31 Julho 2024
Apesar de suas emergências e as feridas no ecossistema, a questão ambiental foi a grande ausente de uma campanha eleitoral venezuelana precedida por chuvas que provocaram 100 mortes. Não é um assunto programático de primeira ordem para Nicolás Maduro e Edmundo González Urrutia, os principais candidatos.
O silêncio é mais estrondoso quando se leva em conta o que aponta o sociólogo Emiliano Terán Mantovani, membro e fundador do Observatório de Ecologia Política da Venezuela. “Não se fala quase nada da crise climática. Como se isto não fosse problema nosso. Contudo, os efeitos são transversais a toda a vida social, está mudando-a em seu conjunto”.
A entrevista é de Abel Gilbert, publicada por El Periódico, 25-07-2024. A tradução é do Cepat.
Quais são os principais problemas e riscos que podem atingir a população?
Os relatórios científicos mais sistemáticos apontam riscos muito importantes nas regiões áridas e semiáridas do país devido à intensificação e prolongamento das secas. Estas áreas estão localizadas na facha norte-caribenha, onde vivem milhões de pessoas. Começamos a conhecer casos de deslocados climáticos.
Por outro lado, a Venezuela vive perturbações muito fortes em seus padrões sazonais, ao menos desde 2009. As secas chegaram a colocar em xeque o sistema hidrelétrico com apagões como o que vivemos em março de 2019.
Outro aspecto histórico-estrutural que destaco é o aumento das inundações, deslizamentos de terra e desastres relacionados, pelo fato de milhões de pessoas viverem em montanhas e colinas, lugares que são muito vulneráveis a estes eventos. A existência de um regime autoritário, que governa sem maior consideração e cuidado social, intensifica os riscos climáticos.
Seguindo essa argumentação, que balanço é possível fazer deste quarto de século?
O saldo é muito negativo. Com Hugo Chávez, alcançou-se um reconhecimento nominal dos direitos ambientais (e também dos povos indígenas), consagrados na Constituição de 1999. Também foram criadas algumas leis que estabeleciam regras fortes para proteger a natureza. No entanto, isso ficou no papel como letra morta. O regime extrativista se aprofundou.
Com Chávez, expandiu-se de modo significativo a exploração de hidrocarbonetos na Faixa do Orinoco, petróleo extrapesado e muito mais poluente. Manteve-se a devastação do Lago de Maracaibo, o maior da América do Sul. Seu Ministério do Meio Ambiente permaneceu subordinado a Petróleos de Venezuela (PDVSA).
Foi com Chávez que nasceu o maior projeto mineiro da história do país, o Arco Mineiro do Orinoco (AMO), ao norte da Amazônia. O desmatamento foi intensificado, conforme indicam os próprios relatórios da FAO.
A primeira coisa era “construir o socialismo”, com o delírio de fazer da Venezuela uma “potência da energia mundial”, com mais e mais extrativismo em toda a geografia nacional. Apesar disso, Chávez não hesitou em posicionar o discurso do ecossocialismo e aparecer como uma “voz crítica” nas cúpulas sobre mudanças climáticas.
O que aconteceu após a sua morte, em 2013?
A situação piorou, com o colapso institucional que eu mencionava: o contexto de caos sistêmico, o aumento da corrupção, das economias ilícitas, junto ao marco de reformas neoliberais muito prejudiciais ao meio ambiente. Já em 2014, Maduro havia eliminado o Ministério do Meio Ambiente, o primeiro criado na América Latina, em 1977. Naquele momento, foi um escândalo. Seria possível esperar algo assim de alguém como Javier Milei, na Argentina, mas se deu na Venezuela.
A decisão foi tão ruim que tiveram que reconsiderá-la e, em 2015, criaram o Ministério do Ecossocialismo que, em nossa avaliação, está muito mais a serviço da reestruturação econômica em curso no país. Bacias hidrográficas são destruídas e corpos de água contaminados, com grandes problemas de acesso à água para milhões de venezuelanos.
O manejo de resíduos também é um grande desafio. Precisamos de grandes mudanças, sobretudo de uma classe política que compreenda a integralidade dos problemas e a necessidade urgente de reverter essas tendências.
Maduro atribui ao capitalismo um efeito predatório sobre o meio ambiente, falou com certa veemência na COP27, mas o que faz para além dessa retórica conjuntural?
Seu Governo levou o capitalismo na Venezuela a uma escala mais poderosa, impulsionando uma reestruturação econômica de perfil neoliberal. Esta se baseia em desregulamentações em massa da economia, proteção férrea do investimento estrangeiro, isenção de impostos para o capital privado nacional e internacional, imposição do modelo de Zonas Econômicas Especiais, privatizações de baixo perfil, expansão aberta da fronteira do extrativismo, sem falar da depressão programada do salário e as políticas macroeconômicas.
