisa sobre a América Latina.
Os países com governos progressistas têm um papel de destaque nos esforços para alcançar eleições livres. As posições do Brasil e da Colômbia abrem algumas esperanças em um contexto de fechamento do regime venezuelano.
A mesa está posta para que, na Venezuela, as eleições de 28 de julho sejam uma das mais injustas e desiguais de sua história. Existe alguma esperança neste contexto para retomar uma dinâmica democratizadora? A resposta é sim, mas a janela de oportunidade está se fechando rapidamente. O resultado depende de um jogo em dois níveis: no âmbito doméstico, da possibilidade de articulação da oposição; e no âmbito internacional, da capacidade de pressão dos antigos aliados do governo bolivariano. É hora de as forças democráticas de todo o espectro político não apenas se unirem na demanda pelo respeito aos princípios democráticos, mas também para que essa unidade possa canalizar a participação e o ativismo popular.
Há apenas alguns meses, a Venezuela abraçava a esperança de mudança, gerada pelo amplo apoio à opositora María Corina Machado e suas campanhas em escala nacional, bem como pela rota para as eleições presidenciais assinada pelo governo de Nicolás Maduro e pela Plataforma Unitária da oposição em Barbados, em outubro. No entanto, desde janeiro, o governo de Maduro não apenas violou, mas também ignorou os mínimos acordos de Barbados e atacou a oposição em uma onda de repressão direcionada especialmente ao partido de Machado, Vente Venezuela. Ao mesmo tempo, incentivou a divisão entre diferentes grupos dentro da chamada Plataforma Unitária, endossando e promovendo partidos sequestrados, líderes sem popularidade mas com atenção midiática e variados "opositores" de fachada. Até o Partido Comunista foi intervindo, e ao candidato apoiado pelo partido foi impedido de se inscrever.
Ao fim do período de inscrição de candidaturas para a eleição, o governo impediu sem justificativa legal ou explicação a candidatura da professora Corina Yoris, uma filósofa octogenária que María Corina Machado designou como sua representante para a eleição, uma vez que ela estava impedida. Ao mesmo tempo, o líder do partido Un Nuevo Tiempo e governador do estado de Zulia, o mais populoso do país, Manuel Rosales, registrou seu nome minutos antes do encerramento do prazo de inscrições. A inscrição de Rosales, que se declara social-democrata, gerou denúncias de traição e a abertura evidente de uma nova — e talvez irreconciliável? — fissura na oposição. Um dia depois, o ex-embaixador Edmundo González Urrutia foi aceito como candidato temporário (pode ser substituído antes da eleição) na chapa da Plataforma Unitária.
Neste contexto, a oposição enfrenta mais uma vez o desafio da coordenação e negociação interna em defesa do voto como principal expressão da vontade cidadã. Desta vez, apesar de tudo, a oposição continua articulada em torno da via eleitoral. Contudo, o voto em si não pode garantir uma transição. Isso depende da organização cidadã e da capacidade social de resistir aos ataques de um Estado predador. Precisamente o governo de Maduro tem minado essa organização e capacidade ao longo dos anos, através de uma liberalização econômica voraz e neopatrimonial, além do aumento da repressão aos protestos nas ruas.
É por isso que María Corina Machado insiste na organização de comandos cidadãos em cada cidade, município e aldeia venezuelana, em uma estrutura social que alcance os seiscentos mil pequenos comandos. Machado, que vem da ala radical da oposição, tem consigo o aval mais importante neste espaço: o voto consagrado por uma maioria avassaladora e uma popularidade que se mantém apesar dos ataques do governo e de alguns opositores. Por sua vez, Rosales se baseia no discurso moderado que se tornou sua bandeira e busca garantir a confiança do chavismo caso ocorra uma transição democrática. Esta "portabilidade" do candidato inclui a adoção de um discurso anti-imperialista que rejeita qualquer ação externa em busca da democratização interna, seja por meio de sanções individuais ou setoriais. Rosales, que vem do Acción Democrática, obteve em 2006 36% dos votos contra o então imbatível Hugo Chávez. Infelizmente para ele, este discurso parece focado mais em garantir essa confiança entre as fileiras do chavismo do que na própria oposição.
As posições desses dois grupos opositores parecem irreconciliáveis e sugerem que não precisam um do outro, embora não fechem completamente a porta para chegar a um acordo. Rosales insiste em sua disposição de ceder sua posição a uma candidatura apoiada por Machado, caso esta seja finalmente aceita pelo governo. Machado, por sua vez, não chega a chamar Rosales de traidor e mantém o diálogo com ele através da Plataforma Unitária.
Não está claro se Machado e Rosales — e as forças que representam — terão a capacidade de se articular em meio a intrigas, à opacidade imposta por um espaço público minado e às pequenezas do próprio liderança política em crise. Essa articulação pode ser alimentada, no entanto, por um terreno no qual outros atores entram em jogo.
