30 Julho 2024
Enquanto Maduro era proclamado presidente para o período de 2025-2031, a oposição reafirmava sua denúncia de fraude. Ao longo do dia, foram registrados vários atos de violência em diferentes pontos do país.
A reportagem é de Aien Nesci, publicada por Página|12, 30-07-2024.
Após o triunfo de Nicolás Maduro nas eleições presidenciais, não reconhecido pela oposição majoritária, cresce a tensão na Venezuela e o risco de uma nova crise é cada vez mais palpável. Ontem, desde a manhã, ocorreram manifestações, panelaços e marchas em diferentes pontos do país, e teme-se um recrudescimento da violência nos próximos dias. Desde o oficialismo, o presidente da Assembleia Nacional, Jorge Rodríguez, convocou “o povo da Venezuela a grandes marchas a partir desta terça-feira para celebrar a vitória e defender a paz da República”.
Convocamos al pueblo de Venezuela a grandes marchas desde este martes para celebrar la victoria y defender la paz de la República. El fascismo no recurre a elecciones, solo fue una excusa para desarrollar su agenda violenta y no lo vamos a permitir. ¡Se volvieron a equivocar! pic.twitter.com/p7xgAQ1SDV
— Jorge Rodríguez (@jorgerpsuv) July 29, 2024
Depois que o CNE (Conselho Nacional Eleitoral) comunicou o triunfo de Maduro na meia-noite de domingo, a oposição já havia saído para denunciar uma fraude. O candidato Edmundo González Urrutia e sua mentora, María Corina Machado, alegaram que os números fornecidos pelo órgão eleitoral tinham sido falsificados. As tensões aumentaram quando, com o passar das horas, as atas oficiais não apareciam na página web do órgão (que, além disso, esteve fora do ar durante grande parte do dia). Esses documentos ainda não foram publicados. Segundo a lei, “o CNE ordenará a publicação dos resultados dos processos eleitorais na Gaceta Eleitoral da República Bolivariana da Venezuela, dentro dos trinta dias seguintes à proclamação dos candidatos e candidatas eleitos”.
Nas fileiras do oficialismo, o ambiente oscila entre a alegria pela vitória eleitoral e a denúncia pelas ações da oposição, a quem acusam de não aceitar a derrota e tentar desestabilizar o governo. Ao meio-dia, Maduro compareceu ao prédio do CNE onde foi proclamado como presidente para o período de 2025-2031 pela autoridade máxima do órgão, Elvis Amoroso. “Estão tentando impor na Venezuela um golpe de Estado novamente, de caráter fascista e contrarrevolucionário”, afirmou em seu discurso.
Depois, por volta das nove da noite, o atual mandatário fez outro pronunciamento na televisão. Sentado a uma mesa junto a Diosdado Cabello, outra das figuras mais importantes do chavismo, e Remigio Ceballos, ministro do seu governo, Maduro mostrou vários vídeos de incidentes registrados em centros do CNE e em sedes de armazenamento de alimentos em vários pontos do país. Segundo ele, tratava-se de “grupos criminosos” pagos pela oposição para gerar distúrbios. “Por cima, colocam uma mulher com seu sorrisinho e um velhinho que quase não pode caminhar”, referiu-se a Machado e González Urrutia. “Mas por baixo há um plano para assaltar o poder na Venezuela, e por trás desse plano estão os gringos”, completou.
Na noite de domingo, em seu ato no Palácio Miraflores após serem conhecidos os resultados, o presidente eleito havia denunciado “um hackeamento informático massivo” no sistema eleitoral venezuelano “para o que já estava previsto: o grito de fraude”. “Já vi esse filme várias vezes, é o filme da extrema direita”, afirmou naquele momento.
A autoridade máxima do CNE ampliou ontem essa denúncia. Disse que a tentativa de hackeamento foi da Macedônia do Norte e que ocorreu durante a contabilização de dados e transmissão das atas eleitorais. O Procurador Geral da República, Tarek William Saab, deu uma conferência ao meio-dia, na qual avisou que todas as atas serão publicadas. Além disso, informou sobre a denúncia de 60 incidentes durante o processo eleitoral e 32 casos de destruição de material, algo que o presidente voltou a destacar.
Pelo lado da oposição, Edmundo González Urrutia e María Corina Machado ofereceram uma conferência de imprensa na qual reafirmaram a denúncia de fraude e avisaram que haviam conseguido as supostas atas não publicadas. “Temos 73,25% das nossas próprias atas escrutinadas e podemos dizer que contamos 6.275.182 votos para Edmundo e 2.259.275 para Maduro”, disse a ex-deputada. “Nosso presidente eleito é ele”, sentenciou sorridente diante de uma tribuna enfervorizada que a aplaudia em cada intervenção.
