Em menos de 48 horas foram registrados seis atentados contra comunidades indígenas nos Estados do Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Paraná. As informações foram divulgadas nesta terça-feira (16) pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e expõem a rede de facilidades para a atuação dos agressores diante da lentidão e fragilidade do Estado brasileiro.
O artigo é de Ivânia Vieira, jornalista, professora da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), doutora em Processos Socioculturais da Amazônia, articulista no jornal A Crítica de Manaus, cofundadora do Fórum de Mulheres Afroameríndias e Caribenhas e do Movimento de Mulheres Solidárias do Amazonas (Musas).
Eis o artigo.
São 48 horas que se somam a décadas, a séculos numa guerra permanente contra os povos indígenas do Brasil. Na construção e reformulação de modelos de silenciamentos diante de tamanha violência por parte de amplos setores da sociedade nacional.
A demarcação das terras indígenas e a operacionalização de instrumentos legais capazes de garantir o direito de viver dos povos indígenas são medidas fundamentais. É preciso assegurar respeito à Constituição e tornar visível a vontade política de enfrentar a guerra desigual que transformou a vida dos indígenas em experimento cotidiano de violação de direitos e massacres.
Os que cometem crimes contra as comunidades indígenas revelam, ao praticarem tais atos com frequência, não ter receio quanto à punição. Sentem-se confortáveis para espancar, atirar, cercar, atropelar e matar indígenas.
Em nota, no dia 14 de julho, diante de ataques aos povos indígenas, o CIMI afirma que “{...} há em comum nesses ataques, além da covardia e crueldade, a naturalização da violência que é avalizada pela inércia dos órgãos federais – que têm comprado, em boa parte dos casos, a versão do opressor – e, principalmente, pela manutenção em vigor da Lei 14.701/2023, que deturpa a Constituição Federal e foi promulgada à revelia da decisão da Suprema Corte que reafirmou os direitos dos povos indígenas.”
Alerta à sociedade que os ruralistas, sentindo-se legitimados pela vigência de uma lei inconstitucional, têm atacado aos olhos de todos, à luz do dia ou na calada da noite, em qualquer tempo, sempre com certeza de impunidade. “A ocorrência de tantos casos de violência, com as mesmas características e num mesmo período, dá a certeza de que essas ações criminosas são conectadas e articuladas entre si, visando reprimir os povos e afrontar seus direitos.”
O Conselho Indigenista Missionário pede a adoção de medidas políticas, jurídicas e administrativas no sentido de assegurar proteção aos indígenas e garantir que os agressores sejam responsabilizados criminalmente e que as terras indígenas sejam demarcadas. Se o conjunto de medidas não for implantado em tempo mais ágil os dias seguintes serão de novos ataques e possíveis mortes.
O cenário indica um tipo de corrida para expropriar, afugentar e matar aqueles e aquelas que insistirem em permanecer em suas comunidades e em seus territórios. Um empurra-empurra entre as instâncias de poder do Estado que estimula grupos a apropriarem-se a ferro e fogo das terras, certos da impunidade produzida pela indefinição definida de um marco temporal que age e denuncia o Brasil sem vontade política suficiente na realização da reparação histórica para com os povos indígenas. O massacre é maior, recepcionado pelos consensos das elites e legitimado por acordos transnacionais, nacionais, regionais e locais.