Até agora, as negociações entre governo e oposição foram mediadas cuidadosamente por uma equipe técnica sob os auspícios da Noruega. No entanto, os incentivos reais para avançar nas negociações estão com os Estados Unidos, que abandonaram a estratégia de "pressão máxima" durante o governo de Joe Biden e flexibilizaram as sanções econômicas em troca de uma tímida liberalização e do compromisso de realizar eleições livres. Mas tudo isso parece hoje sepultado pela estratégia de Maduro de competir sem opositores de peso. Nesse contexto, as principais vozes que denunciam os abusos do governo de Maduro não se limitam aos Estados Unidos ou à União Europeia, mas são seus vizinhos e governos até recentemente aliados, ou pelo menos permissivos, que começaram a se pronunciar de forma mais firme. Gustavo Petro na Colômbia e Luiz Inácio Lula Da Silva no Brasil estão pressionando hoje por condições mínimas para as eleições.
Precisamente María Corina Machado, que manteve uma postura crítica em relação aos esforços de negociação anteriores — bem como à estratégia eleitoral —, agora aposta em uma saída eleitoral e até mesmo endossou o Acordo de Barbados. Nesse sentido, ela instou o primeiro-ministro trabalhista da Noruega, Jonas Gahr Støre, a investir os recursos diplomáticos necessários para garantir o cumprimento mínimo do acordo. Em seguida, enviou uma carta semelhante aos participantes da Conferência Internacional sobre a Venezuela organizada pelo governo de Gustavo Petro em 2023. A pressão colombiana e brasileira é fundamental para limitar os impulsos do governo de impedir completamente a participação de uma candidatura apoiada pela Plataforma Unitária.
A pressão ou o diálogo direto dos Estados Unidos, por outro lado, não tiveram os efeitos desejados, e a janela de oportunidades que está se fechando para as eleições presidenciais parece menos receptiva à pressão que o governo de Biden possa exercer, por exemplo, ao não retomar as licenças petrolíferas no fim de abril. Maduro claramente deseja evitar o recrudescimento das sanções (revogar a "licença geral 44", emitida por Washington e que permite uma modesta produção petrolífera, enviará um sinal significativo), mas o mais importante será um esforço regional concertado, que inclua antigos aliados latino-americanos. Esses governos progressistas, eleitos democraticamente, têm um poder de influência maior tanto no governo quanto em seus seguidores. São eles que devem também arcar com o custo do agravamento da crise venezuelana, que se traduz em migração forçada e insegurança regional. Foram eles que recentemente denunciaram as armadilhas antidemocráticas do governo.
Se a Colômbia e o Brasil se tornarem aliados sérios da democracia venezuelana, deverão exigir não apenas condições eleitorais, mas também limites à repressão que obstaculiza a organização da sociedade civil. Podem começar apoiando e integrando um comitê de monitoramento da implementação dos Acordos de Barbados, já assinados. Também é importante exercer pressão para que o governo permita a observação eleitoral com plenos poderes. Atualmente, a União Europeia enfrenta o dilema de aceitar observar as eleições sob as condições limitadas de Maduro ou ficar fora do processo eleitoral. O que pode aliviar esse dilema é uma forte pressão de seus aliados, principalmente Brasil e Colômbia.
A possibilidade de exercer uma pressão eficaz desses dois níveis na defesa do voto e, além disso, a favor do desmantelamento do autoritarismo na Venezuela, precisa, por sua vez, da articulação social de base. Uma articulação que vai além das elites partidárias e dos governos estrangeiros. Essa articulação na Venezuela está atualmente enfraquecida após anos de repressão, abusos e impunidade. O desejo de expressão política representa hoje novamente um motivador que poderia reanimar os protestos sociais e fortalecer o caminho para a democratização. No entanto, diversas leis adotadas nos últimos anos (incluindo a Lei contra o Ódio, pela Convivência Pacífica e Tolerância, de 2017, e a Lei de Defesa da Soberania Política e Autodeterminação Nacional de 2023) limitam a liberdade de expressão por parte de um governo sem espírito democrático e que regularmente viola os direitos humanos. A mais recente dessas leis é a Lei contra o Fascismo, Neofascismo e Expressões Similares, que pretende proibir qualquer opinião que o governo determine como conservadora, neoliberal ou classista, sem maior precisão sobre o que isso significa.
Um bom começo para os países vizinhos seria defender a liberdade de expressão e participação política de todos os candidatos. Até agora, apenas a ditadura de Daniel Ortega e Rosario Murillo na Nicarágua expressou seu apoio incondicional ao processo pré-eleitoral venezuelano. Os demais países, de diferentes orientações ideológicas, têm uma oportunidade histórica de se articular e retomar a liderança na defesa da democracia na região.
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Eleições na Venezuela: um chamado ao progressismo regional - Instituto Humanitas Unisinos - IHU