A líder antichavista, inabilitada para exercer cargos públicos, afirmou que publicarão essas atas conseguidas por seus fiscais em uma página web para que todo o país possa verificá-las (até o fechamento desta edição, a página ainda não existia). Machado também se referiu às manifestações contra Maduro como “expressões legítimas” e convocou seus seguidores a se reunirem em assembleias na terça-feira às 11 da manhã, para tomar decisões sobre o curso a seguir. Segundo anunciou depois nas redes sociais, ela estará em Los Palos Grandes, uma área nobre de Caracas. González Urrutia, por sua vez, disse que era “fundamental que as autoridades respeitem a vontade expressa nas urnas”. E além disso, acrescentou: “Entendo a indignação de vocês, mas nossa resposta democrática tem que ser com calma e firmeza”.
Ao longo do dia, foram registrados vários distúrbios e atos de violência em diferentes pontos do país. Alguns veículos policiais foram queimados e houve também bloqueios de estradas (inclusive a que levava ao Aeroporto Internacional de Maiquetía). À noite, de todas as formas, os incidentes começaram a diminuir, embora o clima ainda fosse percebido como muito tenso. Nas redes sociais, muitos usuários postaram vídeos de episódios violentos. Muitos deles, no entanto, acabaram sendo filmagens antigas. As ruas próximas a Miraflores permanecem bloqueadas por vários veículos blindados.
No âmbito internacional, também houve muitas reações à vitória eleitoral de Maduro. Os chefes de Estado da América Latina e do Caribe que legitimaram a apuração e felicitaram o atual presidente foram Miguel Díaz-Canel (Cuba), Daniel Ortega (Nicarágua), Xiomara Castro (Honduras) e Luis Arce (Bolívia). Também expressaram seu apoio os governos da Rússia, China e Irã, aliados importantíssimos do governo.
A Chancelaria Argentina, por sua vez, confirmou que não reconhece o resultado da apuração, ao mesmo tempo em que assinou um comunicado conjunto com os governos da Costa Rica, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Paraguai, no qual se exige a revisão dos resultados “com a presença de observadores eleitorais independentes”. Embora não tenha assinado este documento, o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, expressou que “não se pode reconhecer uma vitória se não se confia na forma e nos mecanismos utilizados para chegar a ela”. Também o mandatário chileno, Gabriel Boric, expressou a posição que seu país tomará até ter conhecimento das atas: “vamos nos abster de fazer um reconhecimento ao que foi anunciado pelo CNE”.
Frente à posição taxativa do não reconhecimento, outros mandatários escolheram, em vez disso, uma postura matizada. O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, expressou: “é preciso esperar que esteja 100% (escrutinado)”. E acrescentou: “Se a autoridade eleitoral confirmar essa tendência, vamos reconhecer o governo eleito pelo povo da Venezuela". O ministro de Assuntos Exteriores da Espanha, José Manuel Albares, publicou em seu perfil de X: “A vontade democrática do povo da Venezuela deve ser respeitada com a apresentação das atas de todas as mesas eleitorais para garantir resultados plenamente verificáveis”. Por sua vez, o chanceler da Colômbia, Luis Gilberto Murillo, também escolheu a cautela: “É importante dissipar qualquer dúvida sobre os resultados”.
O secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, por sua vez, expressou em um comunicado: “Temos sérias preocupações de que o resultado anunciado não reflita a vontade ou os votos do povo venezuelano. É fundamental que cada voto seja contado de maneira justa e transparente, que os funcionários eleitorais compartilhem imediatamente as informações com a oposição e os observadores independentes sem demora”.
Nesse sentido, o Centro Carter, que teve vários observadores nas eleições, também publicou um documento. No texto, diz: “A informação contida nos formulários de resultados das mesas eleitorais transmitidos ao CNE é fundamental para nossa avaliação e importante para todos os venezuelanos”. Também declarou Celso Amorim, assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da República do Brasil e homem da máxima confiança de Lula, que participou como observador. “Não sou de reconhecer tudo o que se diz, mas também não vou dizer que foi uma fraude. É uma situação complexa e queremos um regime democrático para a Venezuela de maneira pacífica”, manifestou.
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Venezuela: às portas de uma crise imprevisível - Instituto Humanitas Unisinos - IHU