Os fatores de destruição ambiental foram levados a extremos, pois, por exemplo, as desregulamentações impostas buscam evitar qualquer controle que afete a rentabilidade dos empreendimentos econômicos. É como dizer: “venham que aqui garantimos para vocês a supressão dos custos ambientais”. De tal forma que Maduro fala com uma linguagem vazia. Não tem correspondência com a realidade.
A Venezuela aposta decididamente nos combustíveis fósseis. De suas exportações, 94% provêm da indústria petrolífera. Além da contribuição para o aquecimento global, o que acontece em termos de derramamentos e poluição?
É verdade que a indústria petrolífera produz muito menos do que antes. Hoje, talvez 850/900 mil b/d, mas carece de protocolos ambientais e reina o desleixo. Os derramamentos no país são praticamente diários. Com o colapso da PDVSA, atravessada pelo desinvestimento, corrupção, sanções internacionais e ineficiência, o número de acidentes na indústria também aumentou. Há praticamente um abandono da gestão ambiental, deixando as comunidades entregues à sua sorte. E uma ausência de informação.
Antes de 2016, a PDVSA gerava relatórios anuais da gestão ambiental, sendo possível conhecer o número de derramamentos e os volumes de petróleo bruto derramado. Não é mais possível saber com exatidão, pois na Venezuela, há anos, quase não há informações oficiais e graças ao monitoramento de organizações sociais como o Observatório de Ecologia Política, sabe-se de números aproximados desses eventos por ano.
Que compromisso o Governo assumiu no cuidado da Amazônia e do Orinoco? O que acontece no Arco Mineiro?
A Amazônia venezuelana é basicamente a nova fronteira de extração. Diante da debacle da economia petrolífera, a atividade que poderia ajudar o Estado a captar ingressos era a mineração, principalmente de ouro. Daí a criação do projeto Arco Mineiro do Orinoco (AMO), uma enorme faixa de quase 112.000 km2 em toda a região norte amazônica que foi oficializada pelo Governo Maduro, em 2016, para abrir inúmeras concessões ao capital privado.
O que tem prevalecido é uma constelação de atores irregulares e economias ilícitas que tornam ilegal praticamente toda a mineração na Amazônia, seja na zona do AMO ou fora dela. Cenário muito complicado porque envolve inevitavelmente a corrupção cúmplice de atores estatais.
A escala é tal que a Venezuela provavelmente já supera as 30 toneladas de extração de ouro, um número nunca visto no país. Ouro que, além disso, em sua grande proporção, escapa através de redes de corrupção e cadeias ilícitas globais.
Quais são as principais consequências?
Os impactos são tremendos, ao menos em três sentidos: um, com a destruição de florestas, monumentos naturais e parques nacionais, bacias hidrográficas, em uma biorregião muito delicada, com danos maiores na bacia de Cuyuni, Caroní, Ikabarú e em Yapacana, no estado Amazonas; dois, com o envenenamento das águas com mercúrio; e três, com o impacto nas comunidades indígenas, muito vulneráveis diante dessas economias que também são muito violentas.
Desde o ano passado, aumentaram as operações militares que poderiam, em alguns casos, mitigar momentaneamente estes danos, mas as raízes do problema não são abordadas.
Qual é o peso da questão ambiental nos discursos da oposição?
Lamentavelmente, há uma grave ausência de propostas. Não se fala sobre isso no pouco que há de debate eleitoral. Certamente, porque a conjuntura é muito delicada, mas também porque os pilares do pensamento político dominante são profundamente extrativistas e antiambientais.
Esta matriz se reflete claramente, por exemplo, no programa Venezuela Terra de Graça, de María Corina Machado, a figura líder da oposição: contempla maximizar a condição de “fonte de energia da Venezuela”, que nada mais é do que vender novamente o país como fornecedor de energia e recursos. Fala sobre mais petróleo, mais mineração e com privatizações em massa e grandes concessões ao capital transnacional.
Que alternativas são previstas diante da situação?
Em todos estes anos, conseguimos resistências locais que nos mostram outras avaliações e caminhos assumidos pelas pessoas. Outro aspecto que consideramos positivo é o fato de, hoje, a dimensão ecológica estar mais presente na sociedade venezuelana, embora a classe política não queira falar sobre o assunto. Há mais organizações ambientais trabalhando.
Acredito que o debate adentrou nos setores juvenis dos partidos políticos e, inclusive, em alguns setores sindicais. Vemos tudo isto como uma oportunidade que, como já mencionei, é preciso trabalhar mais para que tenha mais forma e sistematicidade.
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“A existência de um regime autoritário na Venezuela intensifica os riscos climáticos”. Entrevista com Emiliano Terán Mantovani - Instituto Humanitas Unisinos - IHU