14 Setembro 2023
“Retirar a categoria de confidencial de todos esses documentos não servirá apenas para fortalecer nossas alianças no exterior. Trazer à luz os crimes, permitidos pelo clima de confronto da Guerra Fria, servirá também para fortalecer a nossa democracia nos Estados Unidos e aplainar o caminho para virar a página da Doutrina Monroe de uma vez por todas”, defendem Misty Rebik, chefe da equipe do senador estadunidense Bernie Sanders, e David Adler, coordenador da Internacional Progressista, em artigo publicado por El Diario, 12-09-2023. A tradução é do Cepat.
Na manhã de 11 de setembro de 1973, a CIA informou o então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, sobre o plano do Exército chileno para, iminentemente, “desencadear uma ação militar contra o Governo Allende”.
Ao meio-dia, carros blindados, aviões e helicópteros descarregavam suas bombas e projéteis contra o palácio presidencial chileno, no centro de Santiago. Às 18h30, o presidente Allende estava morto. A ditadura militar do general Augusto Pinochet havia começado.
Passaram-se 50 anos desde o violento golpe de Estado no Chile. A democracia retornou ao país após 16 anos de resistência corajosa e do categórico “Não” com o qual o povo rejeitou o regime militar, no plebiscito nacional de 1988. Pinochet morreu aos 91 anos de ataque cardíaco, em 2006, e uma nova geração de líderes chegou ao poder com a missão de garantir o direito dos chilenos à saúde, moradia e um planeta habitável.
Contudo, no Chile, as feridas do golpe permanecem abertas. Ainda há famílias em busca de entes queridos desaparecidos pela ditadura de Pinochet. Nos tribunais, seguem os julgamentos de crimes perpetrados pela polícia secreta do ditador e o Congresso nacional continua pressionando para que os documentos que detalham a intervenção dos Estados Unidos “na soberania do Chile, antes, durante e depois do golpe de 1973”, deixem de ser confidenciais.
O Governo estadunidense acaba de tornar públicos dois documentos da Casa Branca relacionados ao golpe de Estado no Chile. Datados de 8 e 11 de setembro de 1973, os documentos confirmam o conhecimento prévio e o apoio de Washington à conspiração para derrubar Allende, o presidente democraticamente eleito. Contudo, são apenas uma parte dos documentos que os chilenos exigem em sua busca por justiça e verdade.
Documentos que tinham sido publicados anteriormente mostram o entusiasmo de Nixon diante da possibilidade de um golpe como meio para proteger os interesses das empresas estadunidenses e esmagar os seus rivais na Guerra Fria. “Se [há] alguma forma de desbancar A[llende], é melhor aplicá-la”, disse Nixon, segundo escreveu o diretor da CIA em algumas notas incluídas nos documentos obtidos pelo Arquivo de Segurança Nacional. “Um trabalho de tempo integral – os melhores homens que tivermos”, sustentou.
Henry Kissinger, conselheiro de Segurança Nacional de Nixon, que alguns ainda consideram um conselheiro sábio, estava igualmente comprometido com a ideia de desbancar o governo eleito do Chile. “Não deixaremos o Chile ir pelo ralo”, afirmou.
No entanto, ainda não se sabe o suficiente sobre o papel que os Estados Unidos desempenharam na coordenação da campanha internacional para derrubar Allende, nem nas graves violações aos direitos humanos cometidas pelo governo golpista de Pinochet. O secretismo em torno das políticas estadunidenses no Chile se encaixa em um padrão geral para toda a região.
Em agosto, nós nos juntamos a uma delegação do Congresso dos Estados Unidos que visitou o Chile, o Brasil e a Colômbia para nos reunirmos com representantes dos Governos e Parlamentos desses países e membros das organizações sociais que lideraram suas respectivas transformações democráticas.
Nos três países, falaram-nos sobre o legado da intervenção dos Estados Unidos, das ações encobertas em apoio ao golpe militar no Brasil (1964) às armas que foram exportadas para a Colômbia para alimentar a violência paramilitar. Também nos falaram sobre o interesse dos três países latino-americanos em deixar para trás esse capítulo obscuro da história, forjando novas alianças em torno de questões como o clima, os direitos dos trabalhadores e a tributação das empresas.
Durante a nossa viagem com a delegação do Congresso, ouvimos repetidas vezes nossos interlocutores na América Latina falarem sobre outro aniversário importante: os 200 anos da Doutrina Monroe. Foi em 1823 que o presidente James Monroe declarou o domínio dos Estados Unidos sobre o hemisfério ocidental.
Para manter a sua posição dominante, Washington apoiou e executou dezenas de assassinatos, bloqueios, invasões e golpes de Estado, durante muitas décadas, desde então. Ainda que, em 2013, o então secretário de Estado, John Kerry, tenha dito que “a era da Doutrina Monroe acabou”, os decisores políticos estadunidenses continuam se inquietando quando as nações latino-americanas assinam alianças com potências “externas” como a China.
Não temos necessidade alguma de continuar por esta senda intervencionista. No Congresso dos Estados Unidos, o número de representantes progressistas é recorde e o interesse em fazer uma mudança audaz em nossa política externa é cada vez maior. Como disse o senador Bernie Sanders, referindo-se à delegação que viajou à América Latina, estamos diante de uma oportunidade para “apresentar uma nova cara ao hemisfério (sul), baseada no compromisso com o bem das pessoas e do planeta”.
A cooperação hemisférica não é uma teoria abstrata de alta diplomacia. Agora que a degradação ambiental está acelerando, nossas alianças na América Latina são fundamentais para proteger um planeta que continua sendo habitável, com uma próspera floresta na Amazônia. Agora que o capital atravessa livremente as fronteiras, os direitos dos trabalhadores só poderão ser garantidos com uma política econômica coordenada que enfrente a oligarquia transnacional.
Contudo, a única maneira em que os Estados Unidos poderão alcançar este nível de cooperação será partindo de uma base de confiança. E essa confiança só pode ser conquistada sendo transparentes sobre as medidas e políticas que Washington adotou no passado e que continuam atormentando nossos países vizinhos.
Retirar a categoria de confidencial de todos esses documentos não servirá apenas para fortalecer nossas alianças no exterior. Trazer à luz os crimes, permitidos pelo clima de confronto da Guerra Fria, servirá também para fortalecer a nossa democracia nos Estados Unidos e aplainar o caminho para virar a página da Doutrina Monroe de uma vez por todas.
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Intervencionismo dos EUA na América Latina: é preciso desclassificar os documentos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU